Ser contra o aborto e as drogas não resolve o problema

Jornal GGN – Na medida em que se aproximam as eleições, os candidatos à presidência são obrigados a responder a uma série de questionamentos morais. Foi assim em 2010, quando o tema aborto veio à tona na disputa pelos votos dos religiosos. É assim novamente hoje. Em visita a um templo evangélico, Aécio Neves declarou ser “contra o aborto e as drogas”. O tema é de saúde pública, e esse tipo de declaração simplista, não diminui o número de abortos nem abre caminho para políticas mais eficientes de combate às drogas.

Enviado por Gunter Zibell

Questões morais

Rosiska Darcy de Oliveira

Do Blog do Noblat

Em visita a um templo evangélico, Aécio Neves, depois de fervorosas orações, declarou que era “contra o aborto e contra as drogas”. Como se alguém, afora os que lucram com o aborto ilegal ou os traficantes, fosse a favor do aborto ou das drogas. Temos consumido anos de argumentação em debates a respeito da descriminalização da interrupção da gravidez indesejada ou do fracasso da guerra às drogas.

Trata-se de problemas de saúde pública e de dramas humanos pungentes. Declarações simplistas, talhadas para o auditório, não diminuem o número de abortos nem abrem caminho para políticas mais humanas e eficientes de combate às drogas.

O tema da homofobia também saiu do armário nessas eleições. A homofobia é manifestação de violência corriqueira que, quando não mata ou fere, envenena com humilhação a vida dos gays. É odiosa e criminosa, assim como o racismo.

O projeto de criminalização da homofobia está travado no Senado há oito anos. Quem for presidir o país vai poder ignorar os milhões de manifestantes que desfilam nas grandes e médias cidades em paradas do orgulho gay? Uma parcela da população não aceita mais que eles sejam assassinados e ofendidos. Não se trata de uma questão menor.

Margaret Thatcher não acreditava que existisse essa coisa chamada sociedade. Esquecia que Gandhi, fragílimo e desarmado, expulsou os ingleses da Índia apoiado nessa coisa que ela achava que não existia. Gandhi dizia que “uma árvore que cai, faz muito barulho, uma floresta que germina não se escuta”. Frase oportuna para pensar o Brasil.

Só ouvíamos o barulho espetacular da queda em desgraça dos velhos partidos políticos enquanto uma nova sociedade germinava. Esse barulho de árvores mortas que tombam torna inaudível a germinação silenciosa de uma liberdade de pensamento que foi penetrando na sociedade, aquela que supostamente não existe, mas viceja em sua imensa diversidade e luta pelas causas que lhe são caras.

Germinou uma democracia do cotidiano, vivida em profundidade por cada um, onde o que comanda é a liberdade de escolha, o direito de decidir sobre a sua própria vida. Os gays sabem que o amor é um pássaro louco que ninguém sabe onde pousará. As mulheres aprenderam nos embates duríssimos da vida real que seus corpos lhes pertencem. Agem e defendem-se em consequência.

As opiniões sobre questões morais se formam, cada vez mais, em círculos de confiança, exprimindo uma subjetividade trabalhada e sofrida, insubmissa às palavras de ordem de partidos ou dogmas religiosos.

Esse exercício de liberdade em que a sociedade se autotransforma extravasa da lógica partidária que tudo submete à luta pelo poder a qualquer preço ou das igrejas que submetem a espessura da vida real ao fogo dos infernos. É nos fios cruzados dos círculos de confiança, da capilaridade das redes sociais e da mídia onipresente que circulam argumentos e deliberações.

As meias palavras não aproveitarão aos candidatos. As liberdades morais entraram na agenda política e são incontornáveis. Talvez se esteja subestimando a sociedade, julgando-a mais conservadora do que ela de fato é. E não se tenha percebido que a expectativa do eleitor, essa sim esmagadoramente majoritária, é a credibilidade do candidato. Que cada um esteja realmente por trás do que diz. Honestidade também é uma questão moral.

O Brasil é um Estado laico, garantia sólida contra o fundamentalismo religioso. Maior garantia ainda é a capacidade do cidadão de formar sua opinião e assumir a autoria de sua vida. Nisso reside uma nova postura que não se aplica apenas aos costumes, mas também às escolhas políticas.

Foi essa nova postura que Marina Silva, na sabatina do GLOBO, destacou: “O mundo está mudando, existe um novo sujeito político que quer papel de autor.” Filha da floresta, talvez tenha ouvido essa germinação, o que explicaria a esperança que suscita.

A questão moral que deveria ocupar o proscênio nessa eleição, porque há anos revolta a sociedade, não é o comportamento privado, dos gays, das mulheres, dos que usam drogas. É a deslavada corrupção que se instalou no Brasil como instrumento de governo. Essa sim, obscena e imoral, porque predadora do dinheiro público, tem que ser criminalizada nos atos e não apenas em declarações de princípio.

É esse mundo sombrio que o debate sobre moral deve iluminar. Possam os gays amar em paz. Socorram-se, nas melhores condições, as mulheres em desespero. Que sejam acolhidos os que se perderam nas drogas. Guarde-se a prisão para os verdadeiros bandidos. 

Rosiska Darcy de Oliveira é escritora

 

Redação

18 Comentários

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  1. Nossa, alguem passando pelo blog conseguiu a

    façanha de colocar uma * só para este texto tão sincero e cheio de humanidade!

    A afirmação do A. Neves sobre ser “contra o aborto e contra as drogas” é de uma imbecilidade impar, pois ninguém em sã consciência pode ser a favor do aborto e das drogas (a não ser o submundo abjeto que vive destas calamidades), e terrivelmente hipócrita, pois se na família deste candidato alguma menina quiser abortar, certamente a família ajudará a acobertar o caso, e se outra pessoa tiver problemas com drogas, a mesma família e alguns outros ajudarão também a acobertar o caso e quiçá ajudarão a pessoa envolvida, se esta quiser, a iniciar um tratamento.

    Alias, imbecilidade e hipocrisia parecem ser os guias das campanhas de alguns candidatos.

  2. Bonitinho, mas …

    Quico a ver especificamente com Marina?

    Tudo isso para dissimulá-la em distraídos? 

    “Foi essa nova postura que Marina Silva, na sabatina do GLOBO, destacou: “O mundo está mudando, existe um novo sujeito político que quer papel de autor.” Filha da floresta, talvez tenha ouvido essa germinação, o que explicaria a esperança que suscita.

    A questão moral que deveria ocupar o proscênio nessa eleição, porque há anos revolta a sociedade”…

    Há quantos anos, especificamente? … Digamos, uns 10 mil?! (ou seriam apenas 12?…)

    Marina é a filha da floresta “que sacou este novo porvir”!

    Parece picaretagem de evangelizado evangelista…

    Crente, mesmo! 

  3. Sua candidata à Presidência

    Sua candidata à Presidência da República tem as posições mais conservadoras a respeito desses dois temas. Para não se melindrar com uns e outros, sempre se exime de ser clara a respeito e remete a questão ao legislativo propondo um plebiscito, já sabendo por óbvio que não passará. 

  4. aborto não, abortamento.

    Com relação ao tema abortamento, queria dar um pitaco. Primeiro: aborto é o feto morto. Não faz sentido ser contra ou a favor do aborto. Em segundo lugar, uma historinha, ou melhor, tragédia do final dos anos 90. Menina da Baixada Fluminense (Duque de Caxias) de apenas dez anos, foi estuprada e engravidou. A mãe, desesperada, encontrou um juiz que autorizou o abortamento. A Igreja Católica se mobilizou e convenceu a mãe da menina a ter o bebê, mesmo com o altíssimo risco em função da pouca idade da garota. Aliás, nem garota, criança. Convencida a mãe, carregaram a menina para uma cidade do interior de São Paulo, onde ela teve o filho. Ficou mais seis meses vivendo por conta da Igreja, que depois, devolveu a filha e o bebê à mãe/avó. Mais sinistro do que isso, só o Serra mordendo o pescoço de algum eleitor desavisado.

    1. alguém já tuitou para esta

      alguém já tuitou para esta esquecer dessa possibilidade de arranjar algum não corrupto para nomear para qualquer coisa?

  5. Gunter e Nassif
    Nosso país

    Gunter e Nassif

    Nosso país está ainda num sistema feudal com relação a moral; somos discriminadores por natureza e só mudaremos com a devida melhoria da qualidade da educação, onde entendo que estes temas devam ser inseridos nas grades curriculares (do pré ao superior) para que se mude a forma de pensar de nossa sociedade. 

    Dizem que somos um país laico, mas vemos candidatos frequentando ambientes “fundamentalista”, inclusive com debate marcado para a próxima terça feira em Aparecida do Norte, organizado pela CNBB.

    Esperar o que…!?!?!?!…..

    Abração

  6.   Interessante o texto. Só

      Interessante o texto. Só implico com uma frase:

      “É a deslavada corrupção que se instalou no Brasil como instrumento de governo.”

      Instalada QUANDO, cara-pálida? Que a corrupção deve ser combatida é óbvio: até aí morreu o Neves. Mas qual foi o dourado período pretérito a essa instalação da corrupção na política, uma era de sonhos em que a política brasileira não se misturava à corrupção?

  7. e ser a favor resolve o

    e ser a favor resolve o problema?  ou apenas agrada o autor?

    eu acho uma grande idiotice dizer que por não vencer o problema de forma definitiva deve se aceita-lo!  

  8. Descriminalização

    Este debate tem três tópicos.

    Os que defendem os interesses dos movimentos lgbt.

    Os religiosos

    E a sociedade.

    Afora os que lucram com o aborto ilegal e os traficantes de drogas os debates a respeito da descriminalização do aborto e das drogas, cada vez mais se estabelece na sociedade. O fracasso na guerra às drogas é um forte argumento a favor deste debate.

     

    Por outro lado a questão do aborto traz embutido neste debate outras questões além do direito civil.

    É consenso na sociedade que estas questões em particular e outras, não conta com qualquer vontade política que solucione, senão definitivamente, pelo menos paliativamente com estes problemas sociais. Para evitar o compromisso que os desfavoreçam politicamente, os responsáveis pela legislação, preferem jogar a sujeira para debaixo do tapete.

    Tanto o usuário de drogas como a infeliz que se deixa levar pelo aborto, necessitam antes de tudo de amparo social, em vez da polícia. Isto está cada vez mais claro, só que é o caminho mais dificultoso, dá trabalho, e a legislação eleitoral desfavorece os projetos de longo prazo, patrocinando apenas as condições para que os políticos se preocupem com a própria reeleição.

    Trata-se de problemas de saúde pública e de dramas humanos pungentes.

     

    Declarações simplistas, talhadas para o auditório, não resolvem a situação.

    O projeto de criminalização da homofobia, tenta repetir o mesmo erro que tenta imputar no outro lado.

    Não é criminalizando um comportamento cultural que o problema deixará de existir. A solução exige respostas mais complexas e de maior profundidade social, mas, isto também dá trabalho.

    Além do mais, já existem leis que pune o criminoso comum. É criando novas modalidades de punição que se resolverá o problema, além de caracterizar sobreposição do direito civil?

    A sociedade brasileira está submetida a uma legislação de um estado laico, porém, é profundamente religiosa, não é agnóstica e muito menos uma sociedade ateísta.

    Tentar defender o aborto, alegando que o corpo pertence a mulher é uma posição que gera o repudio da maioria da sociedade brasileira. O corpo pode pertencer a mulher, mas, não a vida que gera em seu ventre.

    Esse exercício de liberdade em que a sociedade se autotransforma extravasa da lógica partidária que tudo submete à luta pelo poder a qualquer preço ou das igrejas que submetem a espessura da vida real ao fogo dos infernos. É nos fios cruzados dos círculos de confiança, da capilaridade das redes sociais e da mídia onipresente que circulam argumentos e deliberações.

    As meias palavras não aproveitarão aos candidatos. As liberdades morais entraram na agenda política e são incontornáveis. Talvez se esteja subestimando a sociedade, julgando-a mais conservadora do que ela de fato é.

    Quem pode afirmar que a sociedade é mais ou menos conservadora?

    A questão moral que deveria ocupar o proscênio nessa eleição, porque há anos revolta a sociedade, não é o comportamento privado, dos gays, das mulheres, dos que usam drogas. É a deslavada corrupção que se instalou no Brasil como instrumento de governo. Essa sim, obscena e imoral, porque predadora do dinheiro público, tem que ser criminalizada nos atos e não apenas em declarações de princípio.

    É esse mundo sombrio que o debate sobre moral deve iluminar. Possam os gays amar em paz. Socorram-se, nas melhores condições, as mulheres em desespero. Que sejam acolhidos os que se perderam nas drogas. Guarde-se a prisão para os verdadeiros bandidos.

  9. Como comparar aborto com

    Como comparar aborto com consumo ou tráfico  de drogas!!!!! Abortamento é um assassinato egoísta! de um ser indefeso e inocente!!!! De forma cruel e dolorosa!!!!! Isso é um absurdo!!!!! Consumo de drogas, tráfico. etc…não dá para comparar!!! O cara quer ser ferrar, que se ferre, mas matar um bebê é um HORROR!!!!!!! Terrível!!! Não dá prá considerar de ordem pública, saúde pública! Tem que educar a população!!! É crime e ponto final!!!! è assassinato cruel. Egoísta, nojento!!!!

    1. É crime e ponto final

      Apenas na sua opinião, Wilma.

      Na minha opinião, até a décima segunda semana de gravidez, não existe um bebê para ser assassinado, da mesma forma que masturbação não é assassinato em massa. Não sou a favor do aborto, como ninguém é, mas apenas a favor da autodeterminação da mulher. Sou contra a hipocrisia, que mata mulheres pobres, mas permite às ricas abortarem o quanto quiserem.

  10. Este post é inocente ou
    Este post é inocente ou trata-se da volta deste tema as eleições querendo trazer prejuízos à campanha em ascensão da dilma. Veio do gunter, será que conscientemente a militância da marina quer trazer esse tema para chafurdar?

  11. Em visita a um templo

    Em visita a um templo evangélico, Aécio Neves, depois de fervorosas orações, declarou que era “contra o aborto e contra as drogas” 

    Quaquaqua.

    Aécio contra as drogas?? Hahahahaha. Será que ele consegue ser assim tão hipócrita de cara lavada ou precisa, antes, de alguma coisa para desinibir-se? 

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