Sergio Moro e Gilmar Mendes: eles podem tudo?, por Roberto Amaral

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Roberto Amaral

Em 2014 foi possível, na última instância, a eleição de Dilma Rousseff – uma vitória precária, saber-se-ia depois –, mas, com ela, elegeu-se um Congresso exemplarmente reacionário, em condições de reescrever o discurso da soberania popular ditado no pleito presidencial.

Fica para outra oportunidade a discussão sobre a distância ideológica do voto majoritário em face do voto para as casas legislativas. Desta feita, essas considerações se cingem a uma de suas consequências: a brutal perda de legitimidade e representação do Poder Legislativo, posta de manifesto em face do quadro real da sociedade brasileira, contrastando com sua composição.

Segundo o estudo Radiografia do Novo Congresso-Legislatura 2015-2019 (pp. 18 e segs.), do Diap, o perfil da atual Câmara dos Deputados compreende, entre outros, 200 empresários, 169 profissionais liberais, 30 servidores públicos, 23 professores, 15 policiais, sete bancários e cinco metalúrgicos.

Num universo de 513 parlamentares, 136 assalariados, mas 74 pastores evangélicos e 191 integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária-FPA. Esses números, por si sós, são a mais eloquente denúncia da absoluta ausência de representatividade do Congresso Nacional, explicam sua decadência ética, legislatura após legislatura, e explicam, finalmente, o papel desempenhado desde a eleição do correntista suíço para a presidência da Câmara e o
último ato da comédia de erros e equívocos em que se constituiu o ‘julgamento’, pelo Senado, do impeachment afinal aprovado contra o mandato legítimo da presidente Dilma Rousseff, no episódio, ré sem crime.

Aliás, essa é a característica da nova ordem instaurada com o golpe continuado que teve suas primícias no espetáculo do dia 17 de abril deste ano, primeiro fruto da associação concertada entre a mídia monopolizada, o Congresso, o Poder Judiciário e o grande capital contra a ordem política até então vigente.

O Congresso eleito em 2014 (na mesma eleição que deu maioria à candidata Dilma Rousseff) assegurou o golpe de Estado, mas a instalação, como seu desdobramento, do Estado autoritário, via ditadura judicial, ou o golpe de Estado permanente contra a ordem democrática e constitucional, é obra militante do Poder Judiciário que se constitui, presentemente, em ‘ponto fora da curva’ do Estado de Direito democrático, tantas e seguidas são suas agressões à Constituição da República, cuja defesa é seu dever de ofício.

Não é irrelevante, para quem cultiva os princípios gerais do direito, que o Tribunal Regional Federal da 4ª região (Porto Alegre), para onde seguirão em grau de recurso as sentenças prolatadas pelo factótum da República de Curitiba, declare, em decisão acordada numa votação de 13 votos a 1, que em tempos excepcionais (e o que são ‘tempos excepcionais’?) as decisões judiciais não precisam observar as leis.

Se o juiz pode, a cada julgamento, criar o seu direito, a seu talante, o Direito simplesmente saiu de cena, e tudo o mais é possível e o que estamos a assistir é a um festival de absurdos que faz de Ionesco um aprendiz de dramaturgo. Se o juiz, chame-se Moro ou Moura, ou Gilmar
Mendes, pode tudo, ou tudo pode, contra a lei e o Direito, jogaram-se às urtigas a segurança jurídica, sem a qual simplesmente não há Direito. É a legitimação da lei da selva.

Quando um juiz de primeira ou de qualquer instância comete um ilícito, e por esse ilícito, reconhecido pelo STF, não é punido, a mais alta Corte torna-se cúmplice dele. O Supremo declarou ilegais as gravações de conversa da presidente com o ex-presidente Lula que o juiz Moro tornou públicas. Que cumpria, então, ao STF, fazer? Oficiar à Procuradoria-Geral da República e ao CNJ dando ciência desse ilícito de quebra de sigilo. Nada foi feito.

Quando esse mesmo juiz, no recebimento de denúncia contra Luiz Inácio Lula da Silva, declara que, a partir dali, ‘regularmente processado’ o acusado teria condições de provar sua inocência, está agredindo tudo o que se concebe como Direito, pois, no Estado de Direito Democrático, não cabe ao acusado provar sua inocência, uma presunção, mas ao acusador provar sua culpa!

E assim, em um simples despacho, o juiz transforma a presunção de inocência em presunção de culpa! E fica tudo como dantes no Castelo de Abrantes! Porque o juiz – no caso juiz, investigador, promotor e julgador – não está só. Amparam suas costas largas a mídia irresponsável, a Polícia Federal e o Ministério Público, e, principalmente, dá-lhe respaldo o STF, quando, em dois julgamentos, decide fazer tábula rasa do princípio constitucional da presunção da inocência, e quando admite, contra o texto constitucional, a execução da pena de prisão antes de a condenação haver transitado em julgado, isto é, haver passado por todas as instâncias de apreciação.

O STF agride os fundamentos do Direito Penal dos países civilizados. Mostra-se, no século XXI, incapaz de entender as lições que o Marquês de Beccaria nos legou no seu clássico (geralmente leitura obrigatória dos calouros dos cursos de direito) Dos delitos e das penas, obra do século XVIII.

Pensando em punir adversários de hoje, pune a civilização, que tem na liberdade o maior dos direitos do homem, a ele só equiparável o direito à vida. A supressão da liberdade é o ultimo recurso de que deve lançar mão o Estado contra o indivíduo, pois os anos de cárcere não são recuperáveis, como não é recuperável a vida depois de executada a sentença de morte.

Que fazer com a liberdade perdida pelo condenado absolvido em terceira instância? Por isso mesmo é de um absurdo que brada aos céus a forma como a privação da liberdade, sem julgamento, banalizada, transformou-se em instrumento de suplício e tortura contra acusados
ainda sem culpa, posto que são presos para que a culpa se estabeleça e os fatos de que eventualmente serão acusados finalmente sejam apurados.

Era assim nos tribunais dos tristes dias do stalinismo e dos famosos ‘Julgamentos de Moscou’, era assim, entre nós, no ‘Estado novo’, era assim nos anos de chumbo da ditadura: os adversários do regime ilegal são presos sem culpa formada, são condenados, e a seguir ‘processados’, mas tudo começa pela prisão.

Todos os arbítrios têm suas justificativas, sempre negadas pela História. Os muitos Savanarola das muitas inquisições se diziam enviados de Deus para purificar o mundo dos ímpios e dos infiéis, como Joana D’Arc, Giordano Bruno e Galileo. Já nos nossos tempos, Hitler pretendia salvar a raça ariana e Stalin livrar a pureza do comunismo das ameaças de seus adversários internos. Vargas precisava, depois de 1935, livrar o País dos comunistas e dos integralistas. A última ditadura militar prometia livrar o País da ameaça comunista e da orrupção. Sempre ela. Tudo cabia sob o guarda chuva de “crimes políticos”.

Hoje, jovens juízes e procuradores, sem cultura histórica, esmeram-se como os novos “salvadores da pátria” (de que os cemitérios de todo o mundo estão plenos), portadores de uma missão divina, sentem-se e agem como cruzados da modernidade. Para salvar o País da corrupção, tudo é permitido, mesmo a injustiça, a perseguição política, a derrogação dos direitos individuais tão penosamente conquistados pela civilização.

A judicialização da política se agrava com a partidarização da Justiça e quando procedimentos inconstitucionais não são detidos, como os do juiz Moro e os do inefável ministro Gilmar Mendes – “aquele que não disfarça” como muito bem precisou o jornalista Bernardo Mello Franco, a Justiça, última expectativa de segurança do cidadão comum, transforma-se em uma falácia.

Permanentemente impune, o ministro Mendes impregna de peçonha os seus pagos e agora transforma o TSE em tribuna para discutir parecer da Procuradoria-Geral da República que condena como inconstitucional a PEC 241 (aquela que congela os investimentos em saúde e educação) e assim meter seu incabível bedelho na discussão do mérito da emenda.

Em “nota técnica” assinada e divulgada por ordem superior por dois funcionários da casa, o TSE – que nada tem a ver com as discussões que se travam no Congresso, e sem ser chamado – discute o mérito da proposta e condena o que chama de irresponsabilidade fiscal de governos predecessores.

Referindo-se claramente à Procuradoria-Geral da República, dita a nota: “Não se afigura sequer razoável que instituições que se beneficiaram tanto e, portanto são sócias da irresponsabilidade, agora procurem fazer uma interpretação constitucional heterodoxa, contrária
à história, para buscar, de modo egoísta, a manutenção de privilégios[…]”.

Para o procurador e jurista Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, esses tristes dias de hoje lembram muito a visão de justiça nazista. Nossos juízes de hoje estariam simplesmente a repetir o que fazia Roland Freisler, presidente do Volksgerichtshof, o Tribunal Popular da
Alemanha. Naquele então também se proclamava que “tempos excepcionais exigem leis excepcionais, tempos difíceis que exigiam juízes excepcionais, decisões excepcionais. Assim entre nós, no Tribunal de Segurança Nacional da ditadura varguista. Em 1964, para salvar a democracia, os militares nos premiaram com 20 anos de ditadura.

Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

10 Comentários

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  1. Sim, eles podem tudo.

    os paulistanos/paulistas batedores de panela que desfilam na av.. Pato Donald com a camisa da seleção da CBF decidiram isto, inclusive nas urnas!!!!!!

  2. Não é o caso de poderem ou

    Não é o caso de poderem ou não poderem…  é que faz algum tempo que são eles os criadores das peças, das divulgações, das críticas… e são os donos dos palcos… os que não estão batendo palmas pra eles, estão na platéia fazendo pano de fundo. 

  3. Eu não tenho duvida

    Eu não tenho dúvidas que os 11 do STF tem algum rabo preso nestas delações, aquela delação vazada do “Office Boy” foi só uma amostrinha.

    Eu sei que o ser humano vive mudando de ideias com o tempo, e isso faz parte do crescimento, mas mudar de ideia de um dia para o outro?

    Ou são todos maus caráteres da pior espécie, daqueles que escreve e ensinam uma coisa e fazem outra, ou estão sendo chantageados.

     Pessoas que até 6 meses atrás eram respeitadíssimos em todos os ambientes jurídicos, e hoje em particular são motivos de chacotas nestes mesmos ambientes. Só sobrou o cargo.

    De uma hora para outra se transformaram em anões morais.

    Estes dias conversando com um amigo de mais de 40 anos, advogado, fez Direito E Ciências Sociais, até algum tempo eu respeitava o intelecto, até ele começar a recitar Facebook, eu disse: –  “Se continuar assim não vamos mais precisar de advogado, pois quando se juntam Policia, MP e Juiz para condenar uma pessoa, para que advogado? ” Ele respondeu – “Isso é só para o PT, para os advogados vai sobrar muito PRETO, POBRE e DELATOR ainda – e complementou – não vemos a hora que essa Delação Premiada chegue ao tráfico de drogas, armas, etc.”

  4. m

    Esses dois agem como quem pensa que pode tudo,parecem CONVICTOS disso,e fazem com que os alienados adotem essa “verdade”.E o convivio promiscuo deles com a midia golpista é o pior dessa estória macabra.   Dois Torquemadas.

  5. Eram os Deuses magistrados

    Erich Van Doniken, cientista, jornalista, ufólogo e escritor suiço, na década de 1960, lançou uma obra chamada ” Eram os deuses astronautas” onde ele confronta a existência de Deus, afirmando que nós somos cria de miscigenação entre seres de outros planetas com primatas ancestrais. Com isto, os nossos visitantes, que seriam os Deuses judaico, cristão, indú, etc, deixaram-nos como legado toda a nossa existência, a partir de inserções genéticas. Esta teoria ganhou adeptos, dentre os quais eu, que já creio na existência de um Deus onipresente, onisciente, onipotente há muito tempo.

    Um pouco antes, uns 150 anos mais ou menos, Montesquieu  elaborou a teoria da tripartição do poder , a fim de harmonizar a convivência democrática. Todas as democracias decente do mundo , são adeptas da idéia do filósofo francês.

    No Brasil , a primeira pitada democrática é dos anos 50, muito embora, e por mais paradoxal que pareça, uma ditadura – a de Vargas – foi essencial para o futuro.

    Em 1964, a oligarquia nacional amedrontada pela possibilidade do povo tentar melhorar de vida, apelaram as forças armadas que os salvassem do comunismo.

    Vinte e um anos depois, após muito suor e sangue, pudemos , as duras penas, sonhar de novo , com dias melhores.

    Quando estávamos nos acostumando, eis que um novo exército , capitaneado por um Ministro boquirroto e por um juizinho mimado e fascista, vem em socorro as mesmas oligarquias , desta feita liderada por um partido de ex-socialistas, que hoje nada mais fazem do que negociar bens públicos em benefício próprio. Este exército não veste farda, não empunha armas de fogo, não lutam lealmente ( não que os milicos fossem leais mas dava para se defender e muitas vezes vence-los) .Eles usam a investidura do poder da caneta, do mandado judicial , contra o qual só se pode utilizar o contra mandado. Porém, como chefes que são, mesmos seus superiores, ou aqueles que poderiam corrigi-los não o fazem, pois também estão emparedados ou acovardados como disse Lula, pela tinta de suas canetas.

    Sim , eles podem tudo e fascinam as novas gerações com suas poses impávidas e com seu vocabulário raivoso. Os novos juízes se postam a eles como se Deuses fossem e isto fez liberar a mais demoníaca das instituições: O Ministério Público, de onde não se pode esperar nenhum escrúpulo na lida com o direito, a não ser aquele que lhe satisfaça como o dono da verdade que presume ser.

    Daqui a alguns anos , certamente, algum filósofo que não será helvético, mas provavelmente tupiniquim irá escrever: ” eram os deuses magistrados”.  

  6. é fácil defini-los

    não precisa ficar rodeando muito. Os fanáticos juizes citados, Mendes e Moro, assim como os membros do MP que se consideram os paladinos do combate à corrupção, não passam de corruptos. Usam suas funções de funcionários públicos para dar poder de juiz às empresas de mídiia, em troca de criação de reputação forjada, que depois pode ser vendida no mercado de vaidades novamente.

    CORRUPTOS, só isso!

  7. Os Simpsons e o despotismo ~nada~ esclarecido de Curitiba

    Os Simpsons e o despotismo ~nada~ esclarecido de Curitiba, por Romulus
     

     ROMULUS
     SAB, 15/10/2016 – 17:45
     ATUALIZADO EM 15/10/2016 – 19:48

    Os Simpsons e o despotismo ~nada~ esclarecido de Curitiba

    Por Romulus

    (i) Lisa Simpson esteve de novo no Brasil – ou quase

    Há um episodio de “Os Simpsons” em que, dentro do roteiro sempre caótico e imprevisível por que a série se caracteriza, Lisa ascende ao poder na cidade como parte de um “conselho de notáveis”, composto apenas pelos maiores cérebros de Springfield.

    No início uma maravilha! Tudo mais eficiente e racionalizado…

    E no entanto…

    Bem, e no entanto depois tudo dá errado.

    A pobre Lisa, mesmo superdotada, não consegue compreender como aquele “sonho tão belo” pode desandar.

    E aí, no final, chega Stephen Hawking para socorrê-la e explicar o (não tão) óbvio:

    – Às vezes os mais inteligentes podem ser os mais ingênuos.

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     (i) Stephen Hawking explica aos Simpsons fracasso do despotismo esclarecido; (ii) Simpsons contam mais a Dallagnol sobre o Mayflower e os peregrinhos “não corruptos”; (iii) Os Simpsons visitam Curitiba, digo, Salem durante a caça às bruxas; (iv) e (v) a História dos EUA segundo South Park.

     

  8. Muito tempo atrás vocês deram

    Muito tempo atrás vocês deram poder demais para os seus juízes.

    Agora é hora de tirar esse poder deles. Antes que seja tarde demais.

  9. Preciso o texto do professor

    Preciso o texto do professor Roberto Amaral. Triste realidade de um país que a cada 20 anos está no regime de excessão!

  10. O pior é em montes claros MG
    O pior é em montes claros MG que após o ministro marco Aurélio dar um habeas corpos para que o candida não seja preso o mesmo está usando a foto e o nome do ministro na sua campanha política…obs.. o cara é ex PRESIDIÁRIO e atual FORAGIDO da justiça…

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