Setor elétrico vai ficar cada vez mais complexo

Jornal GGN – Nos últimos anos, o setor energético brasileiro vem passando por profundas reformulações. Estamos em um momento que os especialistas chamam de “transição hidrotérmica”. Durante a maior parte da nossa história, dependemos da produção hidrelétrica para suprir a demanda por eletricidade. Agora, com um modelo de licenciamento ambiental mais rígido – que limita as capacidades dos reservatórios de novos projetos para evitar o alagamento de grandes áreas – e com a escassez de água, precisamos contar com novas formas de geração de energia.

O apagão de 2001 colocou uma pedra sobre as candidaturas tucanas à presidência. Para não acabar do mesmo jeito, os governos petistas apostaram na geração térmica. A lógica era simples: quando faltasse água, essas usinas entrariam em operação e garantiriam a continuidade do fornecimento.

Funcionou durante os primeiros anos, mas havia um problema, o preço da energia gerada pelas termelétricas é muito superior. A situação hídrica se agravou, essa solução paliativa começou a ser cada vez mais utilizada e o governo não permitiu o repasse desses custos para o consumidor, pela tarifa. Como consequência o setor entrou em crise financeira.

Além da necessidade de adequar o preço da energia ao custo de geração – medida que finalmente está sendo tomada, por meio de reajustes, normais e extraordinários, e do sistema de bandeiras tarifárias – se evidenciou a necessidade de investir em novas fontes. Alternativas, renováveis.

Justiça seja feita, essa é uma preocupação do governo há algum tempo. E iniciativas foram tomadas nesse sentido. Os leilões de energia eólica foram bem concebidos e muito bem sucedidos. E a fonte deve ganhar cada vez mais importância na matriz nacional.

A dúvida que fica, e que foi tema de discussão calorosa no 56º Fórum de Debates Brasilianas.org, é: como o sistema vai absorver essas novas tecnologias.

Para Ronaldo Bicalho, pesquisador do Grupo de Economia da Energia, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE-UFRJ), a introdução das renováveis não hidráulicas na matriz vai aumentar muito a complexidade de um sistema que, por natureza, já é bastante complexo.

“A complexidade do sistema é enorme. Tecnicamente, economicamente e politicamente. A interdependência dos processos é brutal. E a imprevisibilidade é inevitável. Principalmente pela característica do produto, que não é estocável. Então, esse sistema tem que ser flexível. E para aumentar a flexibilidade só com inovação tecnológica”, disse.

Para ele, o nível de flexibilidade do sistema é que define o teto da participação das renováveis na matriz. E não tem jeito, aumentando a intermitência – e ainda levando em conta a questão da não estocabilidade – é preciso investir em redundância.

“Você tem que equilibrar instantaneamente oferta e demanda e não tem a colher de chá do estoque. Se o seu sistema tem uma curva de demanda que sobe, depois desce, tem plantas que só vão entrar no pico, em determinados momentos do ano, determinados momentos do dia. Então, você tem que ter sobre-capacidade. Tem plantas que vão ficar ociosas. Isso tem um custo. E é isso que os economistas não entendem e é por isso que eles odeiam o setor”, explicou.

Bicalho defende a evolução das tecnologias de comunicação e diagnóstico como essencial para controlar as cargas. “A rede sempre foi inteligente. Imagine você que no século XIX tiveram a ideia do fusível, que queima em caso de problema para não derrubar o sistema todo. Mas essa era a inteligência do século XIX. Agora, precisa evoluir”.

E é necessário inovar também no campo institucional, e formular uma política robusta de financiamento e tributação. “E isso não é simples”.

Bicalho lembra ainda que o sistema nacional é único, todo interligado, o que só aumenta a complexidade. Mas explica que ele foi concebido dessa maneira para explorar a economia de escala e de escopo.

A microgeração é uma maneira de descentralizar a produção. Mas isso pode ou não reduzir a complexidade. No caso que o microgerador é autossuficiente e se desliga da rede, a complexidade do sistema cai. Mas no caso em que o microgerador permanece conectado, a complexidade aumenta.

Para Bicalho, a evolução do setor vai nesse sentido: a não estocabilidade permanece, a interdependência permanece, mas a complexidade aumenta. “A eletricidade vai continuar sendo essencial. A demanda vai crescer em todo o mundo, nos países ricos e nos países pobres, na indústria, nos serviços, no comércio e no residencial. Então, precisa de mais flexibilidade, mais coordenação e aprimoramento institucional”.

O momento atual do Brasil já foi vivido por outros países ao redor do mundo. Mas Bicalho acredita que podemos superá-lo de maneira menos traumática. “O Brasil tem tradição em lidar com a intermitência, tem capacidade significativa de estocagem – que são os reservatórios -, tem centrais flexíveis – que são as hidrelétricas -, tem um sistema extenso, tem capacidade técnica e gerencial. A nossa transição elétrica pode ser menos radical do que no resto do mundo”.

https://www.youtube.com/watch?v=J9ZvWe9tGAw width:700

Redação

7 Comentários

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  1. “introdução das renováveis na matriz”

       O GGN também cai nas pegadinhas, não existe “introdução das renováveis na matriz” pois nosso sistema sempre foi baseado nisso, a hidroelétrica é a melhor das renováveis e com ela temos uma posição invejável no mundo com uma capacidade de geração formidável, o complemento por outros meios de geração é ótimo para épocas de seca ainda assim a maior parte dos novos investimentos é em hidroelétrica e isso também é ótimo.

       Mais uma vez não se trata somente uma curiosidade semântica, faz parte de uma guerra que tem sua frente de batalha verbal, tem gente por aí fazendo campanha contra o nosso desenvolvimento e isso obviamente inclui as grandes obras de infra estrutura, todas elas, da indústria do petróleo até a única fonte renovável ótimo custo/benefício que é a hidrolétrica além de ser a única que pode ser considerada estocável por longos períodos.

  2. É decepcionante a ausência da energia nuclear

    É com grande preocupação que vejo que, após anos de debates, e com as tarifas de energia chegando a valores estratosféricos, ainda não haja qualquer reflexão, mesmo aqui, que apresente a energia nuclear como uma opção para o Brasil. Temos uma quantidade enorme de urânio e tório (que são utilizados como combustível nuclear) dentro de nossas fronteiras, já dominamos a tecnologia de enriquecimento de urânio e de fissão atômica, e tudo isso até agora tem sido solenemente ignorado – mesmo por aqueles que, como Nassif e cia., pretendem pensar o país de amanhã. É sério mesmo que a única solução que se vê para o setor elétrico brasileiro é investir nas caras e ineficientes usinas solares e eólicas? Ainda insistem em ignorar toda a vasta literatura sobre a inadequação dessas fontes para grandes economias, tais como a nossa? Não lêem absolutamente nada sobre o caso da Alemanha (que está investindo pesado em usinas a carvão, após perceber que as solares não fazem milagre) ou sobre o Japão (que está reativando suas usinas nucleares, mesmo após Fukushima, pelo mesmo motivo)? PELO AMOR DE DEUS! Leiam mais sobre as possibilidades da energia atômica! Ela não é o demônio encarnado, como muitas ONGs querem fazer crer! Cadê o senso crítico neste país? Vamos mesmo nos limitar a importar todo o lixo que vem de fora, ao invés de trilhar o nosso próprio caminho? Será que o exemplo de países como a China, Rússia, Índia, África do Sul e outros, que estão investindo pesado em energia nuclear, não significam mesmo nada? 

    Alguns artigos para reflexão (quem não souber ler em inglês, use o google tradutor):

    http://www.theguardian.com/business/2015/mar/11/eon-reports-record-group-losses-hive-off-fossil-fuel-business-german

    http://www.bdlive.co.za/opinion/2015/03/10/russians-have-what-it-takes-to-make-economy-ever-more-robust

    http://economictimes.indiatimes.com/news/international/business/chinas-cgn-says-country-needs-100-new-nuclear-power-reactors/articleshow/46531581.cms

    http://timesofindia.indiatimes.com/world/china/China-approves-1st-nuclear-power-project-since-2011/articleshow/46524759.cms

    http://www.bloomberg.com/news/articles/2015-02-16/india-signs-nuclear-pact-with-sri-lanka-countering-china-s-sway

    http://www.bloomberg.com/news/articles/2015-02-12/zuma-seeks-nuclear-power-to-solve-south-africa-s-energy-crisis

    1. Concordo em GÊNERO,NÚMERO E

      Concordo em GÊNERO,NÚMERO E GRAU  Leandro !!!  A Alemanhã tá pagando o maior mico com seu parque eólico !! Nuclear já passou da hora !!

    2. Políticos tem medo da energia

      Políticos tem medo da energia nuclear.

      Como políticos do PT são especiais no quesito amarelar, não espere muito sobre o assunto durante governos petistas.
      Pode esquecer!

      Não é questão de ser esta a resposta ou não, é questão de ter coragem mesmo!

  3. O consumo de energia pelos brasileiros é ridículo…

    O potencial de geração de energia por pequenas usinas é inestimável.

    Isto só vai mudar quando o governo baixar o decreto permitindo a venda de energia às concessionárias. 

  4. “…os governos petistas apostaram na geração térmica.”

    Errado.

    Ano   Térmicas construídas2001  122002  80  <——————2003  282004  192005  62006  282007  102008  292009  512010  632011  372012  272013  1 Fonte: ANEEL 

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