Foto: Sindicontas/PR
Da Carta Maior
5) A partir daí, esses títulos passaram a ser trocados por dívida interna (a juros que chegavam a 49% ao ano!) ou utilizados como moeda para comprar empresas privatizadas a partir de 1996.
A explosão da dívida interna se deu a partir do Plano Real e ela vem crescendo aceleradamente, principalmente devido à política monetária exercida pelo Banco Central: elevadíssimas taxas de juros (que não servem para controlar o tipo de inflação que existe no Brasil); operações de enxugamento de moeda com farta remuneração aos bancos por isso; a contabilização de juros como se fosse amortização, entre outros que geram centenas de bilhões de reais de “dívida pública”, sem contrapartida alguma!
Fica claro, portanto, que a dívida pública, historicamente, não tem funcionado como instrumento de financiamento do Estado, mas como uma engrenagem que promove contínua transferência de recursos públicos para o setor financeiro privado nacional e internacional. O privilégio do gasto com a dívida é revelado na execução orçamentária federal. No ano passado, quase 44 % do orçamento geral da União executado destinou-se ao pagamento de juros e amortizações da dívida.
Além de absorver quase a metade do orçamento federal e boa parte dos orçamentos estaduais e municipais, a chamada dívida pública tem sido a justificativa para contínuas contrarreformas, como a da Previdência; privatizações, além de outras medidas de ajuste fiscal, como o aumento da desvinculação das receitas da União (DRU) e dos entes federados (DREM) para 30%, e a Emenda Constitucional 95 que estabeleceu teto somente para as despesas primárias – por 20 anos! – para que sobrem mais recursos ainda para as despesas não primárias, que são justamente as despesas financeiras com a dívida.
Por tudo isso, a Auditoria Cidadã da Dívida insiste na reivindicação de uma completa auditoria dessa dívida, com participação social, pois sequer sabemos para quem devemos, já que o nome dos detentores dos títulos da dívida pública brasileira é, por incrível que pareça, informação sigilosa!!!
É preciso levar essas informações a toda a sociedade que está pagando essa pesada conta. Por isso é importante incentivar a participação de todos na Consulta Nacional sobre Reformas e Auditoria da Dívida (www.consultanacional2017.com.br) .
PERGUNTA: O Brasil passa, atualmente, por um período de reformas do Estado, sob a justificativa de que este enfrenta uma crise financeira profunda. Não só o atual governo federal tem proposto cortes profundos em investimentos e direitos sociais (e a reforma da Previdência está na pauta, punindo os trabalhadores), como os estados encontram-se, quase todos, em situação desesperadora. O que a questão da dívida pública tem a ver com isso?
A crise atual é uma crise totalmente desnecessária, fabricada principalmente pela política monetária suicida praticada pelo Banco Central, que, além de criar cenário de escassez de recursos, o que impede a realização de investimentos geradores de emprego e renda, gera despesa elevadíssima que sobrecarrega o orçamento público e cria mais dívida pública ainda.
Sob o argumento de “controlar a inflação”, o Banco Central do Brasil tem aplicado uma política monetária fundada em dois pilares: (1) adoção de juros elevados e (2) redução da base monetária, ou seja, do volume de moeda em circulação. Na prática, tais instrumentos têm se mostrado um completo fracasso.
Além de não controlar a inflação, os juros elevados têm afetado negativamente não só a economia pública %u212 provocando o crescimento exponencial da dívida pública, que exige crescentes cortes em investimentos essenciais %u212, mas também tem afetado negativamente a indústria, o comércio e a geração de empregos.
Por sua vez, a redução da base monetária utiliza mecanismos que enxugam mais de um trilhão de reais dos bancos, instituindo cenário de profunda escassez de recursos, o que acirra a elevação das taxas de juros de mercado e empurra o País para essa profunda crise socioeconômica.
Adicionalmente, o Banco Central remunera os bancos por esse volume brutal de recursos, onerando pesadamente o orçamento federal.
Segundo o famoso economista francês Thomas Piketty, seria um suicídio deixar de utilizar, em momentos de crise, o instrumento de emissão de moeda e a prática de juros baixos. No Brasil, o Banco Central tem feito o contrário e, adicionalmente, ainda alimenta o mercado com ração muito cara: operações de swap cambial que têm gerado centenas de bilhões de reais de prejuízos que são pagos à custa de emissão de mais títulos da dívida pública!
O rombo das contas públicas no Brasil decorre desses gastos financeiros. E dizem que são os direitos sociais que prejudicam o equilíbrio fiscal do Estado, mas, na verdade, é o sistema da dívida pública que quebra o Estado e impede os direitos sociais.
Então, a reforma da Previdência decorre dessa ganância insaciável do mercado financeiro, de abocanhar a fatia de recursos que ainda é destinada à Previdência, que atinge mais de 60 milhões de pessoas no Brasil e é o maior programa de distribuição de renda, para destiná-la ao pagamento de juros da chamada dívida pública.
PERGUNTA: Além do fato de aumentar enormemente o mercado de Previdência Privada……
Sim, certamente, a cada vez que o governo vem a público, com o falacioso discurso de “déficit”, ele presta um serviço ao mercado financeiro, pois muitas pessoas acabam sendo empurradas para adquirir planos privados de previdência, gerando um grande volume de negócios para o setor financeiro.
PERGUNTA: O sistema financeiro foi desenvolvido, originalmente, para ser um meio, e não um fim, isto é, sua função seria a de apoiar, de capitalizar, a economia real, da produção, do comércio. Mas parece que, de uns tempos para cá, a especulação financeira, os ganhos nababescos auferidos com um “dinheiro” que não tem lastro palpável, tornaram-se hegemônicos, e a economia real passou a ficar a reboque. Isso é um elemento fundamental de uma crise mundial que não é só econômica, mas social, com o aumento da desigualdade e da exclusão, e também política, com o recrudescimento da extrema direita, do racismo, da xenofobia, da violência, etc. Você concordaria com essa avaliação a respeito da hegemonia do sistema financeiro especulativo e de suas consequências? Se sim, qual o papel que a dívida pública desempenharia nessa situação?
O atual modelo capitalista entrou em uma fase de financeirização cada dia mais aprofundada. O setor financeiro domina o poder político na maioria dos países, bancando campanhas eleitorais; e ele domina não só o próprio mercado financeiro, como detém a propriedade de empresas estratégicas, adquiridas nos questionáveis processos de privatizações mundo afora.
Um importante estudo acadêmico realizado em 2011 – A rede de controle corporativo global, revelou a impressionante concentração de poder e propriedade, de parte relevante da economia mundial, nas mãos de reduzido grupo de instituições bancárias, A investigação partiu da amostra composta pelos 43.000 maiores negócios do mundo e descobriu a existência de mais de um milhão de vínculos de propriedades entre eles. Revelou que 40% do controle daqueles 43.000 maiores negócios mundiais está concentrado nas mãos de apenas 147 instituições proprietárias, que conformam um núcleo altamente conectado entre si. A maioria desse núcleo – 75% – são entidades financeiras, e a propriedade dessas 147 instituições está nas mãos de pouco mais de 50 grandes bancos, que possuem o controle do núcleo.
Essa concentração de poder, controle e propriedade dos negócios mundiais nas mãos dos bancos tem permitido a interferência deles em políticas e decisões governamentais estratégicas, concretizada nessa hegemonia financeira que você mencionou.
A dívida pública tem sido um dos principais alimentos desse capitalismo financeirizado, favorecendo a concentração de renda no setor financeiro e aumentando ainda mais o seu poder. Por isso, o endividamento é um problema presente em quase todos os países capitalistas.
No Brasil, estatísticas do próprio Banco Central demonstram que em 2015, apesar da desindustrialização, da queda no comércio, do desemprego e da retração do PIB em quase 4%, o lucro dos bancos alcançou o patamar de R$ 96 bilhões e foi 20% superior ao de 2014.
PERGUNTA: Você acha que o problema da dívida pública, que ultrapassa a questão meramente econômica, recebe a devida atenção na Academia, na mídia e em outros canais de discussão e expressão?
Infelizmente, não. É um tema bloqueado até mesmo nas faculdades de economia, onde a dívida aparece apenas de passagem, como uma das variáveis econômicas, comparada com o próprio dinheiro, como se a dívida fosse uma outra forma de recurso, de moeda. Ou seja, uma visão totalmente descolada do papel que a chamada dívida pública exerce na prática.
Poucas pessoas se dedicam ao estudo do endividamento, dissecando os contratos desde a sua origem e os mecanismos que geram dívida continuamente. A maioria parte do senso comum, de que se existe uma dívida, houve o ingresso do recurso e estaria tudo certo. Mas não é bem assim. A experiência de auditorias cidadãs, tanto no Brasil como em outras partes do mundo, tem demonstrado a atuação do que denominamos “Sistema da Dívida”, que corresponde à utilização do endividamento público às avessas, ou seja, em vez de servir para aportar recursos ao Estado, o processo de endividamento tem funcionado como um instrumento que promove uma contínua e crescente subtração de recursos públicos, que são direcionados principalmente ao setor financeiro privado. É por isso que é tão importante realizar a auditoria dessas dívidas, a fim de mostrar a verdade e segregar o que é dívida legítima e ilegítima.
PERGUNTA: Já que é tão importante, realmente, conhecer e discutir essa questão da dívida pública, essas informações que a senhora passa estão disponíveis e acessíveis em algum local?
Sim. Temos diversos artigos e publicações disponíveis em nossa página www.auditoriacidada.org.br e no facebook: Auditoria Cidadã da Dívida (organização).
O respaldo das informações que mencionei aqui pode ser verificado também nas Análises Técnicas que realizamos para a CPI da Dívida Pública, disponíveis em http://www.auditoriacidada.org.br/blog/2016/08/15/documentos-da-cpi-da-divida-publica-20092010/
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Consome
Eis a principal questão nunca enfrentada..O Sistema Financeiro comsome o Brasil
Brilhante comentário de uma estrela da economia
Maria Lúcia Fatorelli é uma brilhante estudiosa brasileirra das dividas pública no Brasil, bem como em todo o mundo.
Tem conhecimento específicos que ajudaram o Equador a reduzir sua dívida pública, contra o sistema bancário internacional, em cerca de 70%! Tambem participou do estudo da redução da dívida grega, porem não foi acompanhada pelo governo grego que foi eleito com a proposta de implementá-la. Mais uma vez deram um golpe na Grécia!
No Brasil sequer é consultada, com mêdo de que o povo saiba a tramas que foram feitas para inchar estas dívidas a volumes impagáveis. A sua análise da nossa dívida mostra que ela é absurda e como fomos roubados.
Voce imaginam uma dívida administrada pelos bancos privados, com forum para dirimir queixas nos usa, com o pessoal do BC “defendendo” nossos direitos, nenhum dado publicado, de como fomos roubados por esta quadrilha toda!