Sobre as propostas de copiar o sistema jurídico americano

Por Monier

Comentário ao post “Juristas discutem função do STF na sociedade

Começarem de novo com essas conversas de imitações do sistema americano, sem explicar sequer a grande diferença entre commom law americana e a civil law latino-brasileira, que tem bastante doutrina produzida, não permite chegar a lugar algum. O consenso jurídico está nos livros, e não se pode ignorá-los.

Aliás, aquilo lá tem uma corte suprema que não derrubou o Patriot Act até hoje, que é uma das coisas mais contrárias ao que se pense que possa ser uma constituição dos EUA. E já ameaçam não julgar a NSA. Esse fetichismo brasileiro de achar que copiar uma instituição norte-americana vai replicar automaticamente o ambiente de negócios, as highways, o PIB e a Miami daquele país, é explicado pelo Nelson Rodrigues. Eles é que estão migrando para o nosso sistema de codificação.

Dizer que por lá é possível reduzir a juridição da Suprema Corte, deixando ela praticar mais jurisdição discricionária, e menos jurisdição “mandatória”, é bem mais fácil. Eles são um estado federado desde a origem. O Brasil nasceu com a idéia de estado unitário. Nossa federação é um fantoche, que até hoje ninguém conseguiu resolver. Tente implantar o parlamentarismo, ou resolver a discrepância de representatividade e população na Câmara. Alguém na esfera federal vai aceitar deixar o Maranhão mais independente, sem direito a revisão sobre os crimes em Pedrinhas? Ou vão achar natural deixar de federalizar os massacres no Pará? Quando faltar água em São Paulo a ANA vai se conter na vontade de opinar sobre transposições, e deixar o estado se resolver como achar que deve? Aqui a cabeça é de que existe um D. Pedro permanentemente a resolver os maiores problemas. Isso aqui é um estado unitário.

Se alguém der autorização para um ministro do STF escolher o que vai julgar, que é a exata tradução da expressão “discretionary”, de que o pessoal acusa o “Certiorari Act” de 1925, quantos serão os HCs do Dantas, e quantos serão as apelações dos familiares do Amarildo a serem julgadas? O critério para aceitar a jurisdição sobre um caso vai ser por participação no PIB ou por direitos humanos negados pela pobreza? Quando os ministros concedem liminares, que é algo que já beira  o discricionário, têm resolvido alguma coisa? Quando a motivação das decisões do STF era feita em uma reunião secreta, para evitar recursos, o Brasil era mais desenvolvido? Deixar de ter a obrigação de aceitar um recurso, difere em muita coisa de realizar uma reunião naqueles moldes?

No dia de hoje o ministro Mendes de Faria Mello se levantou da suprema cadeira para dizer que o Brasil vive um estado de normalidade, e que o pedido de asilo da advogada ao Uruguai não tem fundamento. Ao contrário de gente mais especializada no assunto “pena” e “direitos fundamentais”, feito o Comparato e o Shecaira. O problema com o Brasil está em dar mais liberdade ao ministro Mello para fazer e julgar o que quiser, ou em trazer as opiniões de gente como o Comparato mais para cima da pirâmide do consenso?

Em um episódio recentíssimo, um colegiado de tribunal superior tinha toda uma doutrina construída sobre o trabalho com cumprimento de um 1/6 da pena, incluíndo algo difícil de ser editado como uma súmula. O outro tribunal superior que fica do outro lado da rua leu? Não. Um ministro de STF sozinho derrubou a jurisprudência que uma federação inteira tinha construído à base de muito debate jurisprudencial e doutrinário. E derrubado ficou, e o colegiado não reagiu.

Em resumo, a solução não é dar mais poder para o STF atuar como quiser, mas reduzí-lo: a um colegiado. O seu papel já está bastante discutido por aí em todas as universidades públicas do país, e nas grandes de São Paulo: PUC e Mackenzie. Uniformizar a jurisprudência, como colegiado.

Redação

4 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Monier acerta em cheio nas

    Monier acerta em cheio nas suas críticas ao “federalismo” brasileiro. Não somos uma Federação de fato, apena de direito. A alma do Estado brasileiro e mesmo o imaginário popular é a de um Estado centralizado.

    E convenhamos, com as novas tecnologias a diminuirem todas as distências, sejam quais forem, quai são as razões que justificam uma federação?

  2. Excelente! A sensação que

    Excelente! A sensação que sempre tive sobre nosso judiciário, é que cada juiz segue os próprios interesses. Não possuem um seguimento de normas legalizadas, insitucionais, apenas seguem o que o seu interesse alcança.

  3. Mujito bom.
    Cada vez mais

    Mujito bom.

    Cada vez mais suspeito dessas “mudanças” no direito promovidas pela direita.

    Repito o que comentei no outro post. Rever o recurso extraordinário já ajudaria bastante o STF a ser uma corte constitucional.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador