Sobre o projeto de país – 3

Por gentilhomme

Comentário ao post “Um projeto à espera de um estadista

ia dizer que o Nassif se contradiz ou não se faz entender muito bem: ele frequentemente clama por aproveitar o ativismo civil brasileiro, provavelmente à la Tarso Genro, aumentando os poderes do CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, Conselhão), ampliando-o, aprofundando experiências como as dos Planos Plurianuais durante o Lula, na qual, sob comando de Gilberto Carvalho e Dulci, tentou-se incluir objetivos debatidos pelos movimentos sociais.

No CDES chegou-se a propor uma Agência Nacional de Desenvolvimento, e a começar a montar Grupos de Trabalho para implemnetar a imensa lista de objetivos propostos (acho que eram mais de 50). Talvez dois exemplos ajudem a ilustrar como não funciona, a menos que fosse acompnahda de uma revisão constitucional, vale dizer, um “projeto” amplo e geral calcado na participação social para ser implementado de fato não depende apenas do Executivo (por óbvio que seja). ex 1: aumento do Copom, para passar a incorporar representantes da indústria, da academia e dos trabalhadores. ex 2: alteração dos indexadores dos contratos de concessionárias. 

 
Antes disso, contudo, é preciso dizer que o que emerge por esse método não são projetos: são amontoados de propostas fragmentárias. Quem é de educação, só vê educação, quem é de indústria só vê indústria, quem é de Ciência e Tecnologia, cultura, etc, etc, etc, cada um só olha pra si. Os demais podem dar pitaco no feudinho do outro, mas não o fazem por não deterem conhecimento técnico específico ou por temer retaliação por puro e simples quebra do espaço corporativo. 
 
Projeto implica em escolha prévia: dois ou três aspectos que são tidos por cruciais estrutruram a estratégia geral e subordinam os demais, não necessariamente de forma absoluta, mas certamente em um sentido substantivo, não apenas formal ou declaratório. Como nem todos dados são conhecidos e sempre há interações imprevisíveis (ou de desdobramentos imprevisíveis), isso não impede alterações marginais. 
 
É possível, mas extremamente difícil fazer isso pelo padrão normal da democracia participativa, porque ela sempre passa pelo poder de veto. E é de sua lógica que os poderes de veto menores se organizem e impeçam a formação da grande estratégia. Isso é negociado com base em concessões, que quase sempre descaracterizam o projeto (o aproximam da colcha de retalhos tendencial). Exceto se: o projeto reflete apenas a correlação de forças de útlima instância na sociedade. Nesse caso, o projeto é a autoalimentação do que já tende a ser o vetor resultante das políticas públicas em democracias com poder econômico livre.
 
Poderíamos pensar em regras de participação mais pró-maiorias (na elaboração do projeto – de fato, foi mais ou menos como funcionou na agenda do CDES). Mas isso é um pouco ingênuo: as maiorias tendem a refletir o senso comum, e o senso comum é em geral reacionário, além de fortemente influenciado pela mídia e pela indústria cultural (essa, anti-nacional no caso brasileiro, e mais relevante que os jornalões para sedimentar valores mais gerais, que acabarão aparecendo caso o processo de construção do projeto seja realmente bem feito…).
 
Por tudo isso acho que o flavour “sebastianista”, como disse alguém, do post do Nassif revela mais que contradição, a notória inteligência de nosso astuto jornalista: ele percebe que para ter projeto é preciso o elemento “carisma”, o qual formula, orienta e prestidigita até certo ponto as massas contra os grandes interesses e contra os veto players (até certo ponto, claro). O Nassif prefere chamar de estadista este tertio, mas na verdade ele fala do velho e bom líder carismático.
 
(lembro que além da AND, tivemos o Brasil em 3 tempos, mal tocado por Gushiken e Palocci, mas muito bem pelo Cel Oliva, depois o Brasil 2022, e os trabalhos do Mangabeira, notavelmente a Estratégia Nacional de Defesa nos tempos de Lula, todos com seu apoio, se não entusiasmado ao menos consistente. Atualmente há inclusive um ativo grupo se movendo entre Brasília, Rio e São Paulo buscando a formulação de um projeto mais “espontâneo”, chamado “Brasil 2030”, que já produziu documentos interessantes e está calcado em uma metodologia original e aparentemente efetiva)
 
Creio que aí cabe um paralelo entre Dilma e Lula. O Lula sem dúvida tem esses poderes, mas, diferentemente de Vargas, não reúne um conhecimento menos intuitivo e mais capaz de enxergar realmente de cima – dir-se-ia desde uma perspectiva estratégica. O Lula é ótimo em adaptar ideologias, mas não em fomulá-las. E pra mim a prova cabal disso é que achando que colocava o Brasil no primeiro mundo (e em um novo primeiro mundo, não alinhado) destruía uma condição indispensável para um setor produtivo retardatário e dependente ascender e de fato aproveitar as excelentes políticas industrial e de C&T que o mesmo Lula lhes ofertou, que é o câmbio favorável, “industrializante”.
 
Dilma, por seu turno, é tipicamente uma gerente baeada em projeto, ela não apenas gosta de formular estratégias, mas de fato ela precisa delas para agir. Nesse sentido, seu projeto pode ser ruim, mal executado, superficial, baseado em diagnóstico errado etc, mas, no que eu entendo por projeto, ele existe. Duas palavras o resumem: infraestrutura e educação. É uma visão de infraestrutura mal enjambrada com integração nacional e sobretudo com geopoítica do Brasil, a de educação é ingênua e neoliberal, e, como se não bastasse sua vinculação com indústria e CT&I é casuística e instável. Mas acho difícil dizer que nossa mandatária não tem projeto. 
 
Lula seria um excelente executor de um projeto, mas não o qualificaria como tendo projeto, suas diretrizes eram informadas mais por suas convicções, por sua intuição e sensibilidade. 
 
Curiosamente, entendo que FHC tinha projeto – um que eu não gosto e baseado em pressupostos dos quais discordo frontalmente, mas creio que tinha e que sua coerência interna era inclusive superior ao de Dilma (em parte porque de fato ele se confunde com um tipo de linha de menor resistência no desenvolvimento de uma nação periférica)
 
Então aí está minha principal objeção ao texto do Nassif: afinal, o que é um projeto nacional? O que o define? Quais seus pressupostos? Ele pode ser avaliado em sua qualidade ou apenas em sua coerência com os interesses de cada grupo particular? Como ele se relaciona com o diagnostico da realidade? Como ele se relaciona com o contexto internacional? Ele precisa ser multidimensional ou basta que se concentre em alguns aspectos? Em que medida pode ser avaliada sua suntentabilidade? Como se passa do projeto às políticas públicas?  Até que ponto os meios podem pervertê-lo? Last but not least: quem o formula, como o formula, como o legimita, qual sua relação com as instiuições típicas das democracias ocidentais acolhidas em nosso ordenamento jurídico?
Redação

3 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Rapaix, excelente

    Rapaix, excelente contraponto.

     

    Mas dizer que educação e infraestrutura são projetos nacionais de Dilma, para mim pelo menos, soa absurdo.

    Isso não são projetos, não foram baseados em idéias e muito menos em ideais.

     

    Simplesmente chegamos no fundo do poço nestes quesitos de maneira que investir nisso é  uma obrigação e necessidade.

    A falta de plano é que nos levou a escolher educação e infraestrutura. Depois, dizer que isso é a idéia e/ou opção de Dilma não vale.

     

    Estes dois setores são adminsitrados da mesma forma que o setor elétrico. Chega um dia, veem o que é mais barato, e fazem conforme a necessidade, e sempre no limite da irresponsabilidade, quase!??? colocando seu projeto de Poder a risco.

    Nassif escreveu um artigo descrevendo os planos do novo Minsitro das Minas e energia.

    Ninguém percebeu que ele simplesmente resolveu fazer o que tem a mao.

    Os fabricantes de painéis solares resolveram vir ao Brasil porque telhados na europa para instalação acabaram. O que acontece? Vamos fazer isso então. PS. Não que eu seja contra mas…não precisamos investir na fonte MAIS CARA DO MUNDO em momentos de crise financeira! Não é obvio isso? Mas os fabricantes resolveram…então está resolvido!

    Depois temos o gás, não temos? Então, vamos fazer. Temos carvão? Vamos fazer.

    Temos inteligência? Não, aí ja é pedir demais.

    isso não é plano, é adminsitrar dia a dia!

    1. linha tênue
      Sim, sim, teu ponto é perfeito, e remete exatamente á questão “o que é projeto nacional”. Quando se opta com base na linha de menor resistência ou no que a sociedade claramente manifesta como sua vontade, certamente se está diante de um casuísmo, ainda que possa ser uma opçaõ perfeitamente racional na hipótese de uma democracia plenamente funcional e com baixa assimentria de informação.

      Também tenho minhas dúvidas quanto à Dilma ter – sob uma certa acepção – um projeto. Mas me inclinaria a dizer que essas são duas áreas que ela convictamente defende e que quando teve real discricionariedade, arbitrou não apenas em favor delas, mas em favor de uma certa visão delas. Mais importante que isso: uma leitura de seus discursos menos endereçados a públicos específicos mostra que ela amarra essas daus dimenões em nome de algo mais, ou seja, há uma estratégia a informar não apenas uma disposição de investir mais nessas áreas do que ocorreria “naturalmente” como uma amarração no sentuido de uma benefício desporporcioanlmente grande “no futuro” além do ciclo eleitoral.

      Essa amarração a longo prazo, estratégica, pode ser vista também no detalhamento dessas opções, dessas diretrizes. Por exemplo: Dilma era claramente pró grandes hidrelétricas e petróleo, em menor medida eólica, e pouco entusasimada com solar (portanto, teu exemplo só realçaria minha “opinião”), ademais de francamente contra a energia nuclear. Na caso da educação, sua visão me parece pouco sofisticada e quantitativista, mas também corresponde a uma opção. Creio que o Brasil sem fronteiras mostra bem isso: é um programa caro e que detona o sistema de pesquisa brasileiro, que, com todos seus defeitos, era um dos melhores entre os países menos ricos, inclsuive quebrando a tendência de o aproximar de nosso elo fraco, que é o da inovação. Ruim, mas coerente com uma visão “choque de capital humano” que ela abraçou, em parte por seu passado brizolista (se bem que a visão de Brizola fosse muito mais complexa e interessante em principio), em parte por influência de caras como o Marcelo Neri e o Ricardo Paes de Barros.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador