Sobre polícias, funções e carreiras, por Roger Franchini

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Sobre polícias, funções e carreiras

por Roger Franchini

Encontrei um amigo dos antigos plantões da polícia. Disse-me que, na Capital (DECAP), os delegados agora inventaram uma meta mensal de flagrantes para os investigadores cumprirem. Espanto.

Quem entende minimamente de segurança pública sabe o que isso significa: a PC-SP arregou. Jogou a toalha. Reconheceu que não tem mais condições de investigar (função para a qual foi constitucionalmente criada), e agora se esconde na sombra da polícia militar, fazendo de modo improvisado o patrulhamento ostensivo que a PM faz com excelência.

A queda da polícia civil era prevista desde o fim do regime militar. A CF88 exigiu do administrador público uma postura profissional, visando atingir os serviços fins da entidade em que está lotado. Órgãos jovens, como a PF e a PM (sim, a PM só se tornou o que é hoje quando foi adotada pelo exército, na década de 60 do século passado. Antes disso eram homens sem função, perdidos entre a força pública e a guarda civil) perceberam a necessidade de racionalizar seus atos.

Enquanto isso, os delegados históricos da PC-SP optaram por continuar na ilusão de serem “carreira jurídica”, ignorando que no mundo todo a polícia investigativa é científica, que apura fatos. Acham que o nome “polícia judiciária” basta para demonstrar a vocação de serem juízes, um dom concedido por uma entidade divina, e que por isso só se sustenta por um ato de fé, jamais ciência. Por isso não se pode repetir aqui o que toda polícia do mundo faz, promover a carreira de investigadores à chefia máxima da instituição baseado em meritocracia.

Aliás, tenho lido, delegados distorcem o argumento da meritocracia do trabalho e se dizem os únicos homens possíveis para administrar uma equipe de investigadores com dez, quinze anos de investigação porque passaram no concurso (mesmo que antes da posse nunca tenham entrado numa boca de fumo ou pisado numa delegacia) Em tempos de pós-verdade, essa premissa com profundidade MBLista tange a imoralidade.

Hoje, em inquéritos policiais, vejo delegados justificando a realização de flagrantes e pedidos de prisão com páginas e mais páginas de doutrina e jurisprudência. As recognicões visuais são exercícios de vocabulário pomposo, subjetivos, que nada servem para a instrução da prova a ser construída em juízo. Ninguém lê. Pouco, quase nada mesmo falam sobre a autoria e materialidade do delito.

O promotor finge que não vê o fracasso da instituição que deveria fiscalizar. O juiz se esforça para extrair uma centelha de verossimilhança da redação truncada dos relatórios. Todos condescendentes com o inevitável destino da investigação civil, como se já estivessem passando pelo luto da perda do órgão.

A melhor carreira do serviço público preferiu ser exclusivo vassalo de governos. Pelo menos a PM, enquanto protege o partido, luta pela hegemonia do serviço de seus homens.

Roger Franchini é escritor, autor dos livros “Ponto Quarenta, a Polícia para Leigos (Ed. Veneta), Toupeira, a História do Assalto ao Banco Central (Ed. Planeta do Brasil), Richtofen (Ed. Planeta do Brasil), Amor Esquartejado (Ed. Planeta do Brasil) e Matar Alguém (Ed. Planeta do Brasil).

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

1 Comentário

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  1. As funções públicas do estado de SP

    estão em ruina depois de 23 anos de tucanato com proteção regiamente paga pela globo e aspones. Só sobrará para a população, que numa democracia é quem elege os administradores públicos, o POUPA TEMPO, obra do Nakano nos anos Covas.

     

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