Três no Samba, o último CD de Pelão

Por Luís Nassif

A arte do bom disco é similar à arte da boa cozinha: a capacidade de combinar bons ingredientes e tirar um prato totalmente novo.

É o caso da arte de José Carlos Botezelli, o Pelão, o mais importante produtor brasileiro dos anos 70 para cá.

O primeiro ingrediente é a voz serena de Eliane Faria, que consegue revestir seu timbre suave com o sincopado marcante do samba, uma maestria que herdou do avô, o sete cordas Benedito César Ramos de Faria, e do seu pai Paulinho da Viola. Eliane é pastora da Portela, do grupo das cantoras que cantam na quadra da Escola, e filha de Alcinéia Pereira, irmã do sambista Anescarzinho do Salgueiro, a mais linda passista que Salgueiro já teve.

É uma sambista de ambientes pequenos, seletos, dos que conseguem identificar as nuances discretas das grandes cantoras.

O segundo, o piano excepcional de André Mehmari, uma usina de criatividade que transita por todos os campos da música. Só quem é do ramo consegue avaliar o desafio de gerar no piano recursos de acompanhamento para 12 faixas, mais 4 extras.

Ao contrário dos instrumentos típicos de acompanhamento, como violão, cavaquinho, não há como manter um mesmo padrão no piano. Mehmari abre seu baú de sons e vai tirando as marteladas do bordão, como se fossem batidas de surdo, escalas em vários tons, citações de choros, harpejos.

O terceiro, o ritmo discreto de Gordinho, capaz de reforçar sem sair do segundo plano,  mesmo no acompanhamento de uma formação tão enxuta, de piano e voz. No meio do samba, Gordinho é o indiscutível rei do surdo, que já acompanhou Clara Nunes, Beth Carvalho e todos os grandes do samba.

O quarto, o repertório, sugerido por Eliane, endossado por Pelão e sua visão regional, com sambas de várias partes do Brasil, do centro Rio ao Rio Grande do Sul e Pernambuco.

Pelo repertório, passam os formadores do samba, de Paulo da Portela e Cartola, a Anescarzinho a Silas de Oliveira, passando pelo pernambucano Capiba, pelo gaúcho Lupicínio, além de uma justa homenagem ao samba-canção de Valzinho, Carlos Lentini e Espiridião Machado Goulart.

Menção especial para “Esses Moços”, de Lupicínio Rodrigues. Eliane sempre sonhou gravar a música com César Faria. Em homenagem ao silêncio da lembrança, a faixa foi gravada só com voz e piano.

Luis Nassif

2 Comentários

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  1. Cesar Faria pai de Paulinho
    Cesar Faria pai de Paulinho da viola tocava violão de 6 cordas. No conjunto que fez parte Época de Ouro o sete cordas era seu amigo Dino 7 cordas.

  2. Bateu fofo.

    Nenhuma crônica musical (mesmo com alguns equívocos factuais e evidentes deslumbramentos fora de equilíbrio) consegue chegar a bom termo se o material sobre o qual ela se apoia, ele mesmo, também não se aguenta nas pernas.

    Não adianta tecer mil loas às referências colaterais quando o material que está no centro da mesa não convence.

    A voz da Eliane Faria é precária em termos de execução musical. Irregular, sem sustentação melódica, apelando continuamente para um sussurrado que parece evitar a elementar realização das notas. É uma voz estreita, de escassa amplitude, cheia de cacoetes de dicção que a tornam consideravelmente “suja”. Na falta de amplitude, ela parece querer se desculpar valendo-se do apelo a um intimismo que não convence. A filha acaba virando, assim, não mais que uma caricatura do pai.

    O André Mehmari, sempre tão brilhante, acabou, sintomaticamente, sucumbindo, ele também, no cipoal de uma linguagem onde ele, nitidamente, se mostra um peixe fora d’água. Quem escutou a economia sublime do seu acompanhamento à voz da Ná Ozzetti fica agora de queixo caído com um Mehmari perdido em meio a tantas notas, a tanta redundância, a tanto não-chegar-a-lugar-nenhum-disfarçado-de-falso-arpeggio. Para essa execução do Mehmari vale aquele veredito que uma vez o Miles Davis pronuciou: “too much notes, man!”

    Enfim, é isso. Musicalmente, essa gravação não mostra nenhuma grande virtude. Ela posa de grife, de finta, de pose, mas conteúdo que é bom, neca.

    Não adianta o Nassif encher essa linguiça toda sobre esse disco. Isso acabou sendo uma faina constrangedora. Sério, bateu vergonha alheia agora!

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