Valores fascistas e oba-oba no Brasil, por Rudá Ricci

Valores fascistas e oba-oba no Brasil

É lugar comum entre intelectuais: dificilmente encontramos na história do Brasil um momento tão rebaixado de produção cultural como o atual.

Na música, letras empobrecidas rivalizam com melodias e ritmos previsíveis que qualquer músico iniciante chega a ter tédio ao reproduzir.

Na literatura, diários são alçados à condição de sugestões para uma vida feliz. O estilo folhetinesco, que faz pastiche de romances, estudos historiográficos e vida íntima de intelectuais e artistas, forra estantes e mesas centrais de livrarias, que se apresentam como shopping centers da leitura rápida e descartável, customizadas com cafés ao fundo para alegrar o leitor, que carrega sempre a opinião do último livro que leu, sabe-se lá quando foi.

A inovação mais ousada na dramaturgia contemporânea não passou do teatro besteirol que, por sua vez, deu lugar ao stand-up comedy brasileiro, este tipo menor de repentista que acredita ter licença para disseminar escatologias. Aliás, a escatologia destes niilistas sem humor vai rompendo barreiras na busca da fama pelo escândalo. Tudo pelo sucesso é a bandeira desfraldada que dá nome a novos programas oferecidos nos canais pagos, numa espécie de esconde-esconde que tenta dar a aparência de gente pura e despretensiosa, tal água da fonte do jardim do centro das metrópoles tupiniquins. Fazem par com a profusão de “cervejarias artesanais” que proliferam na corrida para abastecer os 62 litros bebidos a cada ano por cada brasileiro que procura nocautear suas mágoas e frustrações: uma sequência de tentativas e erros (mais erros que tentativas) até que se chegue ao porre generalizado, sem eira nem beira.

O cinema tenta, mas nada que se compare com a delicadeza e inteligência do cinema argentino e muito menos com o Cinema Novo que um dia conseguimos forjar.

Na política, que por muito tempo estimulou amplos debates sobre o Brasil e sobre nossas possibilidades perdidas, expoentes com nenhuma experiência e portadores de uma única ideia força se propõem a dirigir o país. Sua fragilidade é completamente estampada nos seus rostos, mas parece que nem sempre queremos ver o óbvio plastificado no sorriso aberto e na fala totalmente previsível que é anunciada pela voz off do locutor, não menos previsível, do marketing amoral. Aliás, não só pecam pela pobreza de espírito como se envolvem em situações nebulosas, que não inspiram nenhum de nossos jovens a pensar a política como uma ação nobre. Os partidos se atacam sem respeito e não toleram nada inferior à destruição por completo do seu adversário. Poucos conseguem explicar, à luz do dia, a vantagem de se gastar numa campanha mais que os salários somados de quatro anos de mandato parlamentar que almejam conquistar.

Este clima soturno, de baixa inspiração, que rasteja numa preguiça mental, flerta, o que me parece pior, com o relaxamento moral.

Esses tempos sombrios em nosso país estimulam minha memória a resgatar textos alarmantes de clássicos da esquerda. Outro dia, me deparei recordando algumas passagens de um livro pouco festejado de Georg Lukács a respeito do declínio da razão às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Lukács tentou somar e articular vários sinais de irracionalismo que deságuam no fascismo. Trotsky foi outro que pulou de minha memória. Em seu surpreendente Revolução e Contrarrevolução na Alemanha, o dirigente russo analisou os acontecimentos dramáticos que se sucederam logo no início dos anos 1930 e que abriram o caminho para o nazismo. Algo me sussurra que este rebaixamento intelectual e moral do Brasil atual abrem brechas para a cultura fascista.

O fato é que aqui no Brasil, os valores fascistas estão, pouco a pouco, sendo considerados aceitáveis como elementos da imposição da ordem. O uso ilegal da força e perseguição por parte das polícias estaduais e ameaças permanentes de enquadramento de qualquer conflito de rua como crimes similares à ação terrorista são assimiladas e até festejadas por articulistas da grande imprensa tupiniquim. Ataques à manutenção (nem é possível, nesta altura da ofensiva dos valores fascistas citar a palavra avanço) dos direitos civis como desmonte da estabilidade da família. As capas de revistas semanais estimulam o alarme geral, o ódio e a divisão do país entre manipulados e clarividentes (sendo os editores, obviamente, os líderes da casta superior dos clarividentes a orientar os manipulados de bom coração).

A cultura fascista, afinal, é totalitária. Ao contrário da cultura autoritária que desmobiliza, a cultura fascista convida à mobilização pelo ódio. Sustenta uma visão de mundo que se apoia na negação da diferença e no uso da força como imposição de uma lógica masculina e viril, sendo a inteligência um adorno desprezível em virtude da urgência do uso dos músculos.

O que me anima é que o brasileiro comum, aquele que não tem poder e não é elite, ao final, percebe os engodos. Possivelmente porque já foi vítima de vários. Daí que se frustra com o atual governo, mas não cai na raquítica teia dos expoentes da oposição. O brasileiro, afinal, é órfão recente da seleção de futebol e, ainda de luto, não parece convicto em se deixar cair em mais um canto de sereia.

Mas o problema permanecerá após as eleições. Na hipótese da reeleição, o atual governo cairá na mesmice que é marcada pela sua omissão, ausência de ousadia e crença numa luz no fim da galáxia, tal como sugeria o velho e crente Juan Posadas, o sapateiro de Córdoba que se chamava Homero Rómulo Cristalli Frasnelli e que ironicamente tinha dificuldades para ter os pés no chão. Na hipótese, até agora remota, de vitória de um candidato da oposição, entraremos num túnel do tempo, sem saber ao certo onde estacionaremos, numa aventura sem fim, sem a competência de Doug Phillips e Tony Newman.

Situação e oposição, afinal, fazem suas concessões à cultura fascista que se insinua. São o que produzimos de pior na política desde a vitória de Eurico Gaspar Dutra contra Eduardo Gomes. Os dois, aliás, apoiaram o golpe militar de 1964. Mas, cá entre nós, poucos sabem da existência deles. E nem sei se precisariam saber.

 

Redação

10 Comentários

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  1. O Rudá é isso: Uma mescla de

    O Rudá é isso: Uma mescla de caetano veloso + suplici…

    Você sabe de onde veio, mas para onde vai…

     

    1. Pode até ser. Mas qual a crítica q vc faz ao q escreve aqui?

      Fazer uma crítica genérica, baseada só na pessoa, nao traz grande contribuiçao… 

  2. Ja faz tempo que aponto,

    Ja faz tempo que aponto, nesse blog, a pessima politica cultural promovida pelos governos petistas.

    Causa um grande mal ao pais, como tambem a eles proprios.

    Pior so a escolha do batman para o stf.

    Ao inves de um Suassuna, escolheram para ministro o parceiro do artista mais reacionario do pais.

    Da para entender?

    Perdemos varios anos achando que “compartilhar” rock de graça pela internet iria resolver nossos problemas culturais, “distribuir cultura”. O secretario substituto acha o “fora do eixo uma das maiores manifestações culturais do pais”.

    Pode?

    Assim, a cultura que, entre outras finalidades ajuda o povo a discutir e entender seus problemas, foi sendo desativada e com isso, surgindo em nossa juventude as sininhos da vida,analfabetos politicos.

    A economia propiciou um surgimento de uma nova classe media.

    Maravilhoso.

    Mas uma classe media emergente sem acesso a cultura, sem instrumentos para compreender a realidade ao seu redor, tende a ter uma forte atração por ideias reacionarias.

    O PT fez muito pelo pais e pelos mais pobres,mas errou em certos aspectos incompreensivelmente.

    Ca entre nos, resolver a falta de moradia de milhões de pessoas é uma questão complexa, mas tirar o povo de uma das mais crueis explorações sociais, a cultural, seria bem mais facil, estimulando e distribuindo cultura para todos.

    Um pais tão pobre culturalmente a ponto de ter um lobão discursando em nome da arte,so pode acabar caindo nas garras de uma sininho e sua turma.

  3. Tempos difíceis

    Rudá,

    Se este rebaixamento intelectual e moral que já está solto por aí é terreno fértil para uma cultura fascista em nossa soociedade, eu não me sinto em condições de avaliar.

    O que percebo é que a cultura fascista está entre nós há algum tempo, desde a fase da bolinha de papel combinada com aborto.Dali prá frente o negócio foi ganhando corpo e tome de prisões e acusações a partir do vento, algumas delas tendo sido capazes de derrubar ministros de Estado.

    Em minha opinião, a sociedade não consegue perceber o perigo, tanto passou a apoiar o justiçamento pelas próprias mãos em mais de uma ocasião, em um dos casos tendo linchado um inocente, e aí ? E aí, nada, pois o valor da vida numana estpa indo para o ralo.

    Quantos são os que morreram por nada, como a dona do restaurante assassinada à luz do dia, e quem se incomodou de fato com este caso, e os assassinos, já foram presos ?

    Enquanto isto, a sociedade não deixa de comemorar a prisão de alguém que cometeu um ilícito de zero periculosidade, como roubo de dois litros de leite ou de uma galinha, além de não aceitar empregar um ex-detento que pagou por estes tipos de crime.  

    Sobre lembrança, tenho a absoluta convicção de que aquele que falar sobre o período da ditadura militar no ano de 2040, será considerado um louco varrido. 

    1. Indiferentes

      Nilva,

      Tudo bom ?

      Se o diagnóstico já está completo, eu não sei, só sei que o tratamento está na transformação do modo de pensar da sociedade brasileira, ou seja, tarefa hercúlea.

      Abrir mão de uma herança cultural que nos castiga e nos prejudica há séculos não é pouca coisa. Interessante é que ela prejudica a todos, mas ninguém quer saber de abrir mão desta péssima herança, todos permanecem indiferentes.

      Um abraço

       

  4. Sim, as advertências de Rudá
    Sim, as advertências de Rudá Ricci, embasadas no pensamento sociológico de Georg Lukács e no pensamento político de León Trotsky (considerando seus respectivos contextos históricos) não pode ser desconsiderado ou relativizado:  “Algo me sussurra que este rebaixamento intelectual e moral do Brasil atual abrem brechas para a cultura fascista…” (diz Rudá) É verdade. Momentos de pobreza intelectual e de baixa produção artística e literária (como esse que vivemos na presente quadra no Brasil) em geral são sempre prenuncio de brecha para uma cultura fascista, que beneficia o obscurantismo e o autoritarismo.Chamo a atenção para fatos políticos recentes no Rio de Janeiro que preocupam. Como a prisão antecipada de militantes de movimentos de extrema-esquerda (a despeito de seu sabido e inconsequente radicalismo) e da tentativa equivocada da Justiça Eleitoral de cercear um ato de campanha política da coligação de centro-esquerda que congrega PT e PCdoB (entre outras legendas progressistas) no Rio de Janeiro.Precisamos estar atentos a certos sinais sociológicos e políticos, para não repetirmos momentos ruins da história, enfraquecendo nossa democracia, quando na verdade deveríamos estar fazendo o oposto, fortalecendo mais e mais o nosso Estado Democrático de Direito.

  5. Parei aqui:
    Na música, letras

    Parei aqui:

    Na música, letras empobrecidas rivalizam com melodias e ritmos previsíveis que qualquer músico iniciante chega a ter tédio ao reproduzir.

    Tenho certeza que a pessoa que escreveu não conhece o que esta sendo feito na música brasileira. Vomita bobagens sem saber que há uma galera enorme, engajada, inteligente, criativa, com muita coisa pra mostrar.

    No caso, o erro esta em quem não consegue ver o que esta sendo feito.
    Pra não dizer que só bati, uma dica: http://tardesinfinitas.tumblr.com

     

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