Vergonha e redenção à esquerda, por Wanderley Guilherme dos Santos

Do Segunda Opinião

Vergonha e redenção à esquerda

Wanderley Guilherme dos Santos

Em sessenta e cinco anos de história brasileira, os grupos políticos à esquerda amealharam algumas dolorosas derrotas. Logo ao início dos anos 50, feroz oposição liderada pelo Partidão ao segundo governo de Getulio Vargas só cessou quando a oposição conservadora emudeceu perante o suicídio presidencial, em agosto de 1954. A memória seletiva da esquerda tradicional apagou a ferida de que a morte de Getulio não calou apenas a direita.

Triunfalismo na interpretação da vitória sobre a tentativa golpista de impedir a posse de João Goulart, em 1961, estimulou radicalismo esquerdista crescente que, somado à míope presunção antecipada de poder, manietou o governo trabalhista e pariu a anestesia de todos os setores da esquerda, espectadora aturdida da marcha patusca de Mourão Filho, em 31 de março/ 1 de abril de 1964, transformada em vitória da reação, quarenta e oito horas depois, sem enfrentar resistência séria. A versão canônica da esquerda some com vários personagens do enredo e coloca fuzileiros navais americanos, que não estavam no roteiro, dando sentinela às portas do palácio do Governo, recebendo os golpistas que atravessavam a rua, vindos do Congresso. A derrota perdurou por 21 anos.

A partir de 1969, com o início da segunda edição do golpe civil-militar, registrada como Ato Institucional nº 5, veteranos de organizações revolucionárias convocaram a paixão de generosa juventude e acreditaram na via armada para o socialismo. A desilusão com as históricas lideranças progressistas, particularmente com o Partidão, cobriu de simpatia o apelo heroico e, a acreditar no testemunho posterior e memorialístico de sobreviventes, o estoque natural de solidariedade dos dezoito anos fez com que muitos ingressassem na rebelião acompanhando amigos de geração ou colegas de colégios e universidades. Para alguns mais lúcidos, a guerra foi perdida quando se deram conta de que “reagrupamentos de forças” escondiam contundentes derrotas físicas e, mais friamente, quando a taxa de recrutamento de combatentes ficou sistematicamente abaixo da taxa de perdas por desaparecimento, morte e prisão. Duríssimos momentos em que a rendição significava aparente e irreparável traição emocional aos companheiros mortos pela causa que estavam prestes a confessar perdida. Desde 1974, a tentativa revolucionária, como opção coletiva, estava destruída. Os militares, no entanto, fizeram dos mortos fantasmas a assustar conservadores e liberais por mais 11 anos.

De todas as desventuras, inclusive menores, os grupos à esquerda saíram feridos, mas não envergonhados. O rubor nunca fez parte do cardápio do campo progressista da política. Até recentemente. Por maior que seja o exagero e a falsificação do noticiário, por extensa que se prove a arbitrariedade do judiciário curitibano, não é possível à esquerda fingir que não é com ela. Reinterpretar a história para ficar bem na foto é estratégia eficaz enquanto a emoção não entrega os pontos. E não há cremes e batons que disfarcem o embaraçoso corado da face, o caminhar desorientado, o desânimo vocal. Trata-se de uma prostração histórica, não da batalha circunstancial de uma eleição ou outra. Vitórias eleitorais serão importantes, mas insuficientes para convencerem bons filhos a retornarem à casa antiga. A ruptura com os seduzidos pelos nefandos hábitos da direita privada, sempre pronta a expropriar clandestinamente os recursos públicos, é inevitável. Difícil e triste, pois exige autocondenar a negligência com que cada um se deixou encantar por um punhado de bravos, que o foram, quando deixaram de o ser. Crimes da direita não redimem pecados da esquerda.

A favor dos direitos civis e políticos de todos, não satisfaz à esquerda, contudo, refutar ilícitos de que herdaram a responsabilidade política com a denúncia de ilícitos cometidos pela processualística das investigações. A purga do desencaminhamento será amarga e lancinante. A começar pelo desconforto de reconhecer por ações e palavras que parte dos decaídos, a maior talvez, não está mais entre nós. E convocar os dispostos à longa reconstrução institucional do destacamento de vanguarda do país. A contabilidade de quantos bons filhos de boa fé sobraram é urgente.

Redação

4 Comentários

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  1. O “ruim” de ser de

    O “ruim” de ser de esquerda:

    O primeiro é achar que tem o monopólio da virtude e tudo que não seja de esquerda não tem valor.

    Segundo defesa do marxismo, não sei se existe esquerda que não seja marxista.

    Terceiro ainda acreditar que o socialismo é viável em 2015 mesmo depois de N fracassos e milhões de vitimas.

    O “bom” de ser de esquerda:

    Acredita na bondade dos seres humanos e que pode criar um “novo homem” e uma nova sociedade.

    Hoje em dia é muito raro,mas, o esquerdista se sacrifica mais pela coletividade, o altruismo não confundir com caridade é uma virtude do esquerdista.

    Iniciativa, o esquerdista é mais ativista que o direitista que é mais reacionário, ele reage não age como o esquerdista.

     

     

     

     

    1. Os males da direita:
      1) Não

      Os males da direita:

      1) Não ligar para a virtude, nem para sua nem para a dos outros;

      2) Atacar o marxismo sem argumentos substantivos apenas dizendo que o marxismo é ‘ruim’;

      3) Achar que o capitalismo é viável diante da terceira grande crise dele e depois de duas guerras mundiais e do colonialismo que arrasou e destrui populações inteiras;

      As virtudes de ser de direita:

      1) ficar rico, muito rico;

      2) ganhar poder e ser admirado e temido

      3) ir para o céu

       

       

  2. Para WGS, a culpa é da

    Para WGS, a culpa é da “esquerda”. Não sei o que ele quer dizer com isso. Para alguém há tantos anos na análise política, não seria uma tarefa difícil categorizar melhor suas preocupações. Para ele, tudo se resolve com aquilo que ele chama de “esquerda” assumindo “sua culpa, sua máxima culpa” por todos os males do país desde que ele, WGS, nasceu para a política. A “esquerda” foi culpada pelo suícidio de Vargas; foi culpada pela eleição de Jânio, pelo parlamentarismo, por 64, pelo AI-5, pelas mortes, torturas e atrocidades da ditadura, pela concentração de renda que a ditadura impôs, enfim, pelas sete pragas do Egito impostas ao povo brasileiro. Cômico este texto! 

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