Viagem aos primórdios do petismo, por Geraldo Hasse

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Viagem aos primórdios do petismo

por Geraldo Hasse

As reuniões eram nas segundas-feiras à noite na Rua Augusta, 555, sobreloja, endereço do escritório paulista da Associação Brasileira de Imprensa. Eu ia por adesão ideológica, simpatia política e interesse jornalístico. Claro, não publicava nada – nem na Exame, onde trabalhava, nem no Coojornal, com o qual colaborava –, mas tinha perfeita consciência de que ali estava desabrochando brotava o novo.

Tínhamos participado da greve dos jornalistas de maio de 1979, que redundou em 200 demissões na imprensa paulistana. Na Abril, progressista, ninguém foi mandado embora, nem mesmo um dos expoentes da greve, Rui Falcão, editor-chefe da Exame. Ex-preso político, ele era uma das referências dos jornalistas situados à esquerda do espectro político, ainda dominado por políticos adidos ou submissos à ditadura militar vigente.

Era nítido que o governo autoritário não tinha futuro, mas nos bastidores da ditadura agiam grupos de extrema-direita que lutavam para não largar as tetas do Poder. Os sindicatos agitavam as massas, a imprensa nanica levantava bandeiras contra a opressão. 

No ABC paulista, reduto da indústria automobilística, o ferramenteiro Lula empolgava a classe metalúrgica com reivindicações salariais e exigências de novos direitos trabalhistas. E havia outros dirigentes sindicais confiáveis. Jair Meneguelli. Audálio Dantas. Luiz Gushikem. Religiosos como Frei Betto. Professores como Laurindo Leal Filho e Fernando Henrique Cardoso, que nem haviam saído do Brasil, como tantos outros.

Com a anistia de agosto de 1979, os exilados estavam voltando. Toda semana descia um figurão no Galeão. Miguel Arraes. Darci Ribeiro. Fernando Gabeira. Apenas Leonel Brizola fez questão de chegar por São Borja, “costeando o alambrado”, para não acordar os fantasmas de 1961, 64, 68.

Alguns, sem emprego, sem saber direito a que categoria profissional pertenciam depois de uma década fora do país, pousavam na Rua Augusta 555, que se tornou um point de agregação de personas em busca de uma reconciliação com seu passado e seu futuro.

Éramos em média uns 40 por segunda-feira. A maioria era de gente da imprensa. Formávamos o núcleo de jornalistas pró-fundação do Partido dos Trabalhadores, aberto naturalmente aos que não pertenciam a outro núcleo profissional ou de bairro. Quando os frequentadores habituais eram avisados da presença de alguma figura extraordinária, vinda das catacumbas da luta política, das prisões ou do exterior, o quorum da sessão aumentava.

Além do discreto Rui Falcão, que perderia para Emir Nogueira a eleição para presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, lembro da presença assídua de José Dirceu, da aparição eventual de Bete Mendes e de uma ou outra vez em que baixou na ABI o ex-líder estudantil Luiz Travassos, cuja base original era o Rio de Janeiro. Líderes estudantis que estiveram na cadeia ou voltaram do exílio, eles falavam sobre o que disseram ou escreveram  Lenin, Marx, Guevara e outros ícones da esquerda.

Baixando a voz, porque a reunião podia estar sendo gravada, também se falava da Repressão, na qual pontificavam figuras como o delegado Sergio Fleury e militares como o general Milton Caveirinha, ambos sinistros e temidos. Havia sempre uma cara nova na parada.

E assim rolaram várias semanas até que o partido foi fundado em fevereiro de 1980 e cada um tomou seu rumo.

Eu devia me inscrever no diretório de Perdizes, o bairro em que morava, mas deixei o tempo correr porque estava disposto a cair fora de São Paulo. Como jornalista, porém, não me sentia à vontade diante da ideia de filiar-me a um partido. Poderia ser um petista sem vínculo, não? Mas desde a primeira eleição (1982) votei nos candidatos do PT. Ou, seja, passei a metade da vida enchendo a bola desse partido trabalhista marginal e discriminado por sua origem híbrida, fruto de uma aliança de sindicalistas, religiosos, intelectuais e exilados.

Quando mudei para o interior paulista no início de 1982, fui apontado como estranho no ninho, não apenas por ser forasteiro, mas por defender o PT e distribuir santinhos de candidatos como José Dirceu (federal) e Rui Falcão (estadual).

Em 1978, lembro bem, pus meu carro à disposição de Audálio Dantas (federal) e Fernando Moraes (estadual), ambos do MDB. Vibrei com a eleição de Luiza Erundina para a prefeitura de São Paulo em 1988, lamentei o golpe da TV Globo contra Lulla em 1989, trabalhei dois anos nos bastidores do governo petista do capixaba Vitor Buaiz (1995-98) e lavei a égua nas eleições presidenciais de 2002 em diante.

Passado tanto tempo, tento compreender o que aconteceu. Como é que Dilma não está lá onde devia estar por escolha de 54 milhões de brasileiros? Por que o diabólico Lula está sendo alvo de uma implacável perseguição que tenta enquadrá-lo sob diversas acusações? Por que o satânico Dr. Dirceu mofa na cadeia, tricondenado e reinvestigado?  Até quando o Dr. Rui Falcão vai segurar as pontas desse timão sem leme?

Geraldo Hasse é jornalista

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

6 Comentários

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  1. Pois é. Mas conseguiram fazer uma boa quantidade

    da população acreditar que essas pessoas estão milionárias , com várias propriedades e contas no exterior porque roubaram um monte de dinheiro público.

    E quem é que vai conseguir mudar essa realidade virtual.

    Porque na cabeça de uma boa parcela do povo é iiso , eles acabaram com o Brasil e e estão vivendo uma vida de milionários.

     

  2. Na minha longa vida nunca vi

    Na minha longa vida nunca vi o mau vencer o bem pode demorar mas vence só a ditadura durou uns vinte e tantos anos mas caiu, o mundo está condenado ao bem. Tenhamos paciência.

    1. na minha…..

      Lulismo, petismo, esquerdismo, socialismo….Isto pouco importa!!! Onde está o Estado prometido? Onde está aquela estória de combate ao personalismo, contra  a veneração de caudilhos, a renovação no poder, participação popular cada vez maior, politica não é profissão…Só balela, que iludiu grande parte da população, cuja grande parcela ainda tenta se iludir. E que fez a ascenção social e economica de milhares que mantiveram esta falácia até os dias de hoje, apinhados em partidos e depois em empregos públicos indicados por suas posições politicas. E a favela nacional continua lá, one sempre esteve. Quero dar um exemplo: muito pouco poderia as TV’s mostrarem a torcida durante as Olimpiadas. Veríamos um festival de deputados, vereadores, prefeitos, juízes, desembargadores, minitros, secretários, senadores, funcionários públicos de alto escalão e seus familiares. Nossa milionária elite transmitida ao vivo, no Brasil que só esta parela pode dispor. Onde está o Brasil que prometeram há 30 anos? O resto é só conversa fiada.não importa a preferência da imprensa que se faz de cabo eleitoral, de panfletagem.  Não importa o nome nem a ideoilogia dos mentirosos.    

  3. Falar dos primórdios do PT

    Falar dos primórdios do PT creio, leva  cada um dos que lá estiveram, às suas lembranças particulares. Seja em pequenas salas de jornais, mesas de cantinas universitárias, casas apinhadas em vilas operárias, onde for, o traço comum era a construção de um espaço político onde todos, com toda a diversidade que lá estava, construissem uma alternativa de poder. Nesse esforço, o PT se consolidou, ganhou prefeituras, governos estaduais e a presidência. Nesse esforço uma alternativa de poder de fato se consolidou e um projeto politico inclusivo da maioria, com efeitos em amplos setores da vida nacional se pôs como realidade. Receio que nesse gravíssimo momento. em que há um golpe em curso no país, mais do que saudosos, nos façamos nostálgicos. A nostalgia, embora faça parte das reflexões dos tempos de origem, deve ser também refletida para que não se torne paralisante – em busca do tempo perdido, do que “deveria ter sido”. A crítica se faz necessária  e urge no instante sem precedentes, de um brutal retrocesso ao autoritarismo, via pela qual visa se impor o projeto neoliberal. Entretanto, não podemos nos deixar cegar,  perder da perspectiva política que aquilo que começou com vontades difusas se realizou e transformou um país. E é justo essa transformação que está sob ameaça hoje. É o mandato legítimo de Dilma. E é , por lógica consequência, um projeto que há muito não pertence mais ao PT. Se deve ao PT, passa pelo PT e a ele não se limita.     

  4. A explicação

    Vocês não conseguem entender o que aconteceu porque perderam o senso da realidade. Por que Dilma não está mais na presidência, Lula está sendo investigado e Dirceu mofa na cadeia? Porque o PT perdeu o apoio popular, e tornou-se presa fácil para seus adversários. É pura retórica ficar discutindo agora se o impedimento de Dilma foi ou não um golpe de estado, pois a ausência de reação é prova de que o governo já havia perdido todo o respaldo popular. E isso não aconteceu de uma hora para a outra: após o sucesso dos dois mandatos de Lula, Dilma estreou com aprovação nas alturas, mas seu governo não repetia os êxitos do antecessor, então sua popularidade foi sendo erodida. As manifestações de 2013 foram um recado que o PT não quis ouvir. Ainda assim o povo deu um último crédito a Dilma com a vitória apertada na eleição de 2014, mas assim que constatou haver sido enganado, abandonou-a de vez. Michel Temer é o presidente que dispõe da menor base de apoio em toda a nossa História, é óbvio que alguém assim só consegue ser presidente em um quadro onde há total desalento do povo com o governo.

    Explicar o que aconteceu é fácil. Mais difícil é explicar porque vocês não viram isso tudo acontecer. Eu acredito que, aí sim, é preciso voltar aos primórdios do petismo para entender. Os militantes petistas fundaram o partido ainda imbuídos de uma verve revolucionária, que foi mantida ao longo dos anos, de modo que quando chegaram ao poder, julgaram que se iniciava uma nova etapa irreversível de hegemonia petista, como se vitória eleitoral fosse igual a uma vitória em uma revolução. Nunca mais se tocaram de saber se o povo estava ou não satisfeito – se o povo não apoiava o PT, diziam que estava anestesiado, que estava enganado, como se todos fossem retardados. Enquanto a economia estava bombando, nadaram no mel, mas quando o ciclo se esgotou, nem por um instante pensaram em fazer uma correção de rumo, e só acordaram quando caíram do cavalo.

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