Zveiter e a proposta de criação do paralegal

Por Monier

Ironia da vida, há cerca de 20 anos a OAB-RJ, fez uso do quinto constitucional, que em teoria ingênua serve para valorizar a advocacia, oxigenando a dura jurisprudência formalista dos magistrados com teses vindas de advogados preparados pela prática profissional. Teoria bonita, para quem sabe o que escreveu Piero Calamandrei. Aquela teoria toda, que na prática é outra.

E foi pelo quinto que, provavelmente no início da década de 90, a advocacia carioca catapultou um Zveiter advogado para o TJ-RJ, depois para o STJ, esbarrando em algum momento desses a família no STJD, que é vinculado à CBF, aquela que obedece a Globo. Caminho este pelo qual acumularam capital político de alguma forma para colocar o advogado Sergio Zveiter na cadeira de deputado para a legislatura 2011/2015. Aquele mesmo, da notícia veiculada no site do Tribunal Superior do Trabalho na semana passada, em que o escritório foi condenado pelo modo de tratar uma advogada que aceitava ganhar pouco.

E foi assim, com a ajuda do quinto constitucional, que a advocacia nacional mordeu o próprio rabo. O quinto constitucional abriu caminho para que, após 20 anos, um advogado apresentasse um projeto que fragiliza a instituição. Praticamente uma comprovação do efeito borboleta. A própria matéria assume que a OAB era contra, por razões óbvias para quem entende algo sobre o mercado atual da advocacia.

Se o Senado não tiver mais juízo para barrar esse texto, não teremos mais apenas os estagiários produzindo peças sob a supervisão de jovens advogados mal pagos, estes a serviço de advogados antigos. Surgirá a figura do paralegal. Que realmente existe no EUA, como defende o autor, lugar onde o salário-mínimo é outro, e a cultura é outra, e o mercado tem outra escala.

No Brasil, o que vai sobrar é o custo sendo socializado através do Estado: uma pequena legião de empresas gigantescas litigando com consumidores nanicos por questões bestas, como a conta de telefone indevida, a velocidade de internet enganosa.

Em vez de resolverem com melhora da administração empresarial, o seu exército de paralegais vai produzir peças que ninguém vai entender. Gente que já sofreu o “estelionato educacional” na faculdade, como diz o autor do projeto em sua justificativa. Mas eles vão protocolar suas peças.

O Estado brasileiro vai ter que responder contratando gente para ler peças sem objetividade, entender textos mal redigidos, e tentar consertar como for possível. Porque é princípio do Direito Brasileiro que devemos evitar que a parte seja prejudicada pela má atuação do patrono. Processos que já são travados, ficarão piores.

À sociedade que mantém o Estado, o preço.  Pago por meio de tributos. Aos empregadores que produzem peças em massa, o lucro.

Aos advogados que advogam, virá a precarização das relações de trabalho, que já são de direitos mínimos. Está aí um avanço concreto que o quinto constitucional permitiu pavimentar.

Da Folha

Câmara regula atuação de bacharéis em direito sem OAB
 
MARIANA HAUBERT

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou nesta quarta-feira (6) um projeto de lei que permite a bacharéis em Direito atuarem profissionalmente mesmo sem ter o registro na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). A proposta cria o chamado paralegal, profissional que poderá auxiliar advogados e escritórios de advocacia. A permissão de trabalho valerá apenas para os três primeiros anos após a conclusão do curso de Direito. Se não houver recursos para análise em plenário, a matéria segue para o Senado.

De acordo com o autor da proposta, deputado Sérgio Zveiter (PSD-RJ), o paralegal não poderá substituir o advogado. Ele atuará em conjunto e sob responsabilidade de um advogado, assessorando-os em pesquisas, elaboração de relatórios e outros trabalhos que não sejam atribuições exclusivas dos advogados. Eles ficam impedidos, por exemplo, de apresentarem petições ou fazerem sustentações orais em julgamentos.

Para Zveiter, o novo cargo será importante para alocar profissionalmente os bacharéis recém-formados que ainda não foram aprovados no exame da ordem. Só poderão atuar como paralegais, os profissionais com até três anos de formação.

Inicialmente, a proposta não estabelecia um limite temporal para a atuação dos bacharéis mas uma negociação com a OAB impôs o prazo para a atuação dos paralegais. “Colocamos o limite em uma negociação com a OAB para que experiência seja avaliada no Brasil. Se for uma experiência de sucesso, pode ser que a próprio OAB venha a querer mudar isso”, disse. O projeto altera o Estatuto da Advocacia.

“Em outros países do mundo, como nos Estados Unidos e no Canadá, por exemplo, há profissionais que não querem ser advogados. Eles atuam durante toda a carreira como paralegais nos grandes escritórios. É uma profissão”, explicou Zveiter. Assim que o paralegal for aprovado no exame da ordem, ele passa a atuar como advogado. A inscrição do paralegal deverá ser feita no Conselho Seccional em cujo território pretende atuar.

Para o relator da proposta, deputado Fábio Trad (PMDB-MS), os recém-formados poderão adquirir mais experiência antes de obterem a autorização da OAB para atuarem como advogados. Para ele, a diferença entre um paralegal e um estagiário é a formação acadêmica do profissional que auxiliará os advogados. “Paralegal não é advogado, logo ele não pode praticar ato privativo da advocacia. Ele é um auxiliar, uma espécie de profissional que complementa a atividade da advocacia. Ele não é um estagiário porque ele mais qualificado. Ele pode executar atividades que alguns estagiários não têm condições jurídicas de fazer”, explicou Trad.

Os dois deputados negam que a intenção da proposta seja um passo para acabar com o exame da ordem, obrigatório no país para que alguém exerça a advocacia. “Muita gente defende o fim do exame mas este projeto não trata disso. Se fosse para acabar com o exame, eu apresentava um projeto direto sobre isso. Não precisava usar esse tipo de subterfúgio”, disse Zveiter. O deputado acredita que a medida não influenciará na discussão sobre o tema.

Apesar de a OAB ter sido resistente em relação ao projeto, quem apresentou a proposta a ele foi o presidente da OAB do Rio de Janeiro, Felipe Santa Cruz, segundo informou Zveiter.

 

Redação

7 Comentários

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  1. ???

    ???? Ainda bem que hoje os exames da OAB  impedem tudo isso, criando um sistema legal muito bom no país, com ótimos advogados, juízes, e promotores. Só que não!

  2. Se a Justiça e o Direito são

    Se a Justiça e o Direito são ruins como são, imagine sem o exame da OAB.

    Sinceramente, deveria ter exame de exercicio profissional pra médico também e até para jornalista.

  3. Olha, eu achei esse post

    Olha, eu achei esse post muito dramático. Muita lenga-lenga.

    Sejamos mais objetivos.

    O Paralegal existe. Na prática, inclusive. A quantidade insana de cursos de direita (que alimentam a “indústria” do concurso público), quase sempre de péssima qualidade, gera uma legião de bacharéis que nao conseguem passar no Exame de Ordem.

    Essas pessoas nao podem atuar na advocacia. No entanto, é bem comum que bacharéis trabalhem como estagiários durante um tempo, até passar (se passar) no Exame de Ordem.

    Daí que temos um problema social complicado – pessoas formadas que nao podem atuar – e temos uma barreira qualitativa (o Exame de Ordem) que nao pode ser retirada.

    Some-se isso a uma situação de fato (os bacharéis que trabalham como estagiários) e temos uma solução interessaante: formalizar essa situação. Trazê-la para a luz.

    Obviamente nao há apenas santos nessa discussão. A Família Zveiter tem um escritório que trabalha com contencioso de massa, que é justamente um modelo que sua petições repetitivas e muita mão de obra barata. Obviamente o escritório dele (e o de muitos outros) se beneficiaria do Paralegal, pois assim, poderia deixar o grosso do trabalho acéfalo de adaptar petições para os paralegais, mantendo os advogados para trabalhar nos casos mais complexos.

    Isso é errado? Acho que não. É uma solução para um problema social que nao prejudica ninguém.

    O post fala do problema das petições mal redigidas.

    Sinto muito lhe informar, mas já é assim. O contencioso de massa, na escala absurda que tem (são milhões de casos idênticos) leva a essa situação.

    E nao são apenas os advogados. Não se esqueça das sentenças padronizadas também – que são até mais comuns que petições padronizadas de advogados.

    Eu já vi sentenças absolutamente desconectadas da realidade do caso, pois eram o padrão. Já vi decisões dadas em etiquetas, carimbos…

    Enfim. A culpa é dos advogados?

    O post sugere também que a culpa por esta baixa qualidade é do advogado privado. Acho que a autora nunca litigou contra a Fazenda Pública.

    É uma porcaria. Geralmente são petições mal feitas, padronizadas, mal redigidas.

    A advocacia pública, em geral, é horrorosa. O pessoal passa no concurso, coloca o burro na sombra e vai fazer mestrado, doutorado e dar aula.

    Sendo assim, o problema nao é dos atores (advogados, públicos ou privados) e magistrados.

    É do sistema. Um sistema que nao privilegia soluções de massa, privilegiando o varejo.

    Vocês falam mal dos EUA, mas lá nao tem esse contencioso de massa, pois existem as “Class Actions”, que são ações que beneficiam, ao mesmo tempo, uma coletividade que esteja na mesma situação e os “punitive damage”, que são aqueles casos de indenizações milionárias, geralmente em casos que envolvem relações de consumo.

    Aqui nao tem nada disso. Havia um PL para implementar as class actions no Brasil, mas o Ministério da Justiça o engavetou.

    Sobre os punitive damages, a doutrina e a jurisprudência são contra, pois se criou o entendimento falacioso que indenizações altas provocam enriquecimento sem causa das partes, além de fomentar a “índústria do dano moral”.

    Nao há indústria alguma. Esse lobby apenas favorece o contencioso de massa, o varejo sem qualidade que afeta a todos.

    Sendo assim, proponho sermos um pouco mais profundos nas análises. A culpa pelo caos no sistema nao é apenas dos advogados e dos magistrados, mas de um sistema legal que nao está adaptado à onda de litigiosidade própria de uma sociedade democrática.

    No mais, os paralegais são uma solução (ainda que imperfeita) para um problema social complicado.

    A autora do post, portanto, sugere o que? Deixar estas pessoas na clandestinidade ou acabar com o Exame de Ordem.

    Como nao quero nem um, nem outro, sou a favor do paralegal.

    E sou advogado.

     

     

     

     

  4. Precisamos realmente de um exame da ordem?

    Me parece claro que a presente questão é problemática e recebeu uma solução ainda pior.

    Inicialmente, a questionável participação da família Zveiter no mundo político e judiciário, sobretudo carioca, é de notório conhecimento público. Inclui anulações de concursos da magistratura, perseguições políticas no meio empresarial, atuações desastrosas e tendenciosas no ambiente esportivo e declarações descabidas do ponto de vista técnico e muitas vezes moral. A singela participação direta na aprovação do controverso projeto de lei se assemelha ao ápice de uma série de contribuições desastrosas para o país. Mas não deve ser o cerne do problema da regulamentação dos profissionais sem licença profissional.

    A valorização da atividade da advocacia, em geral, tem sofrido de dois problemas evidentes: excesso de profissionais e má-formação nas academias. Poder-se-ia apontar outros, tais como a proliferação de instituições de qualidade duvidosa, falta da presença pessoal nas faculdades, com intercâmbio de experiências entre os alunos, elitismo e visão unilateral do corpo docente na maioria dos casos, arrogância da categoria, etc., que seriam no fundo decorrentes ou correlacionados com os dois pontos mencionados, os quais analisam-se a seguir.

    Em primeiro lugar, a enorme gama de profissionais jurídicos formados país afora gera uma simples questão que se demonstra tormentosa à valorização do advogado: excesso de oferta. Como se sabe desde as lições mais basilares de Adam Smith, quanto mais oferta, menor o preço oferecido por ela pela demanda correspondente. Não por diferente razão que a profissão da advocacia em geral anda demasiadamente desvalorizada.

    No Brasil, são formados, a cada semestre, cerca de 63.000 bacharéis em direito a cada semestre, considerando os números apresentados pela OAB em 2012. Se levarmos em consideração apenas um terço deste número, descartando os diplomados interessados na carreira pública ou mesmo que não desejam advogar, tem-se o incrível número de 42.000 formados por ano em Direito. Não há mercado amplo o suficiente para admitir todos esses diplomados. Com o excesso de bacharéis disponíveis, há uma clara diminuição do valor agregado ao profissional.

    Para se evitar ainda mais esse quadro, a OAB criou o exame da ordem. Serve como uma espécie de triagem, vedando aos supostamente incapacitados o registro profissional competente que permite o exercício pleno da profissão. Supostamente, o exame impediria que potenciais maus profissionais ascendessem ao mercado, blindando não somente a advocacia como a própria sociedade das consequências dos atos atécnicos ou mesmo irresponsáveis de advogados despreparados ou inabilitados para o exercício das atividades inerentes à profissão.

    No entanto, sabe-se que a razão de fundo para a criação do tal exame foi a reserva de mercado, ainda que se possa discutir o caráter mercadológico do exame. Com essa barreira, a OAB almejava restringir o acesso de milhares de bacharéis e assim melhorar o valor agregado da profissão. Porém, até o mundo mineral sabe que o exame da ordem é um engodo, por diversas razões.

    A primeira delas trata da fase inicial do exame, notoriamente uma triagem intelectual. O índice maior de reprovações está nessa fase, com uma prova objetiva, que nada mais é uma mera memorização dos dispositivos legais. Ainda que seja plenamente justificável do ponto de vista prático, tal teste não comprova capacidade crítica nenhuma. Qualquer adolescente de nível intermediário é capaz de realizar o teste, sendo suficiente acesso prévio aos textos legais – basta comparar com os inúmeros concursos públicos de nível médio que são tratados com idêntica premissa.

    Além disso, quem já realizou a prova sabe da existência da especialização da prova prático-profissional. Ora, se um bacharel realiza a prova prática de Direito Constitucional, teoricamente ele está apto a realizar trabalhos relacionados com aquela matéria. Mas não é o que acontece. Um bacharel aprovado poderá advogar em qualquer área da advocacia privada. Até empresarial. A OAB parte de uma discutível presunção de que se o recém-formado consegue realizar uma prova prática específica, estaria teoricamente habilitado para trabalhar em qualquer função da advocacia, o que por si já seria temerário.

    Acrescente-se a esse argumento o fato de que a aplicação do exame desconsidera duas premissas fundamentais à elaboração de um trabalho tecnicamente qualificado: o acesso à doutrina e jurisprudência e um tempo mínimo para sua realização. O resultado dessa equação é apenas um conto de fadas difundido no mercado e no meio acadêmico. O exame é, destarte, apenas uma forma de enganar a sociedade e os próprios advogados, criando uma barreira para a fonte inesgotável de diplomados inseridos anualmente no mercado.

    A segunda questão que envolve os profissionais da advocacia reside na inacabável criação de faculdades de Direito. Para se criar uma faculdade de direito no Brasil não se exige muito: basta uma sala, um professor minimamente inteirado com a disciplina a lecionar, uma quantidade mínima de alunos e uma licença do MEC. Como se sabe, nenhuns dos requisitos são difíceis de obter.

    O MEC, inclusive, permite que inúmeros estudantes sejam formados, ano após ano, sem o mínimo grau de instrução necessário ou mesmo uma expertise com a profissão suficiente para o exercício profissional, em razão da falta de fiscalização. São os bacharéis de sobrelojas, formados em cubículos que não deixam a desejar nenhuma autoescola de direção ou mesmo em instituições preocupadas mais em obter receita que formar adequadamente seus alunos.

    Destaque-se que a própria OAB pouco ou nada faz para mudar esse cenário. Cobra valores absurdos de anuidade, sobretudo se comparada a outros conselhos profissionais, não presta quase nenhum auxílio aos profissionais e pouco ou nada faz para melhorar a qualidade das instituições formadoras, deixando todo o ônus para o governo federal que, diga-se, simplesmente lava as mãos se os requisitos formais são cumpridos. Consequentemente, o cenário que surge da negligência dos órgãos que deveriam fiscalizar é o mais desanimador possível: inúmeros estudantes malformados inseridos no mercado de trabalho.

    Volta-se então para a questão principal: como inserir tantos profissionais no mercado se são malformados, em tese incapacitados ao exercício da profissão e negligenciados pela categoria? Cria-se uma solução que, diz a piada pronta, seria mais uma jabuticaba não fosse a experiência estrangeira.

    A figura do paralegal não deve ser entendida como simplesmente um advogado sem registro profissional. Essa definição se aproxima mais da figura do rábula, antigo prático do Direito sem o título de bacharel. A ocupação, oriunda dos tempos do império e presente até a década de 60, foi extinta com o advento do antigo estatuto da OAB, que criou a exigência do bacharelado para o exercício profissional.

    O paralegal, de outra forma, seria o recém-formado que não consegue mais ser alocado como estagiário e também não pode obter o registro como advogado, por não ter sido aprovado no referido exame. De fato, a situação desses diplomados é crítica, e merecia efetivamente alguma providência por parte da OAB.

    No entanto, optou-se pela saída menos custosa e mais fácil: dá-se um prazo para o bacharel ser aprovado no exame, de modo a continuar empregado (ou associado) mesmo se não for aprovado de forma imediata no exame, concedendo-lhe três anos para tal. Atrás dessa fachada altruísta do projeto, todavia, há um cenário bem menos auspicioso e cruel.

    Como se tem notícia, dentre os maiores violadores da legislação trabalhista estão, surpreendentemente, os escritórios de advocacia. Não somente vilipendiam os direitos por associar advogados ao invés de estabelecer vínculos empregatícios, como contratam estagiários para trabalhar como verdadeiros advogados, por um prazo determinado. A única diferença reside na realização de audiências e assinatura de peças, muitas vezes pro-forma pelo advogado responsável que igualmente possui uma relação precária com o escritório.

    Com o advento do projeto, os escritórios ganharão o fôlego de até três anos para manter em seus quadros estagiários já formados, sem necessidade de reajuste salarial ou mesmo compromisso de contratação, já que os mesmos não possuem o registro profissional. Advogados recém-formados poderiam ser descartados em favor de bacharéis com custo menor e igual expertise. Uma solução aparentemente benéfica para uma parcela dos estudantes de direito pode criar um abalo ainda maior na valorização da profissão de advogado.

    Além disso, a limitação das atividades do bacharel o coloca no mesmo patamar que um estagiário, coisa que ele definitivamente não o é. Nesse sentido, escritórios poderão começar a optar entre os paralegais em detrimento dos estagiários em razão de maior expertise sem custo agregado. Ou seja, a pretensa solução geraria mais problemas do que resolveria aqueles a que se propõe resolver.

    A solução mais adequada passaria longe de um simples projeto como este. Envolveria uma reformulação dos currículos, uma adequação das faculdades de direito, com requisitos mais exigentes de qualidade, uma fiscalização mais realista e integrada entre o MEC e a OAB das inúmeras faculdades, ou mesmo de uma avaliação realista e empírica das qualificações dos bacharéis previamente ao exercício da advocacia em lugar do malfadado exame da ordem. Mas são soluções complexas, demoradas e custosas para um órgão e uma classe que somente pensa a curto prazo.

    Outrossim, é importante ressaltar ainda que o próprio exame é uma fábrica de dinheiro: proliferam cursos preparatórios e leituras mecanizadas ensinando apenas como ser aprovado no exame, e não como se preparar para a advocacia. Criar um sistema que desconstruísse uma estrutura preestabelecida e favorável àqueles que se beneficiam dele é como crer que tudo se resolverá num passe de mágica, como nos contos de fadas. Nada mais falso.

    Portanto, há que se entender que nada é tão simples como parece. Por trás das boas intenções, existe toda uma cadeia de interesses relacionados, que envolvem reserva de mercado, baixo custo e legalização de práticas trabalhistas conceitualmente ilícitas. Como se diz no velho dito popular, “de boas intenções o inferno está cheio”.

  5. “Paralegal”, remate à

    “Paralegal”, remate à proletarização da advocacia

    “Paralegal”, remate à proletarização da advocacia –

    Está certo, há coisa de trinta anos, já dizia o Grande Nilo Batista, e com muita razão, como lhe sói dizer: não existe excesso de advogados, mas de injustiças a serem reparadas.

     

    Inventar, entretanto, como ocorre no Congresso Nacional[1], profissional do direito paralegal, isto é, um bacharel que não é advogado, mas já não é mais estagiário, posto que colou grau, conservando, entretanto, as prerrogativas deste, é um despautério, sob todos os aspetos, senão má-fé mesmo.

     

    Obviamente, esta proposta do paralegal integra um contingente de mão de obra inequivocamente mais barata ao mercado, especialmente à disposição principalmente dos grandes escritórios de advocacia (reflexos da hiper-super-megaconcentração da riqueza do Sistemão produtivista contemporâneo), em prejuízo econômico e moral, a uma, dos que lograram aprovação no Exame de Ordem, e, a duas, dos estudantes a espera de oportunidade de estágio, com os quais concorrerão os paralegais, já graduados. Isto é insensato e indigno!

     

    Note-se que, sequer, serve a temporária (um ou dois anos contados da colação de grau) manutenção do graduado nas atividades forenses, inclusive para que não perca o “ritmo”, até sua aprovação no Exame de Ordem, o projeto cria mesmo uma terceira categoria profissional, se assim se pode dizer, pois estagio não é profissão, como também não o é concursando ou concurseiro, apesar das aparências dado o tempo de serviço, às vezes anos dedicados a isso. Ademais de favorecer aos maus cursos de direito, cujas vítimas terão esperança de atividade profissional com seus títulos meia-bomba.

     

    Ora, reconheçamos, sem prejuízo daquele princípio, o elevado número de advogados já arrastou a advocacia a uma proletarização, intelectualmente miserabilizante, como de um todo se dá nesses dias de pragmatismo, utilitarismo e economicismo levados a paroxismo deletério, senão esgarçador da tessitura social, veja-se nossa multifacetada guerra civil, essa imbecilização hobbesiana pós-moderna com a militarização do cotidiano.

     

    Claro está que a miserabilização desse inflado número de advogados está associado (bom sempre ter isso em mente!) à massificação da Justiça, ao produtivismo[2] judiciário e advocatício, assim, especialmente, com a funcionalização/operacionalização dos profissionais do direito, ipso facto, sua reificação, e que, inda, ingenuamente, orgulhosos de si, diga-se, em rematada falta de noção semântica e perspectiva civilizatória e política, ufanam-se “operadores do direito”, com importante tempero de especificação e tecnicismo estupidizantes.

     

    Agora, reduzir, sob qualquer título ou móvel, o mercado profissional, mediante a ampliação de legitimações profissionais a simples bacharéis incapazes de ser advogados, máxime, em face dos decantados maus resultados do Exame de Ordem[3], soa, no mínimo, ruptura definitiva com qualquer horizonte de excelência, verdadeiro remate ao nivelamento por baixo, tão ao gosto das pseudo-elites, posto que feitas do covarde autoritarismo pluto-cleptocrata, dos curralitos econômicos, tecnocientífico e religiosos, mistificadoras, certamente, nos últimos algo mais de 40 anos.

     

    Tudo numa constelação de intentos voltados a vulnerabilizar da alteridade, por não poucos tida por raça inferior, para melhor manipular, sempre, claro, ladeira a baixo, obviamente antidemocráticos e demófobos – o negócio do povo tem de ser samba e futebol, porém, influenciar em políticas públicas, ah! isso, nem pensar, malferiria a sintomatologia da Síndrome de Atlas de Rand[4].

     

    Afinal, como esperar diferente disso, se são próceres da modernidade traidora, a da travestida recidiva em Novo Antigo Regime, tão-só, mesmice repaginando a nobiliarquia-clerical das teocracias despóticas de quase todos os tempos – entre as civilizações tidas por superiores no ocidente geográfico, tem-se exceção somente na Grécia e na Roma, Antigas, claro.

     

    Saudações libertárias e lastimosas, porém, esperançosas de setores da OAB não aparelhados pelos rentabilistas, oportunistas e espetacularistas de plantão, empreendam o devido “lobby” contrário a esta excrescência insensata.

    (originalmente postado em 16 de junho, próximo passado, no http://www.luisnassif.com/forum/topics/paralegal-remate-proletariza-o-da-advocacia)

     


    [1] http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposi

    [2] E, falando em produtivismo judiciário, os paralegais, ao menos, estariam em condições de ter salvaguardada a autoria de seus eventuais trabalhos intelectuais, diferentemente dos integrantes do dispositivo gestionário*, localizado nos gabinetes dos magistrados, cuja inexistência legal, apesar de serem determinantes da produção de atos judiciais essenciais à justiça quantificada, a da sacrossantificada estatística, lança sua autoria intelectual no limbo do anonimato – ou estaremos em instância de mera classificação, conquanto classificar pressuponha interpretação e consequente juízo intelectual de valor, para decisões pré-lançadas, logo de pré-julgamentos?

    *Considerações críticas sobre a crise da Justiça: assunto de cidadania, assunto de todos, in Revista Emarf, n 18, pg 149 –http://www.trf2.gov.br/emarf/revistavolumes.html

    [3] Pode-se cultivar dúvidas sobre a pertinência da exigência do Exame de Ordem, mas está aí devendo co-implicar a avaliação da situação.

    [4] Há um perfil, compartilhado haja vista a estruturação em relações do tipo senhor/escravo, conforme a variada dosagem de libido dominandi, perfil marcado por histeria, narcisismo, paranoia, arrogância, prepotência e truculência, em suma, de índole fascista, da minoria minoritária mínima, feita de um por cento da população, que se crê “a” responsável pela evolução da humanidade, assim, carregada nas costas, sem o que esta pereceria, pensamento do qual Ayn Rand, judia russa evadida da revolução bolchevique, radicando-se nos EUA, onde se tornaria a musa do liberalismo, e, também escritora, de entre outras obras a célere e intitulada A Revolta de Atlas; donde a idéia de Síndrome de Atlas de Rand.

     

  6. Ah, a reserva de mercado

    Ah, a reserva de mercado imposta pela OAB, selecionou os coxinhas e, agora, precisam de alguém para carregar o piano… Rapadura é doce mas não é mole, não. A elite do Direito vai para o Judiciário ou para os grandes escritórios; não sobrou muita gente para trabalhar e aí vem com essa conversa de paralegalidade. 

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