Os riscos do “plea bargain”, medida do pacote anticrime que Moro importou dos EUA

Jornal GGN – O pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro, importa medidas aplicadas nos Estados Unidos, como a “plea bargain” ou, na tradução literal, mecanismo onde o poder público barganha para que o acusado se declare culpado em troca de vantagens, como uma pena mais branda.

Neste caso o Ministério Público poderá propor soluções sem que haja oferecimento de denúncia à Justiça. A medida inclui como condições a reparação de danos via renúncia de bens de proveito ou produto de crimes, prestação de serviços ou multa.

Moro também propõe a criação de um banco de DNA, torna mais rigorosa a aplicação do regime fechado e formaliza em lei a jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal que vem permitindo a prisão de condenados em segunda instância, antes que o caso chegue ao STF ou ao STJ. Leia também: Advogados levantam custo de projeto de Moro para barrar pacote anticrime

A BBC News Brasil publicou neste domingo (17) uma reportagem com entrevistas de especialistas norte-americanos e brasileiros sobre o provável impacto do “plea bargain” no Brasil. Nos Estados Unidos, o instrumento recebe críticas porque concede ao Ministério Público uma concentração excessiva de poder, além disso, leva inocentes a confessarem por crimes que não cometeram para escapar do alto custo dos processos ou uma punição injusta.

Um dos casos mais emblemáticos é do trio de West Memphis. Em meados dos anos 1990, três adolescentes foram condenados pela morte brutal de três crianças de oito anos, encontradas mortas em um pântano.

Jessie Misskelley Jr. de 17 anos, Jason Baldwin de 16 anos e Damien Echols de 18 viviam em uma vizinhança pobre de West Memphis e, por andarem nas ruas vestidos de preto e camisetas de bandas de rock, foram relacionados ao crime propagado pela população e imprensa na época com características ritualísticas. Os três jovens foram levados ao júri popular e condenados após a confissão de Misskelley. O adolescente tinha problemas mentais e chegou a voltar atrás diversas vezes, admitindo que foi persuadido pelos policiais que forçaram sua confissão. Echols foi condenado à morte, por ter supostamente liderado o crime, e os outros dois à prisão perpétua. Entretanto, na noite do crime, o jovem estava fora da cidade, em um show de rock amador, e testemunhas registraram o fato.

Com o passar dos anos os advogados dos três condenados fizeram vários apelos à justiça pedindo novo julgamento, incluindo nas argumentações evidências encontradas por investigadores particulares, como o teste de DNA. O caso chamou atenção de todo o país, levando a uma campanha por um novo julgamento dos três jovens.

Em 2011, após 18 anos, finalmente a Corte cedeu e deu à promotoria duas opções: ou os condenados apresentavam um acordo, ou teriam um novo julgamento com um novo júri. O Ministério Público da cidade apresentou para os réus um acordo para que os três se declarassem culpados em troca de liberdade. O primeiro a aceitar o acordo foi Echols, porque estava no corredor da morte. O novo julgamento poderia levar meses, e até anos para ocorrer. Logo em seguida, os outros dois fecharam com a promotoria.

Com o acordo, o Estado e o Ministério Público de West Menphis ficaram livres de um eventual processo dos três condenados caso, mais adiante a Justiça comprovasse falha nas investigações. Na análise dos corpos das crianças mortas, os investigadores nunca encontraram vestígios de DNA dos jovens condenados, mas sim Terry Hobbs o padrasto de Steve Edward Branch e uma das vítimas.

Para a BBC New, o professor de Direito da Universidade de San Diego, na Califórnia, Donald Dripps elogiou a aplicação da “plea bargain” como forma de reduzir os custos dos processos nos casos onde é evidente o culpa do acusado, como dirigir embriagado, posse de drogas, armas ou pornografia infantil.

“Há uma grande quantidade de casos em que não há dúvida sobre a culpa do acusado, então a questão é: por que desperdiçar os recursos de um julgamento em um caso cujo resultado já se sabe? É apenas uma questão de se o réu será condenado após muito tempo no tribunal, gastando o tempo de testemunhas, de advogados, ou se vai admitir o crime (no ‘plea bargain’)”, disse à BBC.

Por outro lado, Dripps admitiu que a ferramenta jurídica traz consequências negativas, como a condenação de inocentes.

“Costumava-se acreditar que as pessoas que se declararam culpadas eram realmente culpadas, mas há um número de casos em que se descobre, depois, que não eram. A diferença entre (a sentença oferecida no) acordo e o que aconteceria em um julgamento (caso fossem condenados) é tão grande que mesmo inocentes têm bons motivos para admitir crimes que não cometeram em vez de ir a julgamento”, observa o estudioso.

A reportagem da BBC Brasil pontua que não existe um levantamento estatístico sólido nos Estados Unidos sobre o número de inocentes que se declaram culpados, mas ressalta que existe um projeto para isso em andamento, chamado Registro Nacional de Exonerações.

“O registro reúne 2.372 casos desde 1989 de inocentes condenados injustamente que depois foram libertados. Desses, 463 haviam sido condenados após assumir a culpa pelo crime que não haviam cometido”, pontua a repórter Alessandra Corrêa que assina a matéria.

A Corrêa destaca, ainda, que cerca de 11 milhões de pessoas são detidas anualmente pela polícia dos Estados Unidos, a maioria por acusações menores. Porém, como muitas não têm dinheiro para pagar fiança, sendo obrigadas a continuar na prisão até a definição de uma data de julgamento, acabam assumindo a responsabilidade do crime.

“Pessoas estão na cadeia simplesmente por serem pobres. Muitas vezes, podem pensar, ‘se o promotor está dizendo que, se eu me declarar culpado, posso ir para casa hoje (sentenciado ao tempo de prisão já cumprido enquanto aguardava), prefiro sair da cadeia'”, disse David Carroll, diretor-executivo do Sixth Amendment Center, grupo que analisa sistemas de defesa pública nos EUA, para a BBC News Brasil. Clique aqui para ler a matéria na íntegra.

Redação

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