20 anos sem Maurício Tapajós, por Mara L. Baraúna

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Maurício Tapajós Gomes (Rio de Janeiro, 27 de dezembro de 1943 — Rio de Janeiro, 21 de abril de 1995)

20 anos sem Maurício Tapajós

por Mara L. Baraúna

Maurício Tapajós foi um cantor, produtor, arranjador e compositor com destacada folha de serviços prestados à música brasileira, especialmente na valorização dos artistas e na defesa dos seus direitos.

Nascido em uma família carioca com forte ligação musical, era filho de Norma e do cantor, compositor, pesquisador da MPB e radialista Paulo Tapajós, que formava com o irmão Haroldo o duo “Irmãos Tapajós” das primeiras parcerias com Vinícius de Moraes. Era irmão do compositor Paulinho Tapajós e da cantora Dorinha, ambos também falecidos (Dorinha em 1989; Paulinho em 2013). Em 1968, formou-se pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Foi aluno de Ian Guest (arranjo) no Centro Ian Guest de Aperfeiçoamento Musical (Cigam). Sua primeira música apresentada em público foi “Amor de gente moça”, com Nelson Motta, interpretada ao vivo no rádio por Neli Ramos e a Orquestra do Maestro Radamés Gnatalli. 

Em 1963, teve pela primeira vez registrada em disco uma composição de sua autoria, “Carro de boi”, com Cacaso, gravada pelo grupo vocal Os Cariocas.

Em 1966, assinou a direção musical e a trilha sonora, em parceria com Hermínio Bello de Carvalho e Cacaso, da ópera popular “João Amor e Maria”, de autoria de Hermínio. A ópera, dirigida por Kléber Santos e Nélson Xavier, teve no elenco Betty Faria, Fernando Lébeis, José Damasceno, José Wilker e Cecil Thiré, além do MPB-4, encenada no Teatro Jovem. Desta ópera, com disco lançado pela gravadora Mocambo/Rosemblit, destacam-se “Luta danada”, “Tira o peixe do mar”, “Tempo bravo”, “Jangada”, “Foi milagre” e “Não adianta não”, todas em parceria com Cacaso, e, ainda, “Modinha”, com Cacaso e Hermínio Bello de Carvalho.

Com o mesmo Hermínio, emplacaria, em 1967, o primeiro sucesso, “Mudando de Conversa”, na voz de Dóris Monteiro.

Maurício foi um melodista dos mais inspirados, que compunha e tocava violão com elegância e simplicidade. Compôs em dupla com grandes letristas, como Paulo César Pinheiro (“Tô voltando”), Aldir Blanc (“Querelas do Brasil”), Hermínio Bello de Carvalho (“A Mangueira é lá no céu”), Nei Lopes (“A cidade se diverte”), Cacaso (“Carro de boi”), Capinam (“A gente ama”), Suely Costa (“O Barco”), João Nogueira (“Dama da Noite”), entre outros parceiros e tantas outras melodias, construindo uma obra marcada pela canção de protesto e pela inspiração em temas nacionais.

Ativista da MPB, lutou pela dignidade da profissão que resultou na criação, em 1977, da gravadora e editora musical Saci (Sociedade de Artistas e Compositores Independentes) — em parceria com Aldir Blanc, Paulinho da Viola, Joyce, João Bosco, Sérgio Ricardo, Ivan Lins e Gilson Peranzetta (estes dois se desligariam em 1980) —, de sociedades de direitos autorais, como a Sombrás, e a Amar (Associação dos Músicos, Arranjadores e Regentes), e na produção de inúmeros shows coletivos. Pela Saci lançou “Olha Aí” e o LP duplo “Aldir Blanc & Maurício Tapajós“.

Um registro histórico, em CD, feito pela Saci, foi o disco “Estácio & Flamengo, 100 Anos de Samba e Amor”, que celebrava os 100 anos do C. R. Flamengo e do carioquíssimo bairro do Estácio, um dos berços do samba, e incluía obras de grandes compositores, desde Wilson Batista até a dupla João Bosco e Aldir Blanc.

Produziu, roteirizou e dirigiu, em conjunto com Aldir Blanc, o show “Transversal do Tempo”, com Elis Regina, que teve direção musical de César Camargo Mariano, e cuja estreia se deu em novembro de 1977, em Porto Alegre, no teatro Leopoldina. Produziu também o disco resultante do show e outros discos de cantores como Lucio Alves, Sérgio Ricardo, Dóris Monteiro e do grupo “Viva Voz”.

Produziu, com Ricardo Cravo Albin, o álbum duplo “Há sempre um nome de mulher”, da campanha de aleitamento da LBA, com vários intérpretes, como Cauby Peixoto, Tito Madi, Chico Buarque, Peri Ribeiro, Maria Bethânia, Elba Ramalho, Marlene, Emilinha Borba, Marisa Gata Mansa, Paulinho da Viola, Martinho da Vila e Emílio Santiago, entre outros. Do álbum duplo, venderam-se 300 mil cópias, só nas agências do Banco do Brasil, o que rendeu Disco de Ouro (BMG-Ariola) para seus produtores.

Roteirizou, com Paulo César Pinheiro, o show “Clara Mestiça”, de Clara Nunes, direção de Bibi Ferreira, que estreou em 9 de janeiro de 1981.

Na década de 1980, excursionou por diversos países, apresentando-se com Beth Carvalho e Paulo Moura em Angola (1981), com Marcos Vinicius no “XV Festival da Canção Política” realizado na Alemanha (1985) e com Joyce no Equador (1987).

Maurício se juntou a Gugu Olimecha e Aldir Blanc para escrever o texto da revista musical “Fi-lo porque qui-lo ou votando no escrutínio dela”, que estreou em 26 de maio de 1981, no Teatro Rival. Maurício e Aldir fizeram as melhores paródias para o espetáculo e acompanhavam os ensaios diariamente. 

Apresentou programas de rádio, ao lado de Magro Waghabi, do grupo vocal MPB-4, o semanal “O músico em pauta”, na Rádio Roquete Pinto.

Maurício dirigiu shows no “Projeto Pixinguinha” e “O Som do Meio Dia”, levou à Funarte os projetos “Feira Pixinguinha” e “Vitrine”, com o objetivo de promover novos artistas fornecendo-lhes a sala de espetáculos da Funarte com sua aparelhagem de som, piano, bateria, além da impressão de cartazes e edição de um compacto duplo com tiragem inicial de mil discos. Musicou as peças “Yerma”, de García Lorca, e “Coronel de Macambira”, de Joaquim Cardoso, e ainda assinou a direção musical de “Arena Conta Tiradentes”, de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal.

No mesmo ano de sua morte foi realizado no Teatro João Caetano, no Rio, o show tributo “Amigos lembram Maurício Tapajós”, com a participação de muitos companheiros do meio musical, como o irmão Paulinho, Mu Carvalho, Chico Buarque, Paulinho da Viola, Carlinhos Vergueiro, João Nogueira, Sérgio Ricardo, Cristina Buarque, Miúcha, Os Cariocas, O Trio, Cristóvão Bastos, Zezé Gonzaga, Célia Vaz, Alaíde Costa, Moacyr Luz, Marco Sacramento, Paulo Malaguti, Elza Maria e Amélia Rabelo, entre outros.

Seu nome batizou o “Fórum de Direito Autoral”, em 1998, e a “Sala de Reunião da Diretoria da Amar”, no ano seguinte.

No carnaval de 2001, o bloco “Flor do Sereno”, do bar Bip Bip, em Copacabana, desfilou com três marchas, sendo uma delas, “Marcha regresso”, de Elton Medeiros, Maurício Tapajós e Cacaso.

Desde 2005, Hermínio Bello de Carvalho e Márcio e Lúcio Tapajós, filhos de Maurício, se empenham em resgatar, organizar e registrar a obra do compositor para disponibilizá-la ao público. A eles se juntaram o jornalista Alexandre Pavan e o músico e produtor Luiz Ribeiro. Vinte e uma fitas cassete, uma de rolo (com composições originais) e registros em LPs foram remasterizados e transpostos para MP3, bem como 50 partituras, 150 manuscritos, 95 folhas de páginas de catálogo e 90 textos digitalizados, mais fotos, entrevistas e depoimentos, que estão disponíveis para download em um site-memorial. Daí surgiu o CD póstumo “Sobras Repletas“. 

Em sua saudade, os amigos Moacyr Luz, Luiz da Vila e Aldir Blanc compuseram uma obra-prima, “Saindo à francesa”.

Gordo, Ligaram pra mim sobre a hora do enterro / É trote, isso tudo não passa de um erro / Me encontra com o riso de sempre no bar / Eu quero esclarecer esse mal-entendido / Mas vê se não falta, eu tô meio fudido / A gente vai ter muito o que conversar / Coisa-e-tal, patati, patatá…/ Gordo, Eu hoje só volto pra casa bem tarde / O papo vai ser do Romário ao Ecad / Passando por muita mulher (que sem elas a gente não vive!) / E discutir a importância da velha amizade / Redimensionar a palavra “saudade”: é nela que tudo que amei sobrevive!

E, quando for ao banheiro dar um mijada, sai sem despedir, sem boa-noite, sem nada / ô, Gordo maluco, quem mandou me abandonar? / No dia seguinte eu vou telefonar e xingo quem te pariu / O palavrão fica só na intenção Alguém vai dizer que o meu Gordo saiu / Ah!.. Vou te procurar num montão de espelunca / E só descansar no dia de São Nunca / Se Deus confessar que o meu Gordo dormiu (dormiu!)

Ah!.. Vou te procurar num montão de espelunca / E só descansar no dia de São Nunca… / Se Deus confessar que o meu Gordo dormiu…

Maurício Tapajós é um nome para ser sempre lembrado e admirado.

Fontes:

Maurício Tapajós no Dicionário Cravo Albin 

Aldir e Maurício, no melhor disco de 1984, de Aramis Millarch

Maurício Tapajós: saudades do Gordo, por Luís Pimentel  

As Sobras Repletas de Maurício Tapajós, por Aquiles Rique Reis 

Fotos

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

6 Comentários

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  1. Uau!

    Bela homenagem, Mara, bem documentada. Sempre ouvi falar nosTapajos e a despeito de uma musica aqui, outra ali, não sabia nada sobre eles. Infelizmente morreram cedo… Deixaram a musica que toda vez que alguém toca e ouve, revive um poudo dos irmãosTapajos.

    Deixo Tristorosa, bela letra do parceirinho Cacaso.

    [video:https://youtu.be/71tXjNsJBIE%5D

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