Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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Alianças de Milei com grupos estrangeiros de telecomunicações explicariam postura do Clarín

Gerardo Werthein, dono da DirecTV-América Latina,  foi designado funcionário do governo Milei, e é embaixador da Argentina nos Estados Unidos.

Martín Becerra

Alianças de Javier Milei com grupos estrangeiros de telecomunicações explicariam postura editorial inédita do Grupo Clarín

por Maíra Vasconcelos, de Buenos Aires

O Grupo Clarín, maior conglomerado de meios de comunicação da Argentina, pela primeira vez, em mais de vinte anos, mantém uma linha editorial que não é completamente nem pró-governo, nem oposição. Essa postura editorial, ao menos até agora, pode estar relacionada às decisões e alianças do governo de extrema-direita de Javier Milei em favor de empresários do setor das telecomunicações. Como é o caso do multimilionário Elon Musk e sua empresa de internet via satélite, recém-chegada no país, StarLink, o mexicano Carlos Slim, dono da América Móvil, que no país opera a Claro, e Gerardo Werthein, dono da DirecTV, na América Latina. Os benefícios aos grupos empresariais estão contemplados no mega Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), apresentado pelo governo e aprovado no Senado, mas que ainda aguarda a votação na Câmara dos Deputados.

No DNU de Milei, que está vigente enquanto tramita no Congresso, o capítulo sobre as políticas do setor de telecomunicações autoriza as empresas que oferecem serviço de televisão via satélite a também prestarem serviço de internet fixa, e vice-versa, o que antes estava proibido na Argentina. Isso quer dizer, por exemplo, que Carlos Slim, dono da Claro, é diretamente beneficiado, pois poderia no futuro ser também prestador de serviço de televisão via satélite. Além do mais, o empresário foi um dos principais financiadores da campanha de Javier Milei. O mesmo acontece com Gerardo Werthein, da DirecTV, outro beneficiado pelo DNU.

Essas considerações, e seu caráter até mesmo de denúncia, são do professor e pesquisador argentino Martín Becerra, um dos mais importantes especialistas e referência em meios de comunicação e indústrias culturais, na América Latina. Em entrevista ao Jornal GGN, as palavras de Becerra expõem também a promiscuidade da relação do governo Milei com um dos meios hegemônicos do país, o La Nación. “Alguns dos animadores do jornal La Nación e La Nación+ (canal de televisão aberta) passaram a formar parte do staff de funcionários de Milei”, afirmou Becerra. O professor da Universidad Nacional de Quilmes e Universidad de Buenos Aires (UNQ e UBA), e pesquisador do Conicet (Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas) esmiuçou também a postura editorial dos principais meios de comunicação do país, Grupo Clarín, La Nación, Grupo Indalo (C5N, Rádio10) e Infobae, em relação ao governo ultradireitista de Milei, e também em comparação com os governos passados de Cristina Kirchner (2007-2015), Mauricio Macri (2015-2019) e Alberto Fernández (2019-2023).

Como o professor vê a postura dos meios de comunicação hegemônicos da Argentina, até agora, em relação ao governo de Javier Milei?

Por um lado, temos o Grupo Clarín, que faz equilíbrio com Milei. Diria, não é nitidamente oficialista, e também não é crítico. Mas, de alguma forma, essa postura é uma novidade para o Grupo, porque o Clarín foi muito opositor, nos últimos governos peronistas e muito oficialista em relação a Mauricio Macri. Ao contrário, com Milei, não há uma postura equivalente à que teve nos governos passados. Por exemplo, os eventos dramáticos da atual política econômica, no que diz respeito a preços de remédios, liquidação das aposentadorias, impacto no salário e emprego das pessoas, e aumento dos alimentos. Os meios do Clarín dão essas informações e responsabilizam, como corresponde, ao governo de Milei por essas decisões. Isso o Clarín não oculta. Se fosse com Macri, teria ocultado. Mas faz equilíbrio no sentido de que também não é um multimeio que seja particularmente crítico, ou seja, diria que, pela primeira vez, em muitos anos, há espaços dentro dos meios de comunicação do Grupo Clarín que fazem jornalismo. Ao contrário, o La Nación, com seu canal de televisão La Nación+ é raivosamente oficialista, e, inclusive, deu ao governo vários funcionários da área de comunicação. Alguns dos animadores do La Nación e La Nación+ passaram a formar parte do staff de funcionários de Milei.

Outro multimeio muito importante, que, geralmente, está do lado oposto, é o Grupo Indalo, que tem o canal C5N, a Rádio 10. São meios com muita audiência. Esses meios são nitidamente críticos ao governo de Milei, geralmente, enquadrado no que chamaríamos peronismo, mas é um peronismo que, enfim, custa determinar de qual linha. Mas são críticos ao governo de Milei.

Logo, temos meios, que não são grupos, mas são meios… Por exemplo, Infobae, que é o meio online de maior audiência na Argentina, eu diria, tem uma posição em relação ao governo, hoje, parecida a do Clarín. Tem uma maioria de colunistas, gente que opina no Infobae, que está a favor do governo de Milei. Mas há bastante espaço também. Essa linha editorial não é algo monolítico, porque assim como a maioria dos colunistas são pró-Milei ou pró-ajuste econômico, tem espaço para a crítica.

Essa postura do Clarín, que não é totalmente a favor do governo de Milei, pois há uma parte crítica, isso tem a ver com a política econômica do governo?

Acho que tem a ver, para mim, com duas situações. Por um lado, sim, a política econômica do governo, que ao ser tão agressiva contra a renda e a estabilidade do emprego da maioria dos argentinos, e, ao mesmo tempo, por ser tão financeirizada. Quer dizer, é um plano econômico muito nocivo para a indústria, não é somente contra os trabalhadores, mas também contra os industriais. Então, sim, essa é uma das causas. Mas há outra causa. Geralmente, o Clarín, pela posição de poder que detém na Argentina, consegue um rápido entendimento sobre qual é a agenda corporativa que lhes interessa manter nesse período do governo; e é possível, acredito eu, que com Milei essa negociação não tenha sido fácil ou não seja fácil, não sei se essa negociação terminou ou não.

Por outro lado, pelo o que acabo de sinalizar, Milei tem uma aliança sobreatuada, porque tudo nele é sobreatuado, com empresários estrangeiros de telecomunicações e de conexão, como Elon Musk e Carlos Slim, o dono de América Móvil, que aqui na Argentina opera com a marca Claro. Então, essas alianças, ainda que no mais imediato não afetem os negócios do Clarín, é muito provável que a condução do Grupo Clarín observe essas alianças como uma ameaça, a médio prazo.

Porque, hoje, Elon Musk apenas oferece conexão de satélite StarLink e, nesse sentido, não compete de maneira direta com o Grupo Clarín. Mas, amanhã, poderia, eventualmente, ampliar sua área de negócios a setores que, sim, competem com o Clarín. E Elon Musk é o multimilionário mais rico do planeta, ou seja, há um abismo entre a fortuna de Elon Musk e o Clarín. Então, essa aliança, ademais, como te dizia, como tudo nesse presidente é sobreatuado, essa aliança sobreatuada e sobre a qual permanentemente Milei se refere em seu próprio discurso, pode ser percebida na condução do  Grupo Clarín, sim, como uma ameaça.

No mega Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), apresentado logo após a assunção de Milei, tem algum artigo específico sobre as políticas do setor de telecomunicações?

No conjunto do DNU, as políticas de telecomunicações não são um capítulo central, mas sim, estão. Por exemplo, até o DNU de Milei, na Argentina, os serviços de televisão via satélite, como DirecTV, não podiam… Ou seja, o licenciatário de um serviço de televisão via satélite, não podia prestar outro serviço. Se o Estado argentino concedia uma licença para televisão via satélite, sua empresa não podia, por exemplo, oferecer comunicações móveis, não podia oferecer conexão à internet fixa. Esse DNU elimina essas restrições. E a quem beneficia isso?A princípio, beneficia a DirecTV, obviamente. Veja você, o dono da DirecTV, na América Latina, é o empresário Gerardo Werthein, que foi designado por Milei embaixador nos Estados Unidos. É uma decisão do DNU que beneficia especificamente a um empresário que agora é funcionário do governo. E também beneficia a Claro, de Carlos Slim, que mencionava antes. Slim foi um dos principais apoiadores econômicos da campanha de Javier Milei. Então, a Claro também poderia oferecer televisão via satélite, sendo que atualmente é licenciatária de telefonia móvel. Antes estava proibido que a Claro pudesse oferecer televisão via satélite, agora está permitido.

Esse decreto também eliminou algumas travas burocráticas, que os operadores de conexão via satélite teriam que fazer, como a Starlink de Elon Musk. Na verdade, quando Milei apresentou em cadeia nacional o DNU, o único empresário que Milei mencionou como beneficiado por seu DNU, foi Elon Musk, o caso da StarLink. Ou seja, quero dizer, aí tem uma devolução de favores, baseado na simpatia mútua que Milei tem com o próprio Musk.

Maíra Vasconcelos é jornalista e escritora, de Belo Horizonte, e mora em Buenos Aires. Escreve sobre política e economia, principalmente sobre a Argentina, no Jornal GGN, desde 2014. Cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina (Paraguai, Chile, Venezuela, Uruguai). Escreve crônicas para o GGN, desde 2014. Tem publicado um livro de poemas, “Um quarto que fala” (Urutau, 2018) e também a plaquete, “O livro dos outros – poemas dedicados à leitura” (Oficios Terrestres, 2021).

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

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Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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