André Lara Rezende e a busca dos novos consensos

Quem leu “Os Cabeças de Planilha” sabe de minha posição crítica em relação a André Lara Rezende. Mas o momento é de discutir ideias, tentar entender a nova etapa do desenvolvimento brasileiro e deixar de lado cobranças em relação ao passado.

Dito isso, seu trabalho apresentado na Flip deste ano, “O mal estar contemporâneo”, é a melhor crítica feita até agora por um guru da oposição ao estágio do desenvolvimento brasileiro e à incapacidade do Estado – mais do que do governo – de se antecipar à nova etapa da vida nacional.

Exprime um conjunto de pontos e princípios que seria tranquilamente endossado pela parcela mais crítica e intelectualizada do próprio PT. E confirma que as manifestações de junho de 2013 significaram um ponto de ruptura na inércia geral e o primeiro chamamento efetivo para a busca de novos consensos capazes de pavimentar o desenvolvimento brasileiro daqui para frente.

A crítica à mídia

Na crítica, André não poupa nenhuma instituição: Executivo, partidos políticos, lideranças do governo e da oposição, Congresso e Judiciário. Nem a mídia. “No caso brasileiro, perplexa com sua aparente falta de repercussão e pressionada financeiramente pela competição da internet, uma parte da mídia desistiu do jornalismo de interesse público e passou a fazer um jornalismo de puro entretenimento. Mesmo os que resistiram, cederam, em maior ou menor escala, à lógica dos escândalos”.

Recorde-se que o jornalismo de esgoto, anti-social,  provincianamente elitista, anacrônico, escandaloso, parcial, explorando o macartismo mais atrasado, foi fruto da aliança da velha mídia com a parte mais nebulosa da PSDB – José Serra à frente -, sendo aceito acriticamente por sua liderança mais expressiva e dúbia, FHC.

A aliança continuará. Mas, após o manifesto de André, espera-se que em bases elevadas.

A crítica substantiva é ao modelo de Estado brasileiro, algo que vai muito além das reformas político-partidárias.

O PT que representava o novo

A base da crítica é ao chamado nacional-desenvolvimentismo – a escola que, desde o pós-Guerra rivalizou-se com a ortodoxia econômica, na busca de um modelo de desenvolvimento para a América Latina: mercado x Estado, que marcou a discussão nacional desde os anos 40.

André cita a eleição do PT, em 2006, como uma reação ao nacional-desenvolvimentismo. Exagera: foi uma reação à apropriação do Estado pelo mercado, modelo que teve em André seu grande guru. Mas acerta, ao mencionar a eleição como uma reação ao continuísmo das ideias. Ao englobar os movimentos sociais, as visões alternativas de desenvolvimento, focadas no combate à miséria e na inclusão social, o PT representava a reação contra o velho: o mercadismo – abraçado pelo PSDB fernandista – e o nacional-desenvolvimentista – presente no velho PMDB ulissista, e seus campeões nacionais.

O novo – e isso quem diz sou eu – era representado pelas experiências municipalistas de Luiza Erundina e da própria Marta, pelas inovações de Celso Daniel, pelas experiências nas prefeituras de Porto Alegre e Belo Horizonte, pelas primeiras ações do Ministério das Cidades, pelo Bolsa Família, pela inclusão política dos movimentos sociais e dos sindicatos, pelo pequeno como centro das políticas públicas. E esse novo ficou restrito ao movimento extraordinário – porém restrito – das políticas compensatórias.

No início do governo Lula, André identificou a submissão a um mercado conservador e assustado. Faltou reconhecer que parte relevante dessa submissão – presentes na dupla Antonio Palocci-Henrique Meirelles – deve-se ao modelo engendrado no Plano Real, de subordinar toda a política econômica à lógica de mercado, através da criação de fantasmas e de gatilhos de expectativas que provocavam instabilidade política e acuavam os governantes ao menor sinal de redução dos ganhos do setor. 

É parcial, também, na questão fiscal. Menciona que apenas 7% dos gastos públicos revertem em investimentos, parte para a rede de proteção social – gasto que ele considera legítimo -, e parte para um Estado que passou a bastar-se a si próprio. Seria mais isento se incluísse, no comprometimento da receita fiscal, a conta do serviço da dívida criada em seu tempo de governo.

Mas vale a crítica e fica o consenso: políticas sociais inclusivas são a parte mais legítima do gasto público.

Depois, com a crise de 2008 perdeu-se o medo do mercado, o modelo foi bem sucedido para superar a crise e, aí, segundo ele, teria desandado.

Admite os ganhos substanciais na renda dos mais pobres, a melhoria da distribuição de renda, a consolidação da democracia. Mas reconhece o anacronismo do modelo de Estado brasileiro:  “O projeto do Estado, e não do governo, é importante que se note, pois a questão transcende governos e oposições. Este hiato entre o projeto do Estado e a sociedade explica em grande parte a crise de representação”.

O nacional-desenvolvimentismo

Após a grande onda de inclusão, a falta de prioridade provocou o aumento na ineficiência do Estado em suas funções básicas – segurança, infra-estrutura, saúde e educação, em um momento em que a melhoria de vida da população exigia melhoria na qualidade dos serviços.

Sua crítica maior é em relação a dois pontos: o aparelhamento do Estado, para garantir a governabilidade; e o modelo econômico do nacional-desenvolvimentismo e seus campeões nacionais.

“O projeto nacional-desenvolvimentista combina o consumismo das economias capitalistas avançadas com o produtivismo soviético. Ambos pressupõem que o crescimento material é o objetivo final da atividade humana. Aí está a essência de seu caráter anacrônico. Os avanços da informática permitiram a coleta de um volume extraordinário de evidências sobre a psicologia e os componentes do bem-estar. A relação entre renda e bem-estar só é claramente positiva até um nível relativamente baixo de renda, capaz de atender às necessidades básicas da vida. A partir daí, o aumento do bem-estar está associado ao que se pode chamar de qualidade de vida, cujos elementos fundamentais são o tempo com a família e os amigos, o sentido de comunidade e confiança nos concidadãos, a saúde e a ausência de estresse emocional”.

A lógica dos “campeões”, aliás, sempre foi central na estratégia tanto de FHC quanto de Lula pós-2008. Na entrevista que me concedeu – que publiquei na parte final de “Os cabeças de planilha” – FHC sintetiza seu modelo de desenvolvimento como o de fortalecer os grandes grupos nacionais – formados pelos bancos de investimentos dos anos 80 – porque seu desenvolvimento traria a reboque a modernização do país. É o mesmo pensamento de Dilma-Luciano Coutinho em relação aos “campeões nacionais”.

E aí, deu-se o tilt da representatividade:

“Em todas as suas esferas, o Estado deixou de ser percebido como um aliado, representativo e prestador de serviço. Passou a ser visto como um insaciável expropriador, cujo único objetivo é criar vantagens para os que dele fazem parte, enquanto impõe dificuldades e cria obrigações para o resto da população”.

Os novos consensos

Em seu trabalho, André reconhece a incapacidade generalizada de se compreender o novo, colocando no mesmo barco governo e oposição. É importante para que a crítica não ganhe ares oportunistas e ajude a consolidar os novos consensos.

O consenso maior passa  pela inclusão – em todos os níveis – como peça central das políticas públicas. E, aí, há plena concordância tanto em Dilma Rousseff (em seu discurso no CDES) quanto da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), a relevante instituição de onde se originou o pensamento nacional-desenvolvimentista. E, por inclusão, se considere as políticas de mobilidade urbana, a melhoria da saúde e da educação em todos os níveis, e não apenas as políticas de renda.

Passa, também, pelo questionamento incisivo da lógica dos “campeões nacionais”. No futuro, episódios como o da Marfrig serão simbólicos desses tempos de lambança, como foram, no passado recente, episódios como o do Opportunity e do modelo da privatização. O centro de toda política pública deve ser o pequeno, do excluído à pequena e micro empresa. A própria modernização econômica e o aumento da competitividade e do dinamismo da economia dependem da criação de condições isonômicas para o fortalecimento do pequeno. É no fortalecimento das redes de pequenas empresas, das organizações sociais, dos fornecedores das grandes cadeias produtivas, dos direitos sociais, das políticas inclusivas que reside a modernização definitiva do país. São esses movimentos civilizatórios que inibem a selvageria e a falta de visão de futuro.

O trabalho de André servirá para civilizar a oposição, tirando-a do lodaçal a que foi jogada pelo padrão Serra. E, espera-se, que ajude a despertar a auto-crítica, ainda que tardia, da velha mídia. Mas, principalmente, é um passo relevante na busca de consensos que transcendam os partidos políticos e as disputas eleitorais.

Luis Nassif

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