Gilberto Maringoni
Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.
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Arcabouço e BC Independente: faces da mesma moeda, por Gilberto Maringoni

O presidente Lula fez importantes discursos na cúpula do G-7, em Hiroshima. Em um deles é certeiro sobre os danos do neoliberalismo

Ricardo Stuckert

Arcabouço e BC Independente: faces da mesma moeda

por Gilberto Maringoni

1. O ARCABOUÇO FISCAL não representa uma contraposição ao Banco Central independente, mas seu complemento lógico e dá continuidade à dinâmica neoliberal em nossa economia. As políticas de privatização, empreendidas no Brasil a partir dos anos 1990, tinham dois objetivos essenciais.

2. O PRIMEIRO ERA ARRECADAR divisas extras para o Estado cumprir os crescentes compromissos do pagamento de juros da dívida pública e o segundo, retirar do poder público a capacidade decisória sobre políticas de infraestrutura – transportes, comunicações, energia etc. Ou seja, tirar o desenvolvimento da agenda nacional. O pretexto é que as decisões nessa área deveriam ser “técnicas” e os investimentos seriam melhor alocados pela iniciativa privada, garantindo assim eficiência, competitividade e preços baixos.

3. FALTAVA UMA PARTE ESSENCIAL nos processos de privatização: a alienação das próprias decisões do Estado – na verdade do poder eleito – na área econômica. A política monetária, por exemplo, por ser área “eminentemente técnica” necessitava ser afastada do jogo político, que envolveria interesses eleitoreiros e “populistas” (a palavra mágica para desqualificar tudo que atendesse a interesses de quem legitima o poder eleito, o povo).

4. ASSIM, OS PREÇOS ESSENCIAIS da economia, o preço do dinheiro, ou a taxa de juros, e o câmbio, a relação primeira do país com o mundo, foram alardeados como questões “técnicas”, ou seja, não-políticas. Quando se fala em decisões “técnicas”, busca-se convencer a opinião pública que há decisões de Estado que não podem ser tomadas por leigos – a amplíssima maioria da população que vota -, mas por uma confraria de seres pretensamente iluminados, que estudaram ciências complexas e que, de cabeça fria e serenamente – ou “tecnicamente” – decidiriam a taxa de juros (o crédito e a intensidade da atividade econômica) e o valor do dólar. Abstrai-se que os dois fatores, de acordo com os patamares fixados, favorecem ou desfavorecem setores da sociedade.

5. SOB ESSA ÓTICA, CÂMBIO E JUROS não devem ser debatidos amplamente, como a prisão do Lula, as jóias de Bolsonaro, a cassação de Dallagnol ou os possíveis crimes de Sérgio Moro. Estariam num patamar mais elevado do espírito humano.

6. QUANDO A BLINDAGEM DO BC para o debate e para a pressão social se soma a construção de uma trava para o investimento público – como o teto de gastos ou o arcabouço fiscal – o que se faz é afastar do poder eleito a possibilidade de fazer projetos de desenvolvimento, políticas industriais, melhoria de serviços públicos, ampliação do mercado interno via proteção ao mundo do trabalho etc.

7. E QUANDO SE AGREGA À TRAVA FISCAL limites de 0,6% a 2,5% e de 70% ou 50% de qualquer coisa nos patamares do gasto público, sem explicação alguma para tais números, na verdade se dá um banho de loja “técnico” a decisões políticas. E atende-se, assim, a reclamos do capital privado para que a arrecadação dos impostos e a riqueza coletiva sejam direcionados para objetivos também “técnicos”, como relação dívida/PIB, ou realização de superávits primários, coisa que em si seriam virtuosas para a economia.

8. NENHUM EMPRESÁRIO PRODUTIVO decide a montagem de uma fábrica, uma loja ou uma fazenda olhando para a relação dívida/PIB ou o percentual de superávit primário. Empresário produtivo quer saber se seu produto vai vender ou não. Ou seja, se há crédito e demanda na sociedade. Quem olha para as variáveis de dívida ou superávit é especulador em busca de dinheiro fácil.

9. O ARCABOUÇO FISCAL É ESSENCIAL para – ao fim e ao cabo – viabilizar o encolhimento da capacidade de investimento estatal e induzir a oferta de serviços públicos via parcerias público privadas. Nisso, potencializa a política de juros altos do BC independente, que também solapa o investimento público. São gêmeos siameses, inseparáveis. Não adianta o governo atacar os juros altos se constrói um mecanismo que bloqueia não apenas o investimento, mas a capacidade do Estado fazer políticas públicas para além de medidas fragmentadas (embora muitas vezes importantes individualmente) e incapazes de alterar a lógica financista das prioridades de política econômica.

10. O PRÓPRIO RITO SUMÁRIO aprovado para a tramitação do projeto de lei do arcabouço fiscal no Congresso complementa essa dinâmica. Ele visa impedir qualquer debate amplo. Não é à toa que o ministro da Fazenda discutiu suas bases com a Faria Lima, com o mundo das finanças e com o presidente do BC, mas não com movimentos ou organizações sociais. A tramitação do arcabouço nega um dos pilares das políticas públicas petistas dos anos 1990, que era o orçamento participativo. O arcabouço é o orçamento não-participativo.

11. O ARCABOUÇO NÃO PODE SER EXPOSTO à luz do debate público. Tem de ser votado rapidamente, sem muita conversa e sem emendas por ser algo “técnico”. Tão técnico quanto a distribuição de renda, a desigualdade social e os rumos futuros de nosso país.

12. O PRESIDENTE LULA fez três importantes discursos na cúpula do G-7, em Hiroshima, neste final de semana. Em um deles é certeiro sobre os danos do neoliberalismo. Em determinado trecho, ele afirma:

13. “O sistema financeiro global tem que estar a serviço da produção, do trabalho e do emprego. Só teremos um crescimento sustentável de verdade direcionando esforços e recursos em prol da economia real”.

14. “O endividamento externo de muitos países, que vitimou o Brasil no passado e hoje assola a Argentina, é causa de desigualdade gritante e crescente, e requer do Fundo Monetário Internacional um tratamento que considere as consequências sociais das políticas de ajuste”.

15. “Desemprego, pobreza, fome, degradação ambiental, pandemias e todas as formas de desigualdade e discriminação são problemas que demandam respostas socialmente responsáveis”.

16. “Essa tarefa só é possível com um Estado indutor de políticas públicas voltadas para a garantia de direitos fundamentais e do bem-estar coletivo. Um Estado que fomente a transição ecológica e energética, a indústria e a infraestrutura verdes”.

17. O MINISTRO DA FAZENDA deveria ler e reler essa brilhante intervenção presidencial e discuti-la com sua equipe.

Gilberto Maringoni

Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.

3 Comentários

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  1. Este artigo mistura alhos com bugalhos e traz algumas afirmações falsas. A lógica dos percentuais de aumento de gastos foi explicada. 1) 0,6% permite que o crescimento dos gastos não fique abaixo da taxa de crescimento da população, ou seja, na pior das hipóteses o gasto per capita não cai, ao contrário do teto Temernaro. 2) 2,5% é a estimativa de crescimento médio do PIB no médio prazo. É uma garantia aos credores de que o gasto não crescerá mais que o PIB se houver aumento maior na receita. 3) o empresário olha a relação dívida/PIB, porém de forma indireta e arisca. Quando existe insegurança dos credores sobre a dívida pública os juros aumentam e com eles aumenta o custo de oportunidade dos empresários. Quando este supera o retorno dos projetos, preferem investir em títulos e não em novos negócios ou ampliação dos existentes. A esquerda precisa parar de falar de orelhada sobre assuntos que não domina. Se os temas da economia não são apenas técnicos e apolíticos, não se pode pensar em definir juros, câmbio e financiamento da dívida por apelos democráticos mas não esclarecidos.

    1. 1) Com 0,6 ou 2,5% a crítica é que essa palhaçada limita o nível necessário de investimento público que a economia precisa para reagir.
      2) Os juros aumentam pela caneta do BC e fim de papo, como eles mesmos afirmam : “pelas impressões dos diretores”.
      3) Deixa de conversa fiada!

    2. 1) Com 0,6 ou 2,5%, o fato é que essa coisa impede o governo de investir em nível necessário para que a economia do país reaja.
      2) O que eleva a selic é a caneta do BC, baseado em expectativas de inflação criadas por eles de acordo como eles mesmos dizem “com suas impressões”.
      3) Técnicos e apolíticos?! Muito engraçado!

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