Artigos acadêmicos estão para a Ciência, assim como sambas-enredo estão para o Samba, por Cesar Monatti

Academia e Samba

Artigos acadêmicos estão para a Ciência, assim como sambas-enredo estão para o Samba

por Cesar Monatti

Um desassombrado artigo da Professora Vera Maria Jacob de Fradera, publicado nesse final de ano, desvela um tema acadêmico complexo e de consequências graves sobre a pesquisa e o ensino universitário no país.

A professora aponta alguns aspectos que, segundo sua reflexão baseada em experiência própria na constituição e coordenação de um programa de pós-graduação em Direito, podem ser considerados como motivadores de uma perigosa tendência de piora da qualidade em cursos daquele nível.

Os destaques feitos pela professora são a falta de alternância no poder nas comissões coordenadoras de pós-graduação; desrespeito ao espírito republicano; produção em massa, logo, sem qualidade e, ademais, terceirizada e o critério de escolha do corpo docente da pós-graduação stricto sensu.

Com a devida vênia da iminente professora, um leigo que mantém apreço pelo assunto do conhecimento, sua construção e difusão, pode se permitir verter para uma linguagem menos precisa tecnicamente e menos elevada corporativamente as razões que fazem com que ela acredite na insustentabilidade de uma situação que requer uma reforma na pós-graduação “de modo a devolver a alguns dos Programas outrora existentes no Brasil, o seu antigo brilho, deixando para trás essa era de obscurantismo e falso saber”.

Em resumo, as coordenações de pós-graduação vêm se tornando o habitat de um mesmo grupo de docentes que se revezam nos cargos há décadas; só avançam na carreira e têm acesso às oportunidades de aperfeiçoamento no exterior os participantes da “panelinha” e apaniguados das coordenações; não existe concurso para docentes de pós-graduação e há uma opressiva prevalência do clima do “publicar ou morrer” (“publish or perish”).

E é este último aspecto que chama a atenção do leigo que além de apreciar o conhecimento é um admirador do samba e do carnaval.

Assim como os artigos acadêmicos são registrados com inúmeros autores – “…professores… acabam por utilizar-se da produção intelectual de alunos, seja da graduação, seja da pós, em nada importando tratar-se de meros papers, de TCCs…” – também o são os sambas-enredo das grandes escolas de samba país afora.

No caso do Rio de Janeiro, alguns compositores estimam que de uma parceria com cinco integrantes, só dois ou três efetivamente compõem o samba. Os demais “parceiros” dão apoio financeiro e logístico durante a “campanha” para escolha anual do samba-enredo que vai para a Passarela, isto é, entram apenas com os nomes por simples vaidade ou outro tipo de interesses pouco artísticos.

Uma breve pesquisa em mecanismos de busca na internet revelará que grande parte dos artigos acadêmicos tem cerca de quatro autores, bem como os sambas-enredo das últimas décadas, com frequência são assinados por cinco parceiros. Se no primeiro caso, o “nome” propriamente dito e o respectivo poder institucional é o que aportam os autores que pouco escrevem no paper, no segundo o insumo é o dinheiro para arregimentar torcida, alugar ônibus e bancar a produção musical.

Nesta marcha, tanto os artigos acadêmicos estão se distanciando daquilo que é aceito e respeitado socialmente como ciência, quanto os sambas-enredo estão se afastando e desviando do que é entendido e amado como samba no Brasil.

Redação

16 Comentários

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  1. Redução e generalizações deploráveis

    Estas cŕiticas reducionistas, usando alguns chavões me parecem deploráveis, pois num país, onde se tenta destruir a academia, e a produção científica este grau de generalização e falsa criticidade  do tipo caceta e planeta, é um desserviço. O palavreado do crítico indica que ele não conseguiria compreender jamais que o artigo da descoberta do Boson de Higgs tem das 38 paginas 14 paginas listando os autores do trabalho: https://arxiv.org/pdf/1207.7214.pdf

    Não me foi possível contar o número de autores, mas me parece que todos contribuiram de forma significativa para a ciência.

    Portanto não é o número de autores, o que desmerece o trabalho científico. Aliás o trabalho conjunto deveria ser estimulado, afinal a ciência é um empreendimento de grupos e de uma comunidade científica.

    Se o autor tem críticas específicas a uma área, espero que a área saia em sua própria defesa, afinal, não tenho procuração para defender todas as áreas. Mas me incomoda esta generalização e a utilização de argumentos que podem ser apenas falaciosos,e que excitam apenas os mais baixos instintos.  As comunidades acadêmicas e científicas são muitas, e são muitas as formas de se fazer ciência. Elas são feitas por seres humanos, e obviamente isto nos leva a possibilidade  de falhas e erros, personalismos, oportunismos, e outros ismos. Bourdier já escreveu muito sobre o Capital simbólico e os poderes simbólicos  Mas se a crítica é bem vinda ela deve ser bem mais profundo do que isto. Me parece  que há uma retórica repetitiva em  moda nos dias de hoje: onde palavras como

    alternância no poder

    produção em massa, desqualificada. terceirizada

    e desrespeito ao espírito republicano

    São termos muito usados para desconstruir e esconder  a realidade.

     

    Estes são os termos midiáticos, do mesmo tipo usado nesta destruição do país, onde em nome da luta contra a corrupção,  transformaram a petrobrás apenas num problema, exatamente no período em que descobre o pré sal e a tecnologia para perfuração em águas profundas, que permite extrair um barril a 9 doláres. Isto não aparece para a grande imprensa. E isto também tem  a ver com a academia e a pesquisa científica e tecnológica.

    Poderia ficar aqui citando os avanços que tivemos em bio tecnologia, na informática, na otica quântica e na agronomia, na ecologia e em tantos outros campos do conhecimento.

    Mas na crítica generalizante e na comparação da ciência com a composição de samba enrêdo, o autor desrespeita a realidade dos dois lados. Acho que  o carnaval brasileiro criou seu espaço e tem sua realidade assim como a comunidade científica. Tem também suas mazelas, afinal são comunidades feitas apenas de seres humanos. Mas assim como continuamos tendo sambas enrêdo líndissimos e de alta qualidade, também temos conhecimento acadêmico de alta qualidade. 

  2. Nossinhora! Viraram o FBI!!!

    “Em resumo, as coordenações de pós-graduação vêm se tornando o habitat de um mesmo grupo de docentes que se revezam nos cargos há décadas; só avançam na carreira e têm acesso às oportunidades de aperfeiçoamento no exterior os participantes da “panelinha” e apaniguados das coordenações”…

  3. É isso aí, Frederico

    Fiquei surpreso com esse post cuja profundidade conseguiu ser mais rasa do que aquela possível em um pires; ainda que cheio d’água.

    Não sei o quanto Cesar Monatti tem familiaridade com a investigação científica e o seu processo de divulgação de resultados por intermédio “desses artigos acadêmicos”, tratados por ele de forma tão depreciativa.

    Monatti afirma ser leigo. Parece, portanto, antenado e em dia com os novos tempos onde qualquer um pode emitir opiniões com a mesma “legitimidade” de quem estudou um assunto durante toda uma vida.  Como se, porventura, o desenvolvimento científico fosse apenas uma questão de “opinião”.

    Ah… eu não acho que o aquecimento global seja real… Ah… eu acho que é coisa típica do globalismo marxista… Eu também acho que a Terra é plana e que em suas extremidades existem enormes cachoeiras nas quais a água, antes de cair, se transforma em vapor que vai alimentar as núvens… Ah… eu também acho que…

    Em tempo, Frederico, você está coberto de razão ao dizer que há sambas-enredo de altíssima qualidade assim como os há aqueles que apenas conseguem ser mais do mesmo. 

    Afe!

  4. Re: Redução e generalizações deploráveis

    Prezado Frederico,

    Pelo teor do comentário, me parece que não tiveste oportunidade de ler o artigo original citado e cujo linque está destacado na 3ª palavra do post.

    Sendo assim, por muito menos importância relativa esperaria que tivesses a atenção – como tive antes de escrever esta resposta – de verificar as publicações anteriores do mesmo autor deste post, aqui mesmo no GGN e buscar um entendimento da postura e das ideias difundidas. Aliás, apenas por notável, destaco a significativa coincidência do tema abordado – o protofascismo, o fascismo eterno ou ur-fascismo, conforme referido por U. Eco – entre os dois colaboradores do portal, Frederico e Cesar.

    Infelizmente, chegamos a um tempo umbroso em que é preciso explicar a ironia, a sátira, a paródia.

    Por óbvio a crítica não pretendeu ser generalizante, muito pelo contrário. O título chamativo tem a mesma intenção do texto em si: tentar aumentar a repercussão de um artigo de uma autora respeitável e combativa de um determinado curso de pós-graduação que, de outra forma, ficaria confinado ao público especializado de um site especializado.

    A blague com a analogia entre artigos acadêmicos e sambas-enredo contemporâneos, por sua vez, tem o objetivo de destacar nas duas atividades o que destacaste na tua réplica: “…são feitas por seres humanos, e obviamente isto nos leva a possibilidade  de falhas e erros, personalismos, oportunismos, e outros ismos.”

    As palavras alternância no poder; produção em massa, desqualificada. terceirizada; e desrespeito ao espírito republicano são uma citação literal do artigo original e, lamento profundamente, em vez de serem uma “retórica repetitiva” são, de fato, a descrição daquilo que se repete em tantíssimas instituições nos dias de hoje, aí sim, como “moda”, a “moda” de “levar vantagem” pessoal.

    De todo modo, me sinto levado a pedir perdão por ter sido capaz de gerar pelo que foi escrito uma interpretação tão distante daquela que se buscava quanto ao tema comum a vários cursos de pós-graduação país afora, evidentemente, ressalvadas todas as outras posturas distintas adotadas por cientistas e acadêmicos brasileiros.

    Foram justamente meu imenso respeito e apreço pelo samba e pelos sambistas de raiz, bem como pelo conhecimento científico e pelos acadêmicos comprometidos com a pesquisa e a docência que inspiraram o sarcasmo do título, que infelizmente, não foi suficientemente evidente para que o percebesses.

    Peço escusas também para te questionar se, de fato, acreditas que um post como este, limitado pela forma de leitura de um portal de internet, teria capacidade de de fazer uma “…crítica … bem vinda… [que] deve ser bem mais profundo do que isto”.

    Esta, prezado Frederico, foi feita no artigo original que, reitero, tive a impressão de que não leste, mesmo tendo o linque à disposição na abertura do texto.

    Saudações gegeenianas.

    1. Prezado Cesar

      Dando crédito às tuas palavras de que a crítica efetuada não pretendeu ser generalizante, só posso então concluir que o resultado alcançado foi o oposto do pretendido.

      E, admito, não li o artigo original.

      Lamento se fui por demais incisivo em meu comentário de apoio ao Frederico. Contundência provocada pelo o que eu tinha acabado de ler.

      1. « Quidquid recipitur ad modum recipientis recipitur »

        Sem problemas, Galileo. O debate é sempre bem-vindo.

        Aquele que se expressa por palavras faladas ou escritas precisa ter em conta o princípio tomista de que elas serão recebidas, isto é, interpretadas à maneira de quem as ouve ou lê.

        Neste sentido, recebo a crítica com satisfação e serenidade. Entretanto, sustentarei a exposição do post por conta de seu principal objetivo, a tentativa de ampliar a divulgação do artigo da Professora Vera Maria Jacob de Fradera.

        Saudações.

         

        PS.: por oportuno, sou leigo na área da professora, no entanto, penso, não posso alegar a condição da laicidade para justificar eventuais erros de análise e avaliação sobre a produção de trabalhos acadêmicos, haja vista que disponho de dois títulos ao nível de pós-graduação, uma especialização e um mestrado strictu sensu.

        1. Prezado Cézar

          Quero me desculpar se fui um tanto enfático demais,  e vou lhe confessar que de fato não consegui acessar o artigo inteiro da autora.  Mas tentei acessar , mas só cheguei ao link e ao título. E  me chamou atenção no link, a pergunta:  onde ela se referia especificamente a pos graduação em Direito, e não à academia em geral.  Acreditando na boa fé da autora, e sem conhecer em profundidade  a  crítica que ela fez à área, foi o seu post generalizando para todo o trabalho acadêmico que gerou a minha crítica. A redução e generalização presente no seu post me deixou um tanto chateado, e   isto talvez tenha gerado a tom enfático da minha resposta.  Não me posicionei em momento algum com relação ao artigo da autora, mas sim ao seu post. E a sobretudo a utilização de certos  termos que ganharam o senso comum , e que a meu ver perderam a criticidade,   mas servem para jogar toda uma atividade na vala comum. Como disse em minha resposta a crítica específica, que a autora fez para a área do Direito deve ser respondida pelas pessoas de sua área.

          Veja Cezar que dediquei minha vida profissional à pesquisa e academia,  e  nela conheci o que há de melhor e também muitas coisas ruins, mas é tudo isto que me leva a apostar  no ethos acadêmico e na pesquisa científica. O ser humano é complicado, mas é nele que eu aposto tambem.

          Por favor não leve para o lado pessoal, pois com certeza eu também já escrevi muitas coisas  que depois de escritas  tiveram interpretação distinta da minha e também da minha intenção.

          Um abraço e que continuemos, debatendo aqui no GGN.

           

           

          1. Valeu, Frederico!

            Vou tentar me informar se é possível transcrever o artigo original aqui no GGN, pois o site em que foi publicado, de fato, requer um cadastro simples de nome e email que permite o acesso a dez artigos mas, para além disso, exige uma assinatura.

            Entendi tua chateação e sou capaz de dizer que já senti algo semelhante quando li críticas às empresas estatais quando nelas atuava.

            Umas das nossas grandes dificuldades em lutar por elas à época da primeira fase da sanha privatista neoliberal – muito bem detalhada pelo memorável trabalho de Aloisio Biondi, iniciado com a publicação do livro ” O Brasil Privatizado” – era também teórica, pois defendíamos uma estatal ideal, na qual os nichos de excelência existentes nelas fossem emulados por toda a instituição.

            Mutatis mutandis, a universidade que defendes também é aquela idealizada por todos que reconhecemos e admiramos suas áreas de excelência.

            Entretanto, lamento reiterar, que mesmo que restrinjamos as generalizações, os descaminhos apontados no artigo da Professora Fradera para um programa de pós-graduação específico estão sendo traçados por inúmeros outros, das mais variadas áreas de conhecimento, como se pode recolher em análises críticas de entidades de representação das categorias profissionais envolvidas, dos estudantes e de egressos de cursos de pós-graduação.

            Podes estar seguro que, em absoluto, entendi tua crítica como pessoal e ratifico que a recebi com satisfação e serenidade.

            Sigamos por perto, pensando e compartilhando ideias e ideais sobre temas de interesse do país e dos leitores do GGN. O debate nos ilumina mutuamente.

            Um forte abraço.

             

  5. Eu já estou acostumado a esse
    Eu já estou acostumado a esse tipo de crítica, mas quando li “produção em massa, logo de baixa qualidade… ” Desisti de ter bons olhos para esse texto. Esse suposto clã de privilegiados responde por 90% da produção intelectual de alcance nacional e internacional. Mas claro, o problema é quem produz e não aqueles docentes que nem em PPGs estão.

  6. Faltou a palavra “alguns” (ou “muitos”)

    Faltou a palavra “alguns” (ou “muitos”) antes de “Artigos acadêmicos” e antes de “sambas-enredo”, mas é compreensível. O título ficaria muito extenso e chamaria menos a atenção.

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