Bancos Públicos Comprometem a Potência da Política Monetária?, por Andre de Melo Modenesi e Nikolas Passos

O impacto da política monetária sobre a inflação também é mediado pelos custos de produção, particularmente o custo financeiro

Bancos Públicos Comprometem a Potência da Política Monetária?

por Andre de Melo Modenesi e Nikolas Passos[1]

É difundida a crença de que a elevada presença de bancos públicos reduz a potência (ou eficácia) da política monetária, definida como a sensibilidade da inflação à taxa SELIC. Esta hipótese foi lançada por Arida em 2005 e passou a ser usada como argumento contrário à existência de bancos públicos e, notadamente, contrário à atuação do BNDES. A extinção da TJLP se fundamentou nessa hipótese. A perda da participação do BNDES no financiamento do investimento idem.

O único estudo empírico sobre o tema, realizado por Bonomo e Martins[2], usa dados microeconômicos de firmas brasileiras. Eles mostram que as empresas com acesso ao crédito público, em resposta a uma elevação da Selic, reduzem menos a produção do que as empresas sem acesso ao crédito público. Daí eles simplesmente concluem que a política monetária se torna menos eficaz devido crédito público. Implícita está a ideia de que os juros dos empréstimos públicos são menos correlacionados com a Selic, o que a tornaria menos potente no combate à inflação.

No entanto, a potência da política monetária é um fenômeno de natureza genuinamente macroeconômica. Não se trata de uma questão microeconômica que pode ser mensurada ao nível de firmas individuais. A mera extrapolação de um argumento microeconômico para o nível macroeconômico é falaciosa. A macroeconomia tem lógica própria que não se reduz ao somatório das lógicas individuais. Trata-se de erro clássico de falácia da composição.

A transmissão de elevações da SELIC para a inflação usualmente é descrita de forma linear e, fundamentalmente, intermediada pela demanda agregada. No entanto, o impacto da política monetária sobre a inflação também é mediado pelos custos de produção, particularmente o custo financeiro (especialmente a taxa de juros do crédito rotativo ou do capital de giro). Se os custos se elevam em resposta a um aumento da SELIC, uma queda da demanda agregada não necessariamente se traduz em redução da inflação.

A relevância dos custos financeiros na formação dos preços está na base da explicação daquilo que ficou conhecido na literatura empírica como enigma dos preços (price puzzle). Em resposta a uma elevação dos juros, os preços inicialmente se elevam, devido ao repasse do incremento dos custos financeiros; e, somente em um momento posterior, a inflação cede, em resposta ao desaquecimento econômico.

Com base em um modelo de projeção local dependente de estado, testamos a hipótese de que os bancos públicos comprometem a potência da política monetária.[3] Usamos dados mensais da economia brasileira, entre os anos de 2000 e 2018. É uma amostra grande, o que torna mais confiável nossas estimativas.

Os resultados mostram que a potência da política monetária depende do estado de crédito da economia. Períodos de alto crédito agregado (i.e., considerando-se os bancos públicos e privados em conjunto) apresentam enigmas de preços mais proeminentes e o PIB se retrai mais do que nos momentos de baixo crédito. Essa evidência é corroborada pela literatura internacional.

A novidade de nosso trabalho reside no fato de que investigamos o efeito dos bancos públicos na potência da política monetária de forma agregada. Os resultados são bastante robustos e contrariam a hipótese de que o crédito público diminui a potência da política monetária.

Nossos resultados são sumariados na tabela 1, a saber: 1) os períodos de alto crédito dos bancos públicos apresentam enigma dos preços menor e menos persistente. Isto é, a potência da política monetária é maior; e 2) Durante os períodos de alto crédito dos bancos públicos o controle da inflação está associado a uma menor queda do PIB. Ou seja, a taxa de sacrifício da política monetária é menor nos períodos em que os bancos públicos são mais atuantes do que nos períodos de alto crédito dos bancos privados. Dito de outra forma, o efeito (baixista sobre a inflação) acumulado de uma alta da SELIC é mais intenso nos momentos de alto crédito dos bancos públicos. Além disso, a queda acumulada do PIB, resultante da elevação da SELIC, é menor quando os bancos públicos emprestam mais.

Tabela 1 –Síntese dos Resultados

  Alto Crédito
Banco Público Privado
Inflação Enigma dos preços Inicial/não persistente Enigma dos preços Persistente
PIB Queda média Queda alta

 

Em suma, a hipótese de que os bancos públicos diminuem a potência da política monetária não é corroborada pela evidência empírica. Antes pelo contrário, os bancos públicos não só tornam a política monetária mais eficaz, como também, reduzem o custo do combate à inflação.

[1] Respectivamente, Professor Associado ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Pesquisador do CNPq; e doutorando na Faculty of Political and Social Sciences, Scuola Normale Superiore, Italia.

[2] Bonomo, M.; Martins. (2016), “The impact of government-driven loans in the monetary transmission mechanism: what can we learn from firm-level data?” Working Paper Brazilian Central Bank, no 419.

[3] Passos, N.; Modenesi, A.M. “Do public banks reduce monetary policy power? Evidence from Brazil based on state dependent local projections (2000-2018)”. International Review of Applied Economics (no prelo).

Redação

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