BM critica sistema de licenciamento brasileiro

Os processos de licenciamento ambiental estão entre os principais responsáveis pelo retardamento da expansão do setor de energia elétrica, aponta Banco Mundial (BM). O déficit de funcionários nos órgãos reguladores, morosidade das ações e falta de estudos para a realização de bons projetos somam-se como gargalos comuns em todos os empreendimentos de infra-estrutura do país.

O relatório produzido pela instituição financeira ressalta que os custos decorrentes dos licenciamentos representam 12% do total gasto em obras de hidrelétricas no Brasil – excluindo o licenciamento ambiental, os custos gerados pela incerteza regulatória e contratual representam cerca de 7,5% do valor total.

A Política Nacional do Meio Ambiente exige que todas as atividades potencialmente poluidoras tenham licenciamento ambiental. Mas aMas antes de requerer a documentação, o empreendedor – seja do setor sanitário, energético ou de infra-estrutura – deve realizar um Estudo de Impactos Ambientais (EIA) junto com um Relatório de Impactos Ambientais (RIMA).

O processo de licitação ocorre em três etapas, formato aprovado em 2007 pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e que consiste nas seguintes fases:

Licença Prévia (LP) – concedida para validar o projeto em si (atesta a viabilidade ambiental da obra ou atividade e estabelece os requisitos básicos a serem atendidos na segunda fase). Tem prazo máximo de 5 anos;
Licença de Instalação (LI) – autoriza a instalação do empreendimento ou atividade, incluindo medidas de controle ambiental – é um trabalho mais técnico que analisa a engenharia da obra.
Licença de Operação (LO) – autoriza a operação após constatar o cumprimento das exigências realizadas nas licenças anteriores. A LO deve ser renovada em prazos que variam de 4 a 10 anos, estabelecidos pelo órgão ambiental competente (ou seja, de âmbito nacional ou estadual).

O BM critica o fato do Brasil manter o sistema trifásico de licenciamento que estaria contribuindo para gerar conflitos, aumentar o grau de incerteza dos investidores, além de atrasos e super-valorização das obras.

Na opinião do ex-secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo e professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, José Goldemberg, não seria uma boa ideia substituir o sistema atual por uma única fase. Na melhor das hipóteses, o processo deveria ser dividido em dois, sendo mantida a LP. “Não faz sentido o empreendedor trabalhar em cima de um projeto complexo de engenharia, de alto custo, para correr o risco de não ser aceito apenas porque o local da obra não foi aprovado – situação que é vista na primeira licença”, explica.

Pela análise do BM a maioria dos problemas associados ao licenciamento ambiental no Brasil ocorre na primeira fase (LP). As dificuldades incluem a falta de planejamento adequado por parte de agentes governamentais, pouca clareza dos atores responsáveis pela emissão das licenças (se do governo federal ou estadual), atrasos na emissão dos termos de referência (TdRs) para o estudo de impacto ambiental (EIA), e má qualidade dos EIAs por parte dos empreendedores.

Quadro do tempo de espera



Fonte: Banco Mundial/2008

Quadro de funcionários

Goldemberg acrescenta que o quadro técnico de funcionários para atender a demanda contribui para o atraso da devolução dos projetos, apesar do número de contratados ter aumentado significativamente nos últimos anos.

Em 2002, Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), que responde pelas licenças dadas em âmbito nacional, tinha cerca de 76 funcionários na Diretoria de Licenciamento Ambiental. Desde aquele ano o governo vem promovendo novas contratações – segundo a assessoria do Ibama, atualmente são 212 analistas técnicos, incluindo efetivados, contratados pelo Pnud/ONU e temporários concursados.




O professor ressalta que os técnicos responsáveis pela aprovação das licenças trabalham sob pressão do Ministério Público (MP). “De acordo com a lei, se o técnico concede um parecer incorreto, o MP irá responsabilizá-lo pelo licenciamento, ou seja, o técnico responde individualmente e não o órgão licenciador”.

Atraso dos inventários

O Brasil carece de investimentos em estudos de inventários e expansão da infra-estrutura na maior parte das áreas estratégicas do desenvolvimento. O setor de energia é emblemático nesse sentido. Em 2004 o governo criou a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) voltada para a preparação de projetos na área – o BM entende que a instituição deve melhorar sua capacidade de planejamento e preparação de projetos.

“Os estudos de inventários do setor energético são fundamentais, mas falta muito para concluir propostas em âmbito nacional pois ficamos muito tempo sem investimentos”, destaca Goldemberg. O professor afirma que os estudos estão em atraso a exemplo da época em que foi decidia a construção de Santo Antônio, em 2002 – usina que está sendo instalada no Rio Madeira, Amazônia, há cerca de 2.500 quilômetros de São Paulo.

O objetivo é que o empreendimento tenha potencial instalado de 3.150 megawatts, mas sua localização resultará em gastos enormes em linhas de transmissão se for atender o Sudeste, maior região consumidora do país. Segundo Goldemberg existem outros rios no Brasil com aproveitamento energético próximo ao Sudeste que não foram considerados nos projetos federais por falta de inventários das demais bacias hidrográficas.

Necessidade do licenciamento

Em e 1988 o governo federal inaugurou a hidrelétrica de Balbina, no Rio Uatumã, Amazônia, ignorando o parecer de cientistas em relação à viabilidade do projeto – o Uatumã é pequeno, tem pouca água e localizado em uma região de relevo quase plano.

O potencial da usina é de 250 megawatts e sua represa é de 2.300 quilômetros – para se ter ideia, a hidrelétrica de Tucuruí, também na Amazônia, tem um reservatório da mesma proporção com produção de 4.240 megawatts. Como se não bastasse o desastre técnico, em 2007, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) publicou um estudo apontando que o índice de emissão de gases de efeito-estufa de Balbina é dez vezes maior que o de uma termelétrica a carvão – chega a liberar 3 toneladas de carbono por megawatt-hora, enquanto numa térmica o índice é de 0,3 tonelada de carbono por megawatt-hora.

Impactos ambientais são consequências de qualquer ação humana, logo, os empreendimentos devem se valer da aplicação de tecnologias eficientes para reduzirem perdas dos recursos naturais nas obras de grande porte. O Banco Mundial reconhece, em todos os casos analisados para concluir o relatório, que os processos de licenciamentos foram fundamentais para manter e até melhorar a qualidade ambiental do projeto. O mecanismo de engenharia chamado de fio d’água, por exemplo, está sendo utilizado em todas as usinas hoje em construção no país – os reservatórios de água são menores, demandando menos área, e as turbinas são do tipo Bulbo com tecnologia para aproveitar melhor o potencial hídrico.

Para acessar o relatório do Banco Mundial na íntegra, clique aqui.

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador