Chapeuzinho Vermelho, o google, e eu, por Gustavo Gollo

 

por Gustavo Gollo

Escritores desconhecidos sofrem certos percalços, são julgados com olhos mais, digamos, inseguros que escritores consagrados; a ousadia admirada em um, será vista com desconfiança em outro. Mas quase todos começam desconhecidos, sendo natural passar pelos mesmos percalços.

Eventualmente, algum de nossos textos cai nas graças do público, o nome do autor começa a ser repetido e ele se torna um escritor consagrado.

Costumo publicar em um site, o Recanto das Letras; tenho muitos textos lá, bem variados. Ficções de todos os tipos e outros.

Um de meus primeiros textos, publicado no início de 2008, em especial, sempre recebeu destaque, uma história bobinha mas engraçada e com certos componentes eróticos. Trata-se de “A verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho”, clonada em vários locais. Essa história recebia um número crescente de leituras diárias e trazia leitores para minha página que, tendo gostado dessa, folheavam outras.

Eu acompanhava o número crescente de leituras diárias recebidas pelo site e em especial por esse texto até que um dia, repentinamente, a fonte secou! Foi como o fechamento de uma torneira, abrupto. Chapeuzinho não recebia mais leitores, enquanto o resto do site também ia secando, com o número de leitores se reduzindo a cada dia.

Fiquei perplexo com o ocorrido, sem entender o que poderia ter acontecido.

Tempos antes eu havia sofrido um golpe similar, por razões que eu suspeitava. Sou ateu, completamente descrente, embora meus livros sejam místicos. Isso acontece por uma razão simples, só escrevo quando baixa o santo. Não planejo o que escrever, sento e escrevo, e me surpreendo com as histórias que minhas mãos escrevem. Em vista disso, surpreendentemente, escrevi textos místicos, entre eles dois livros: O evangelho do Cristo redivivo, e O oitavo dia: anunciação; ambos com conotações religiosas, o que, suspeito fortemente, atraiu os crentes que me apoiaram. Ao descobrir-me ateu, suspeito, retiraram seu apoio. Talvez não tenha sido nada disso, mas o fenômeno já havia ocorrido antes e eu já tinha conseguido e perdido certo número de leitores anteriormente. A segunda ocorrência, no entanto, foi abrupta, radical e desestimulante.

Tem mais de um ano que o fato ocorreu, não lembro, exatamente, quando. E só agora descobri a razão do abandono. Foi o google!

Explicarei. Boa parte do mundo, hoje, gira em torno da rede. Concentrar a divulgação de qualquer coisa na internet parece quase sempre uma boa ideia, aqui é um dos melhores locais para se captar a atenção das pessoas. A divulgação de textos e livros deve estar ocorrendo mais por aqui que em outros locais. Meus textos têm sido divulgados apenas aqui, de modo que o google tem um papel extremamente relevante nisso.

Meses atrás, digitei “chapeuzinho vermelho” no google, em busca de meu texto que era uma das principais referências da expressão. Durante a busca encontrei alguns de meus clones, mas nada de encontrar o meu texto. Complementei a busca com o meu nome. O resultado foi uma profusão de outros textos meus, mas nada de encontrar “A verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho”. Digitei, então o título completo da história e meu nome, mas, nada! Nada! Fiquei perplexo. O google não conseguia encontrar meu texto!

Não era a primeira vez que isso acontecia, meu site pessoal já havia sofrido boicotes que eu supunha decorrentes de vieses políticos. Eu também tinha tido grande dificuldade de encontrar meu livro erótico à venda, mas ambas as desconfianças sugeriam soluções tópicas. Alguém teria entrado em meus sites e desativado algo (tendo me informado sobre esse tipo de coisa, suspeito, agora, ter, possivelmente, criado no site algo chamado “black hat” que faz com que ele não seja mostrado nas buscas do google). Procurando as razões para o sumiço da informação, descobri que a página deve ter sido denunciada e, em consequência, excluída das buscas do google.

A suspeita consolida umas preocupações que eu já tinha. O google tem um poder imenso e crescente. Atividades baseadas na internet podem ser destruídas com um único clique! Atividades políticas podem ser cerceadas. Diretrizes inovadoras podem ser abortadas. O poder do google é tão grande que ele pode destruir de imediato algo já consolidado. Com relação a direcionamentos inovadores o google é praticamente imprescindível.

Quando meu site foi excluído eu tinha umas 60 visitas diárias em Chapeuzinho, que traziam outras 60 para o restante de meus textos. Era uma condição incipiente mas consistente, vinha crescendo e eu sonhava com algum tipo de “explosão” que é o resultado natural de fenômenos que se retroalimentam. O site parecia estar sujeito ao crescimento exponencial típico de tais fenômenos. O número caiu a zero.

A queda abrupta teria ocorrido mesmo que o número de leituras estivesse bem próximo do ponto crítico da explosão (isso funciona como bombas atômicas, sujeito a reação em cadeia).

Aqui na internet, poder do google é imenso; aqui ele é quase um deus onipotente.

O google também é um juiz, mas um péssimo juiz.

Fiquei pensando em meu texto e em possíveis denúncias. O texto tem um erotismo leve, ao mesmo tempo que um apelo infantil, combinação explosiva. Suspeito ter sido ela a causadora do problema. Não sei que tipo de denúncia teria sido feita, mas a combinação infância/erotismo anda sob forte suspeição. A associação permitiria o soerguimento do rótulo “pedofilia” e a consequente demonização do texto. Como nos tempos da inquisição, certas acusações podem receber ecos inesperados. Assim, um juiz onipotente como o google pode se antecipar a qualquer problema e se livrar do problema pela raiz.

O acatamento da denúncia deve ter sido bastante sumário. A ligação entre dois conceitos não mescláveis pode constituir, sem mais, razão para a proibição. E a denúncia resulta na morte do escritor.

Não há uma lamentação pessoal nisso; parei de escrever ficção por essa época e a falta de leitores deve ter tido importância nessa “decisão”, ou melhor, nesse estímulo; a existência de leitores dá sentido à escrita.

Não sei como o google julga tais questões, talvez já o faça automaticamente, com base, apenas, em um algoritmo, em breve o fará. Talvez, no entanto, ainda use algum funcionário como auxiliar da decisão. Suspeito que ambos julgarão o caso da mesma maneira, percebendo, ambos, uma determinada conexão proibida e excluindo-a sumariamente, sem maiores pesares. A decisão deverá ser superficial.

Convém ressaltar que o escritor tem sua própria responsabilidade, tendo considerado, ele mesmo, em tais casos, a mesma dúvida que terá levado à denúncia. Certamente considerei, em outros tempos, a possibilidade de que minha história viesse a cair em mãos erradas, causando algum tipo de dano não intencional. Naquela ocasião, o risco me pareceu pequeno, hoje ainda menor. Penso que eventuais problemas dessa ordem só aconteceriam com quem estivesse sob uma tensão tão forte que inexoravelmente sucumbiria ao problema. Refiro-me á possibilidade do apelo a uma sexualização precoce indesejável. A internet está repleta com uma infinidade de apelos eróticos muito mais intensos e explícitos que minha história, o que fica evidenciado mesmo na digitação do próprio título de minha história, já tantas vezes clonado, de modo que a minha consiste em pequena gota em um mar.

Mas, parece ter havido uma denúncia, e o juiz não precisava justificar nada, julgou da maneira superficial que lhe pareceu evitar mais problemas (julgamentos superficiais são “melhores” para essa finalidade). Um algoritmo conectando duas palavras, ou impedindo sua conexão, é suficiente para isso.

E a caça às bruxas retorna de forma corriqueira e banal.

Mas tudo isso tem importância apenas para o escritor. Por que então não guarda suas lamúrias para si, parando de importunar os leitores com suas mazelas pessoais? Porque embora o exemplo seja irrelevante para o leitor, ele ilustra algo muito maior e realmente significativo: o controle do google sobre o mundo!

Não posso deixar de perceber a aparência paranoide da advertência acima, seu aparente exagero. Reitero, não há exagero nisso, o google tem uma influência gigantesca sobre o mundo, hoje, podendo controlá-lo, ou interferir nele, em um altíssimo grau, e minha história serve para ilustrar a intensidade desse fato.

Interferência política

A forma mais óbvia de controle consiste na interferência política e pode ser feita de inúmeras maneiras, a mais simples sendo dar destaque a notícias de uma cor retirando o realce das de outra cor. Pensei em comparar o resultado disso com dois jardins plantados cada um deles com uma flor, sendo apenas um adubado. A comparação é inadequada porque o jardim não adubado poderia florescer, mesmo assim. No caso das cores políticas, no entanto, é possível esmagar uma das cores logo no início, quando estão brotando. Tendo sido esmagadas desde cedo, adquirem a aparência de irrelevância que não teriam caso tivessem sido tratadas com equidade. O tratamento impede que um dia ganhem aspecto diferente da irrelevância. A possibilidade de eliminação de ideias nascentes é fortíssima, tendo uma influência estrondosa nos desenvolvimentos subsequentes.

Muitas outras possibilidades sutis se juntam a essa; pode-se direcionar os fluxos de informação, atrasá-los, confundi-los com distrações, entre inúmeras sutilezas dificilmente palpáveis, ou responsabilizáveis por consequência relevante.

O espectro de ferramentas e sua eficácia é grande a ponto de tornar desnecessárias as intervenções drásticas, como a censura.

Uma forma frequente e drástica de intervenção que sinto em momentos agudos é a dificultação de acesso a determinados sites. Tenta-se carregar determinada página e isso não acontece, dando mensagem de erro. Só com insistência conseguimos acessar a página. Esse atraso é suficiente para conter a explosão da notícia. Tem sido utilizado com frequência.

Uma forma “natural” de intervenção consiste em privilegiar o dinheiro. Nosso mundo se baseia em uma visão financeira, vemos o mundo através de lentes monetárias, nossa “neutralidade” é dada pelo dinheiro; admitimos com absoluta naturalidade o privilégio da visão do dinheiro. Assim, sites e notícias pagas recebem favorecimento, e ganham destaque. O processo se retroalimenta. Em vista dela mesma, essa situação completamente absurda parece hoje absolutamente natural para nós, inexorável. Não conseguimos ver o mundo fora desse jugo, parecendo natural e necessário que tudo receba o crivo e a aceitação dos poderosos.

Nas questões políticas significativas os poderosos se manifestam de maneira incisiva, atuando fortemente. Apenas as questões irrelevantes são deixadas de lado por eles; a interferência do poder em nossas vidas é corriqueira, constante.

O sucesso na internet costuma assumir a forma típica de uma informação que vai ganhando eco, sendo repetida aqui e ali, como uma reação em cadeia. A vista do crescimento tende a jogar mais lenha na fogueira alimentando ainda mais aquilo que já vem crescendo. Tendo atingido certo ponto crítico, torna-se difícil conter o processo, como é difícil conter um incêndio em uma floresta, ou como seria tentar conter uma bomba em meio a uma explosão. Embora seja difícil conter tais processos quando em andamento, assim como parar um trem embalado, o mesmo não acontece quando o desenvolvimento ainda mal começou. É nesse instante que o poder do google já se manifesta imenso, descontrolado e impositivo de uma moralidade monetária bastante duvidosa.

Deixo ao sisudo leitor do GGN minha versão da antiga fábula, ocultada previamente pelo google (tente encontrá-la em outro local para entender o que digo):

                                          

A verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho

     Lobão vinha reparando em Chapeuzinho vermelho havia certo tempo, já não era mais uma menina e estava ficando bem ajeitadinha; naquela manhã quase chuvosa, vestia uma capinha vermelha que lhe caía até as pernas nuas e graciosas, quando passou saltitando e cantando de uma maneira jovial e encantadora que obrigou o jovem a fitá-la com um olho muito comprido e puxar conversa:

     — Olá Chapeuzinho. Aonde vai assim bonita?

     Ao ouvir o galanteio, a moça foi toda sorriso:

     — Ah, obrigada Lobão, estou indo levar esses doces para minha vovozinha, não gostaria de me acompanhar até lá?

     — Boa ideia, estava aqui sozinho pensando no que fazer…

     E partiram os dois, ela saltitante e muito alegre, ele com os olhos grudados nas coxas da mocinha que, aliás, se locomovia com enorme graça; sua capinha vermelha e curta caía sobre o corpo como um sino, enquanto os dois badalavam pela rua de mãos dadas. Já estavam perto da casa da avó, e ela ainda cantava, desafinada e ininterruptamente, a mesma musiquinha enfadonha:

     — Pela estrada afora eu vou bem sozinha, levar esses doces para a vovozinha…

     Estavam bem alegres quando cruzaram com três figuras rebolando ostensivamente:

     — Viu, não falei que era o bofe?

     — E com essa mocreia.

     — Horrorosa!

     As criaturas passaram, mas quem perdeu o rebolado foi o casal; a menina interrompeu finalmente a cantoria maçante, soltou a mão do parceiro e perguntou:

     — Ih, você anda com esses porquinhos, é?

     Lobão, ainda menos à vontade, já não sabia o que estava fazendo ali, e só continuou a acompanhar a menina por absoluta falta de opção e pelo fato de já estarem chegando, o que, por sorte, sucedeu quase de imediato. A avó da menina os recebeu efusivamente, quebrando todo o gelo acarretado pelo encontro prévio.

     Conversaram bastante, lancharam, comeram os docinhos trazidos pela moça e quando já estava chegando a hora de ir, a menina se prontificou a retirar a mesa e lavar os pratos, mas enquanto isso acontecia, desastradamente, Lobão derrubou um copo de suco em seu próprio colo, o que não chegou a causar nenhum transtorno já que imediatamente a avó da menina, com o auxílio de um guardanapo, o secou com muito cuidado e carinho; muito mais até que o necessário, protegendo com uma das mãos e extrema habilidade as coisas do rapaz por baixo da calça molhada, enquanto o enxugava com a outra. Mas a moça não tardou a voltar da cozinha encontrando Lobão em um misto de parvoíce e êxtase, enquanto sua avozinha permanecia muito alegre e encantada com a visita.

     Despediram-se e partiram, com a recomendação muito explícita para ambos de que regressassem assim que pudessem. Durante a volta, Chapeuzinho continuava tão alegre quanto na vinda e tratou de entoar a mesma musiquinha cacete, mas Lobão parecia disperso e distante, permanecendo calado por quase todo o percurso. Ainda faltava um bom trecho para chegarem de volta à casa da mocinha quando Lobão rompeu seu próprio silêncio para comunicar que havia esquecido algo, e que Chapéu deveria prosseguir sozinha, retornando ele próprio pelo caminho por onde acabavam de vir; a menina não entendeu a atitude do outro, mas mesmo assim prosseguiu.

     Ao chegar em casa, sua mãe perguntou pela cestinha, da qual necessitaria naquele mesmo dia; a moça confirmou tê-la esquecido na casa da avó, mas aquiesceu em voltar lá para buscá-la depois da refeição, que já estava quase servida, de modo que almoçou e saiu em seguida.

     Não demorou para que a campainha da avó tocasse uma vez mais naquele dia, mas, para a surpresa de ambos, quem abriu a porta para a menina foi ninguém menos que Lobão, ridiculamente vestido em um roupão florido da velha. Tão instintiva quanto absurdamente, o jovem tentou se esconder puxando o capuz do minúsculo vestido por sobre o rosto, deixando de fora as musculosas pernas muito peludas com que se deslocou rapidamente para o interior do quarto.    

     Divertidíssima com a cena burlesca, Chapeuzinho tratou de dar corda à farsa correndo atrás do bufão aos gritos de “vovó”, “vovozinha”, a que o truão respondia em falsete, enquanto puxava o capuz para cima com o intuito de esconder o rosto sem se preocupar em deixar os fundos à mostra.

     À beira do desespero, flagrado ali na cama da velha, vestido da maneira mais ridícula que se possa pensar, o pobre Lobão nada mais conseguia imaginar exceto tentar se esconder da menina impertinente que o perseguia na mais cândida alegria, e enquanto se esforçava por se cobrir, bisonhamente vexado, a menina se empenhava em fazer o exato contrário, expondo-o o mais que pudesse, até que não restasse outra opção que não a rendição. Ainda encolhido, buscou coragem para fixar os olhos medrosos e arregalados na menina, que na maior desfaçatez perguntou:

     — Para que esses olhos tão grandes, vovó?

     Ao que, com voz trêmula e em falsete, e depois de uma pausa que lhe pareceu absurdamente longa e torturante, Lobão se viu compelido a responder:

     — São para te ver melhor.

     Certas vicissitudes acabam por se revelar tremendamente apropriadas, e os brevíssimos segundos necessários para a resposta foram suficientes para que Lobão finalmente tomasse pé da situação e prestasse atenção ao generoso decote de Chapeuzinho que, sentada a seu lado, se debruçava sobre seu corpo seminu coberto por um lençol. Confiante e ousada, a moça retirou abruptamente o lençol que o cobria, deixando à mostra seu corpo coberto apenas pelo ínfimo roupão muito leve. Foi a vez de Chapeuzinho surpreender-se. Toda arregalada a jovem exclamou:

     — Hã, Lobão…

     E com os olhos cravados no volume que começava a se destacar do corpo do rapaz, perguntou:

     — E para que esse negócio tão grande?

     Nesse mesmo instante a coisa pareceu ter crescido ainda mais, até escapulir repentinamente brotando fora do traje ínfimo enquanto o lobo respondia com voz grave e rouca:

     — É pra te comeeeer!

     E puxou a menina arregaladíssima pelos ombros para mordiscar-lhe o pescoço enquanto a apalpava e a comprimia com avidez por sobre seu corpo.

                       

 

 

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Redação

2 Comentários

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  1. chapeuzinho….

    A gente ainda brigando com os anos de 1960 e com RGT. A nova ditadura deste século não precisa nem pisar nem obedecer as instituições nacionais. Faz e desfaz a partir de Miami/USA. Vá brigar com os americanos para ver se eles defenderão os seus interesses ou os deles? 

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