Coalizões e Melhorias Possíveis, por Luís Bambace e Vicente Cioffi

Há empresas que destroem a sociedade por tostões a mais de lucro, sem ver que sacrificando tais tostões, lucrariam bem mais no próximo ano

Coalizões e Melhorias Possíveis

por Luís Antônio Waack Bambace e Vicente Cioffi

     Que é mais importante para a humanidade, genes ou memes, leis da genética ou da memética? Que inibe mais seu desenvolvimento, manipulação da memética?  Um meme crucial é o conceito de Fronteira de Pareto. Esta fronteira é caracterizada por não se poder melhorar nada para alguém ou quanto a um critério técnico, sem piorar para outrem ou outro critério técnico. Porque este meme é crucial? Face ao meme óbvio: porque brigar se dá para melhorar para todos? Claro, a melhora para todos nem sempre é imediata. O onisciente, onipotente e onipresente, características do único ente perfeito existente que não é o homem, diz que se olhamos só para o curto prazo decidimos mal. Afinal um sofreu ao extremo pela glória e felicidade eterna. Para nós incompreensível, mas talvez o melhor para todos, até quem sofreu. Que é melhor sofrer com a extração de um dente e ficar livre da dor, ou aguentá-la anos? Há empresas que destroem a sociedade por tostões a mais de lucro no ano, sem ver que sacrificando tais tostões, lucrariam bem mais no próximo ano. Padres defendem memes não genes. Um peixe sabe-se incapaz de mudar o ambiente, disputa comida e só vive em função de propagar seus genes. Quem manipula a sociedade quer que tenhamos o comportamento do peixe. As  técnicas agrícolas do Império Romano mal alimentavam a população da época. As pessoas brigavam por crer que era seu único caminho de sobrevivência, mas o mundo de hoje mostra que o que se pensava ser a Fronteira de Pareto, não o era a fronteira. Similarmente empresas que não acreditam em sua capacidade de criar, veem uma falsa Fronteira de Pareto e agem contra o bem comum. Há quem elogie Pareto pela ultrapassada Teoria da Sucessão das Elites, de um mundo sem mobilidade social do século XIX, e critica justamente seu melhor meme, a fronteira. Quem suportará uma eterna dor de consciência?

     Uma ação tem uma chance de gerar problemas e um impacto de problemas, e uma chance de gerar benefícios e um impacto de benefícios. Se ambos são mensuráveis, sejam financeiros, afetivos ou o que for, dá para trabalhar com somas ponderadas de produtos de chances e impactos nos casos favoráveis e não favoráveis, e se a razão do ruim pelo bom for maior que um, não fazer. Regras e crenças que mudem esta relação impedem ações nocivas a sociedade, não ter no poder um super-homem, que mesmo tendo boa índole pode fazer algo ruim para salvar a vida de sua família. Não fosse assim, não se teria famílias de gerentes de banco reféns de bandidos para fazer o gerente abrir o banco e cofre para quadrilhas. Meme de Hurwicz de 1981, que deu a ele o Nobel em 2007. Aí vem o meme do Shapley, de 1951, laureado só em 2012. O de que uma coalizão só é estável se cada um que entrar nela receber a média de aumento de ganho para a coalizão para todas as possíveis ordens de entrada. Explica salários, cartéis e sua viabilidade, e até o progresso. Uma cadeia de suprimento no fundo é uma coalizão estável. Quando se forma uma coalizão estável capaz de fazer algo para uso local, este algo é feito. Grandes empresas não vão se mover contra de imediato. O gerador eólico mais usado hoje, surgiu em 1937 na Ucrânia, e embora obsoleto prevalece sobre outros tipos face a uma coalizão estável. O que é melhor se ter cataventos não ideais ou se queimar mais petróleo? Aí vem o meme do ótimo é inimigo do bom.

     Agora vamos olhar os agrotóxicos e do câncer. Tem o aspecto das leis, o aspecto da informação, o aspecto do acesso a meios de diagnóstico, os interesses de indústria farmacêutica, de refrigerantes. A destruição da insulina gera metabólitos cancerígenos, e a diabete tipo II cada vez mais comum é no fundo ligada à destruição da insulina. A França taxa refrigerantes mais que bebidas há décadas justamente por isto. Com renda menor as pessoas comem pior, a verdura deixa de ser consumida, e aí, menos fibras e mais câncer do intestino. Sedentarismo e a linfa não circula, o ataque imunológico reduzido favorece o câncer? Tem a história da Salinomicina, um antibiótico muito antigo, tóxico ao extremo para a flora intestinal humana e inócuo para a das galinhas, que é produzido para uso nelas. Descobriu-se que ele regenerava a apoptose, suicídio celular de células que são nocivas ao organismo, e eliminava o câncer. Mas nem com um monte de Floratil ou Enterogermina por dia dava para manter a flora. Aí alguém descobriu que com estatina se baixava a dose necessária de Salinomicina e aí dava para salvar a flora e curar o câncer. Os laboratórios não quiseram usar e nem testar. A FDA iniciou testes por conta, e os laboratórios foram à justiça para pará-los. Mas outros tratamentos como o de modificar linfócitos T e cultivá-los e reinjetar na pessoa avançaram, face aos laboratórios não vê-los como ameaça e gente da área de pesquisa ter montado coalizões estáveis. Se um privado tivesse achado que dava para fazer os testes, talvez a Salinomicina andasse. Mas não é patenteável, pois os remédios existem há muito, não há incentivo aos testes privados. Se alguém descobrir um remédio novo patenteável que substitua a estatina com vantagens pode ser que ande. Aí rolam coisas loucas como o Clostridium que cura o câncer face a crescer mais onde há pouco oxigênio e gerar enzimas que aniquilam células tronco cancerosas. Há a história do milagre de 1988 na Alemanha que curou um padre e mais um monte de gente num surto de infecção hospitalar. Documentada por desenhos e comentada pela população local, despertou recentemente o interesse do diretor do John Hopkins em férias no local, que sacou o que ocorrera, isolou candidatas e testou com sucesso. O Streptococcus pyogenes andou curando gente com câncer de osso, que teve surto de erisipela. Há também a história de bactérias e vírus que causam câncer, Helicobacter pylori, HPV, Fusobacterium nucleatum e Porphyromonas gingivalis. Quanto o empobrecimento da população gera de aumento de exposição a elas? No caso do HPV tem vacina.

     Aí vem a estória dos agrotóxicos. Há vários deles que foram proibidos para gerar espaço para novos agrotóxicos protegidos por patentes, mas a maioria dos agrotóxicos proibidos é de fato nociva demais a algo. DDT que impede a formação da casca dos ovos das aves e é potencialmente carcinógeno, também podem causar câncer os bifenilos policlorados, lindane, hexaclorobenzeno, dioxinas, hexacloroxiclohexano. Sergio Koifman e Ana Hatagima fizeram na Fiocruz um trabalho muito bom no tema: Exposição Aos Agrotóxicos e Câncer Ambiental. Aí vem o meme, a verdade vos libertará, afinal nada melhor que a transparência para segurar a malandragem, gera aumento de riscos,  mudanças de atitude do consumidor como busca por alimentos orgânicos para quem pode, hortas de fundo de quintal e tantas outras coisas. Aí entra o Globo Rural de 28/05/2023, sobre o colégio politécnico da Universidade Federal de Santa Maria, exaltando o controle biológico na cultura de soja, com caldas de agentes biológicos feitas na própria fazenda, do uso de drones para achar a praga e pulverizar com ele só onde ela está, reduzindo o consumo de defensivos e tudo o mais. As empresas podem até combater o uso de agentes biológicos para manter mercados de agrotóxicos, mas como combater os drones? Cai o mercado e cai a verba para divulgar mentiras, e aí entram as novidades que vão salvar-nos daqueles que não deixam o pensamento primitivo do peixe, ou como gente de fé prefere dizer, são os homens-velhos da vida.

     Agora temos a estória do destravamento do chamado PL do veneno. O livro Acceptable Risks, Heimann, ISBN 9780472023264 trata da questão de risco e estrutura do sistema de tomada de decisão, e ilustra suas ideias com duas instituições famosas, a NASA e o FDA (o equivalente nos USA a ANVISA). Se uma pessoa tomar decisão sozinha, ela é um ponto de falha singular, errou, não tem como compensar antes do estrago. Se duas tem de concordar para se agir, ambas têm de errar para se executar algo ruim, se deixarmos duas pessoas decidirem e em caso de discordância, e se execute sempre que só uma delas autorize o risco de falha sobe, principalmente em burocracias corruptas. Em controle de qualidade se tem dois tipos de erros, aprovar algo ruim como sendo bom, ou rejeitar algo bom. Para um mesmo nível de elaboração, reduzir a chance de um tipo de erro gera aumento da chance do outro, mas aumentando a complexidade do sistema gera-se a redução de ambas as chances. Exemplo em caso de discordância, chama-se alguém para o voto de minerva. No caso de controle de qualidade há amostragens sequenciais, em que após um número mínimo de amostras, vai se tomando mais amostras até que a probabilidade de ambos os tipos de erros seja aceitável. Afinal um erro prejudica o comprador e o outro o produtor, ou então a saúde pública de um lado contra preços maiores de outro.

      Um sistema de decisão pode não ter erro, ter erro de um tipo ou outro com probabilidades de ocorrerem p1 e p2, penas se o decisor for responsabilizado P1 e P2, e chances do decisor ser responsabilizado C1 e C2. O decisor tende a minimizar seus problemas. A escolha pende para o mínimo da soma P1C1p1+ P2C2p2, e é raro alguém muito consciencioso fazer o melhor para todos e ignorar esta métrica. A pessoa tem de ser muito altruísta e consciente dos efeitos da decisão. Os USA foi o único país sem qualquer caso de crianças nascidas com anomalias causadas pela talidomida. Or FDA tem uma longa cadeia de aprovação sequencial, onde todos têm de aprovar para que a aprovação saia. A talidomida é excelente para cura da Hanseníase (Lepra), controla mielopatias entre outras coisas, mas era também um bom calmante. Se uso como calmante na gravidez é que causou anomalias. Vários países confiaram no laboratório e liberaram para tudo. Outros só para lepra, mas influenciados pelo uso em outros lugares vários médicos destes países acabaram receitando para quem não tinha lepra. No FDA alguém considerou que a amostragem era baixa para liberar e que face à chance de alguém receitar para um uso inadequado, o melhor era esperar. Resultado, o uso em massa em outros países gerou as anomalias antes do prazo estipulado pelo FDA para a execução de mais testes. Com forte pressão interna para evitar problemas com lançamentos de remédios inadequados o FDA, não liberou. A NASA que fazia votação nominal interna em vários comitês, e só liberava se todos os comitês o fizessem, priorizava a segurança. Aí fizeram uma CPI no congresso americano para pressionar a NASA a cortar gastos visando usar dinheiro da NASA em novos programas militares, a pena maior e a visibilidade maior ficou para gastos altos, e aí a segurança foi negligenciada e aconteceu o desastra da explosão de um voo do Shuttle. Afinal os decisores não eram altruístas.

     Olhando o histórico de decisões de órgãos públicos, e normas de decisão interna, parece que a ANVISA é de fato o órgão mais isento e livre de pressões para tomar as decisões sobre agrotóxicos, afinal este assunto é extremamente importante para a saúde e economia brasileira.

Luís Antônio Waack Bambace – Engenheiro Mecânico. PhD em Aerodinâmica Propulsão e Energia.

Vicente Cioffi. Engenheiro Ambientalista. Especialista em meio ambiente, auditoria e perícia  ambiental. Membro da coordenação do Forum Permanente em Defesa da Vida.

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