Congonhas quer evitar tragédia 9 vezes maior que Brumadinho

“Estudos de ruptura de barragens podem estar subdimensionados, não apresentando a realidade dos riscos”, avalia secretário de Meio Ambiente do município que tenta reduzir capacidade da maior barragem de rejeitos da América Latina, construída em área urbana 
 
Barragem Casa de Pedra e a cidade de Congonhas (MG). Estrutura da CSN é a maior em área urbana na América Latina. Imagem: Google Maps
 
Jornal GGN – Moradores da cidade de Congonhas (MG) estão tendo dificuldades para dormir todas as noites. “Muitos estão tomando remédios controlados para conseguir descansar”, conta Antônio Claret Fernandes, da coordenação estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). 
 
A organização realizou junto com a associação de moradores do bairro Residencial Gualter Monteiro e o apoio da Igreja Nossa Senhora Aparecida uma assembleia na última quarta-feira (29) sobre o risco de uma nova tragédia, a semelhança de Brumadinho e Mariana. 
 
O município de Congonhas possui a maior barragem construída em área urbana da América Latina. A estrutura chamada Casa de Pedra pertence a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional, privatizada ainda no governo Collor). Em caso de rompimento, os rejeitos se deslocariam por toda cidade, com 54 mil habitantes, além de atingir comunidades próximas. Claret Fernandes explica que, há pelo menos um ano, o MAB vem acompanhando a situação de Congonhas. 
 
“O bairro residencial Gualter Monteiro está logo abaixo, a 200 metros da barragem”, conta. Cerca de mil pessoas, aglomeradas em uma rua, participaram da assembleia que também contou com a presença de representantes do Ministério Público, da prefeitura e políticos locais. 
 
Em novembro de 2017 o MP já alertava para o risco de um acidente na Casa de Pedra. Um laudo do Centro de Apoio Técnico da promotoria mostrou que o fator de estabilidade exigido pela legislação estava abaixo do esperado na barragem. O próprio comandante dos Bombeiros da região, capitão Ronaldo Rosa de Lima, chegou a classificar a represa de rejeitos como “propensa a rompimento”. Na época, a CSN garantiu que o fator de risco de já havia sido superado. 
 
A tragédia de Brumadinho reacendeu a preocupação da comunidade de Congonhas, que terminou a assembleia de quarta-feira com algumas exigências à CSN e ao município. “O ponto central é o esvaziamento da barragem. O segundo ponto é a retirada de todos os moradores das áreas mais próximas e o terceiro é o aluguel para quem sofrer desocupação”. 
 
O porta-voz do MAB completou que outras duas exigências são a indenização por danos morais, considerando todo o transtorno na vida dos moradores mais próximos da barragem, e o monitoramento permanente da estrutura e que as informações sejam repassadas de forma transparência à população.  
 
“Não temos, em toda a literatura, nenhum caso de barragem que se rompeu de uma hora para outra. Existe uma série de elementos e sintomas que mostram que a estrutura já estava doente. Brumadinho, certamente, apresentou sintomas. O que achamos é que eles foram desconsiderando, podem ter descartado os sintomas como uma coisa não importante ou aconteceu erro de leitura dos equipamentos”, avalia o secretário de Meio Ambiente de Congonhas, Neylor Aarão. 
 
Sobre a exigência principal da assembleia de moradores, o imediato esvaziamento da barragem Casa da Pedra, Aarão explica que a estrutura não recebe mais rejeitos desde 2017.
 
“Não tem como fechar a barragem, só se fechar a mineração, porque se trata de uma linha de produção. O que temos exigido é que as empresas iniciem um processo de transição de beneficiamento do minério”, esclarece o secretário.
 
Segundo ele, hoje cerca de 40% dos rejeitos gerados pela CSN são secos e não vão para as barragens. Ao invés disso, são empilhados, formando montanhas onde antes foi explorado minério. “Esse é o modo que a gente pensa a mineração 4.0, como dizemos, que não haja mais rejeitos líquidos. A CSN informou, também que estão acelerando o procedimento para chegar em 100% de rejeitos secos no próximo ano”.
 
A disposição de rejeitos, com as novas tecnologias:
Foto: Minas Jr/Consultoria Mineral
 
Até hoje as quatro mineradoras que atuam na cidade – além da CSN, Vale, Gerdau e Ferrous – não colocaram em prática as medidas decretadas no Plano Municipal de Gestão de Barragens. Em 14 de dezembro, as companhias apresentaram uma contraproposta à prefeitura. “Terminamos a avaliação [da contraproposta] no início de janeiro, quando emitimos um auto de infração de mais de R$ 2 milhões para cada empresa, dando o prazo de 30 dias para aderirem ao plano, a partir do momento que receberem a notificação”, o que deve acontecer nas próximas duas semanas, completa o secretário. 
 
Aarão conta que a tragédia em Brumadinho, cidade irmã e que faz parte do mesmo consórcio de municípios, causou tristeza e espanto na prefeitura de Congonhas. 
 
“Brumadinho era considerada estável, assim como Mariana. Precisamos repensar o papel do município e o papel da mineração. Qual o tipo de mineração que precisamos? É essa que mata, irresponsável? Ou uma mineração sustentável? As empresas que temos são de primeiro mundo, mas o modo de segurança não é de primeiro mundo”, reflete.
 
Aplicativo e participação direta dos moradores
 
Congonhas criou o primeiro Plano Municipal de Gestão de Barragens do país que passou a vigorar em novembro de 2018, com 11 determinações às mineradoras que atuam na região. Segundo o secretário, a cidade tem 24 barragens sendo que 6 delas podem afetar a área urbana. 
 
Em todo estado de Minas Gerais existem 688 reservatórios. Segundo dados do último inventário de barragens da Fundação Estatal de Meio Ambiente (Feam), 677 delas têm estabilidade garantida, em quatro os auditores não souberam concluir o grau de estabilidade e sete foram consideradas sob risco de rompimento, em 2018. 
 
“Minas está assentada em uma bomba relógio e temos que desarmá-la criando uma nova alternativa de exploração”, destaca o secretário. 
 
Dentre as exigências que o município entregou às mineradores estão a mudança no estudo que embasa o processo de licenciamento. O levantamento comum no país, feito para o pedido de licenciamento, estima os impactos em caso de rompimento considerando a barragem isoladamente. A prefeitura de Congonhas pede, agora, que o chamado dam break faça simulações considerando todo o complexo de estruturas, seu raio e a bacia onde está inserido. 
 
“Em Mariana o acidente aconteceu com duas barragens, uma se rompeu sobre a outra. Isso pode representar que os estudos de ruptura podem estar subdimensionados, não apresentando a realidade do que pode acontecer e isso se reflete na segurança das pessoas”, pondera. 
 
Com os estudos integrados de ruptura hipotética das barragens, a prefeitura entende que conseguirá articular de forma mais eficiente as ações da Defesa Civil. O plano municipal determina também a instalação de uma brigada voluntária com a participação da sociedade. Outro programa inserido no Plano é a criação de um conselho social técnico para acompanhar o grau de estabilidade das barragens, uma das reivindicações citadas na assembleia de moradores.  
 
Segundo o modelo criado pela prefeitura, as mineradoras serão obrigadas a permitir o acesso aos equipamentos de controle de barragens para o grupo de voluntários do conselho. As avaliações serão feitas três vezes por ano em cada barragem. Hoje, a medição de risco é realizada anualmente. 
 
“Temos aqui várias pessoas que trabalharam na mineração, hoje aposentadas e que conhecem essas estruturas desde que foram construídas. Então, não vamos permitir que esse conselho seja formado por curiosos”, completa Aarão. 
 
Outro ponto que o pacote traz é a criação de um aplicativo de localização, semelhante ao Waze, mas baseado em modelos norte-americanos para ajudar as pessoas a saírem rapidamente de lugares de risco, após algum desastre, para áreas seguras. 
 
Aarão conta que a prefeitura e a direção da CSN em Congonhas tiveram um encontro nesta quinta-feira (30) onde ficou acordado que a mineradora divulgaria uma nota de esclarecimento hoje (31). O GGN entrou em contato com a assessoria de imprensa da mineradora ontem, mas até o fechamento desta matéria não obteve retorno. 
 
Um dia após à assembleia, cerca de 100 moradores convidou a CSN para uma reunião. Claret conta que nenhum representante compareceu ao encontro marcado às 14h. “Então nós percorremos 8 quilômetros de distância até a CSN. Em princípio, a empresa queria receber só uma comissão, depois de muito debate ela assinou um ofício com as nossas reivindicações. Estamos dando três dias para uma resposta”. 
 
Após o desastre de Brumadinho, a prefeitura de Congonhas ampliou as exigências do Plano Municipal de Gestão de Barragens em três pontos: proíbe o alteamento (aumento da altura) das barragens em área urbana; exige junto da declaração de estabilidade uma declaração colocando o diretor e o presidente direto da barragem sob pena de responsabilidade nas esferas civis e criminais, em caso de rompimento; e a implementação de políticas que promovam o “descomissionamento” que é a tecnologia que separa o rejeito da água, permitindo que a matéria seca seja empilhada.    
 
Nove vezes maior que Brumadinho
 
A Casa de Pedra faz parte de um complexo de barragens interligadas com 98 milhões de metros cúbicos de rejeitos. A estrutura principal tem capacidade para 50 milhões de metros cúbicos. A título de comparação, a tragédia de Brumadinho, de 25 de janeiro, aconteceu após o rompimento de uma barragem com 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos, deixando 99 vítimas fatais, 259 desaparecidas e 135 desabrigadas, segundo as últimas informações divulgadas pela defesa civil até a manhã do dia 31 de janeiro. 
 
O desastre da Mariana (MG), em 5 de novembro de 2015, aconteceu com o rompimento de duas barragens – uma estava acima da outra. Cerca de 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos foram lançados para fora, matando 20 pessoas e causando o maior desastre ambiental da história do país. A lama percorreu 700 quilômetros até desaguar no oceano atlântico, matando peixes e tornando a água imprópria para o consumo em vária cidades de Minas e Espírito Santo. 
 
A Agência Nacional das Águas (ANA) alerta que os rejeitos de Brumadinho seguem o curso da bacia do Rio Paraopeba em direção ao Rio São Francisco. Representantes de Furnas, Cemig, ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) e da ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) estudam fechar as comportas das usinas Retiro Baixo e Três Marias, que fazem fronteira com o São Francisco, para impedir que a lama contamine um dos maiores rios do país, e que percorre cinco estados, sendo eles Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas 
 
Claret Fernandes lembra que o rio Paraopeba nasce em uma região acima de Congonhas. Logo, o rompimento de uma barragem do tamanho de Casa da Pedra terminaria de destruir a fauna da bacia que banha 35 cidades mineiras e desemboca no São Francisco. 
 
A disposição tradicional de rejeitos das mineradoras, praticado desde os anos 1960:
 
 

 

Redação

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