Conto para ninar corvinhos, por Wilson Luiz Müller

Estamos vendo um bando de corvos sobrevoando nossas cabeças. Quando batem as asas faz um barulhinho gostoso, que faz a gente querer dormir: Zás – trux – fux. Estão voando em círculos, farejando carniça.

Foto Mega Curioso

Conto para ninar corvinhos

por Wilson Luiz Müller

Hoje vou contar a história de como o rei foi deposto e preso. Ele era querido pelo povo e por isso gastava muito dinheiro para melhorar a vida dos mais pobres. Mas era dinheiro dos impostos pagos pelas pessoas de bem, como nós. E daí começamos a ficar com medo, porque nós gostamos de nossas famílias e o rei não devia se preocupar tanto com os pobres. Não que estivesse faltando algo para nós. Mas se o rei não gastasse com os pobres, iria sobrar mais dinheiro para as pessoas de bem. Porque os pobres pegam o dinheiro e gastam em bobagens. Nós pegamos o dinheiro e fazemos o bolo crescer. É mais vantajoso. Por isso era preciso tirar o rei. Mas para tirar o rei, ele não podia ser amado; ele tinha que ser odiado. Então pedimos ajuda aos alquimistas…

Eles fazem química? quiseram saber os corvinhos.

Na verdade, eles fazem química com as palavras. São eles que transmitem as palavras do rei aos rincões mais longínquos do reino. Quando o rei falava que era preciso amor e trabalho, a mensagem que chegava aos confins do reino era “amor só para o rei cagalho”. E assim, depois de anos de trabalho dos alquimistas, o rei tinha se transformado em cagalho. Apesar do bom trabalho dos nossos amigos químicos, não foi possível derrubar o cagalho, porque ele também sabia manejar bem as palavras e tinha muitos defensores entre o povo. Nesse ponto foi preciso pedir ajuda  ao rábula-mor.

O que faz o rábula-mor?

Ele faz com as leis o mesmo que os alquimistas fazem com as palavras. Sua maior invenção foi o princípio penal denominado truxfux, que é tutti in uni. Esse princípio divide a aplicação do direito conforme a necessidade das pessoas. O que é justo, porque as pessoas são diferentes e requerem tratamentos diferentes.

Para cidadãos Azul-branquinhos: inocentes não serão melindrados; se melindrados, não serão acusados; se acusados, não serão condenados; se condenados, os processos ficarão parados até a prescrição da pena.

Para os demais cagalhos (em letra minúscula): todos são culpados, a não ser que provem a sua inocência. As provas negativas de culpa devem ser apresentadas ao tribunal de exceção, que tem o dever de ratificar as sentenças proferidas pelo rábula-mor, que é alfa e ômega da lei, seu guardião e intérprete maior.

O imparcial no truxfux passa a ser o parcial legal, porque o imparcial só ajuda os cagalhos e estraga o bom andamento do reino. O ajudante de ordens do rábula-mor é um menino querido e perseguidor de cagalhos e bem conceituado orador chamado Palestrim. O menino Palestrim é religioso; ele ora e faz jejum por vocês, ele ama de verdade os corvinhos gorduchinhos e bem criados. Vocês também devem colocá-lo nas suas orações.

Mas o rábula-mor e o Palestrim, por melhores que fossem seus esforços e orações e jejuns, não conseguiriam nunca derrubar o rei cagalho, mesmo com a ajuda dos alquimistas. Então pediram ajuda de outro rei mais poderoso. E fizeram a Santa Aliança de todos que queriam um rei cheiroso no lugar do cagalho. E nós ajudando com as panelas. O exército da Santa Aliança era a Força da Felicidade Azul Anil, conhecida como FOFA, porque era tudo gente branquinha e cheirosa que parecia ter sangue azul. Todos no reino eram obrigados a endeusar a FOFA, ninguém podia falar nada contra. Quem era contra virava cagalhão na mesma hora. A missão da FOFA era prender os cagalhozinhos para dar lugar aos azul-branquinhos.

A FOFA expedia as notificações contra os amigos do rei cagalho, que eram lidas e afixadas à porta do condenado, com os seguintes dizeres:

– Em nome do princípio truxfux, você está preso e condenado! Cumpra-se.

Alguns se desesperavam: mas eu nem sabia que estava sendo acusado de alguma coisa!

Ao que os cavaleiros fortemente armados da FOFA respondiam:

Isso é a prova mais contundente da sua culpa, não reconhecer que tinha culpa; baseado no princípio robitiano pozobiano de que a prova da propriedade de um bem está no fato de que o mesmo está em nome de outra pessoa.

Outros apelavam ao direito universal, que passou a ser considerado subjetivo e ultrapassado pelo novo e moderno direito do Iluminismo medieval: mas isso não é justo!

Então Palestrim, porta-voz oficial da FOFA, explicava:

É justo porque vamos faturar! E fazia kkkk. Os alquimistas explicavam então tudo isso ao povo, fazendo um resumo bem simples para que até os mais iletrados pudessem entender o que acontecia no reino:

A FOFA comunica que pela primeira vez está sendo feita justiça no injusto reino do cagalho. E todos ficavam felizes com essas explicações esclarecedoras.

Depois que a FOFA tinha enjaulado boa parte dos cagalhozinhos, puderam finalmente prender o rei, o que era o objetivo principal da Santa Aliança desde o início. E o povo entendeu que isso era para o bem geral, para que o reino pudesse enfim prosperar.

Tínhamos preparado um rei limpinho e cheiroso para colocar no lugar do rei cagalho. Mas o povo não quis saber dele. O povo tinha escolhido uma pessoinha de muito más qualidades, que ficou a vida inteira lá na casa do povo falando coisas más, e por isso era conhecido como homem do barulho. Era um ser desprezado por todos, evitava-se pronunciar seu nome. Seus pares o deixavam falando sozinho, pois dava náuseas ouvi-lo por muito tempo.

Por que o povo não quis um novo rei cheiroso? perguntaram os corvinhos, espantados.

Porque os ensinamentos dos alquimistas e do rábula-mor tinham dado um nó na cabeça do povo. Quando as palavras e a explicação das leis entravam na cabeça,  o sinal ficava invertido. E na cabeça formava-se uma ideia contrária ao sentido das palavras. E o povo ficou acometido de uma doença febril intermitente, sofrendo com delírios e paranóias. E queria porque queria a pessoinha das más qualidades, mentirosa, sem inteligência, sem caráter, sem escrúpulos, sem história de vida, sem trabalho. E no seu coração não havia amor; somente ódio. Porque ninguém mais sabia interpretar a frase: a boca fala daquilo que está cheio o coração.

E como fizeram então? preocuparam-se os corvinhos. Porque não se pode colocar uma pessoinha má e que só faz barulho para governar o reino.

Bem, quando olhamos bem para a pessoinha, entendemos que no fundo ela era em tudo semelhante a nós, tinha os mesmos medos, o apego às mesmas coisas, a aversão às mesmas coisas que todos nós da Santa Aliança. A diferença estava, grosso modo, nos modos grotescos da pessoinha. E não se deve dar tanta importância para os modos, até porque isso sempre se pode consertar. Então os alquimistas trocaram o m pela letra z. Em vez de más ela ficou Zás. E trocamos barulho por Bagulho. Ficou conhecido como Zás, o Bagulho é bom!

Zás, o Bagulho é bom! Zás, o Bagulho é bom! Zás, o Bagulho é bom! entoaram em coro os animados corvinhos.

Então foi criado o princípio Supremo, com tudo incluído, conhecido como Zástruxfux, símbolo da totalidade do nosso bem querer. Significa que todas as coisas desejadas pelas pessoas de bem foram reunidas numa coisa só, de total confiança. Os alquimistas traduziam as mensagens cifradas da FOFA e o povo repetia empolgado: Zástruxfux! Eta Bagulho bom!

O interessante do princípio Zástruxfux é que, quando repetido pausadamente, ele tem a capacidade de alterar o funcionamento da mente, produzindo imagens tranquilizadoras de um mundo paralelo. Fechem os olhos e façam o exercício. Os corvinhos fecharam os olhos e começaram a repetir o mantra:

Zástruxfux! Zástruxfux! Zástruxfux!

Depois da quinta exclamação, eles falaram exultantes:

Estamos vendo um bando de corvos sobrevoando nossas cabeças. Quando batem as asas faz um barulhinho gostoso, que faz a gente querer dormir: Zás – trux – fux. Estão voando em círculos, farejando carniça.

Então durmam com essa bela imagem criada em suas mentes pelo princípio Zástruxfux. Amanhã vou contar sobre essa visão da carniça, de como os corvos do Zás começaram a arrancar os olhos dos outros, primeiro dos adversários, depois dos seus próprios criadores.

Wilson Luiz Müller – Integra o Coletivo Auditores Fiscais pela Democracia (AFD)

Redação

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