O ecossistema da corrupção, por Jorge de Lima

Por Jorge de Lima

Há tempos que venho pensando em escrever sobre “Corrupção”. Coloco entre aspas porque me parece que todo o debate a respeito parte de uma premissa intencionalmente equivocada. Fala-se de “Corrupção” como se estivéssemos tratando de algo tangível, algo personificado ou materializado, contra o quê fosse possível utilizar meios físicos para que fosse eliminada.

Mas “Corrupção” não é uma coisa. “Corrupção” é o meio pelo qual se burla as leis escritas e não escritas. Exemplifico: como policial, durante 21 anos, me habituei a ver conceituada “corrupção policial” como o ato de receber dinheiro ou vantagens pessoais para não investigar e prender determinado indivíduo. Mas o fato de que promoções, transferências arbitrárias, escolha de servidores para missões que garantiam vantagens financeiras fossem decididas pelas chefias a partir de simpatias pessoais fosse encarado como fato normal, prática institucionalizada, me surpreendeu depois de alguns anos.

Ora, quando se entra em um ambiente corrompido, nos quais as práticas corruptas são o padrão, demora-se algum tempo para notar que algo está errado. Durante anos eu considerei corruptos os policiais que se aliavam a criminosos. Quanto ao fato de que muitos eram promovidos, ocupavam as melhores funções, eram escolhidos para as melhores missões, do ponto de vista de ganho financeiro, me parecia algo normal, já que era assim quando eu entrei, e continuaria assim quando eu me aposentasse. Só recentemente me dei conta de que o favorecimento pessoal, por conveniência e simpatia entre chefe e subordinado, é uma modalidade de corrupção, até de peculato uso, além de improbidade administrativa tipificada em lei.

Não é uma peculiaridade da instituição policial. Toda instituição brasileira é corrupta, porque dentro do arcabouço institucional todas as relações são definidas pela “cordialidade”, no sentido que Sérgio Buarque de Holanda deu ao termo. Não existe, no Brasil, a fria sobriedade anglo-saxã. As pessoas são promovidas, ou beneficiadas de outras formas, em razão de seu relacionamento e das simpatias pessoais existentes entre elas e suas chefias que, por sua vez, são chefias porque mantém o mesmo tipo de relacionamento com os que estão imediatamente acima. É um grande jogo de compadres. Dizendo de outra forma, as instituições são corruptas porque não se considera corrupção que as relações entre e dentro das instituições sejam pautadas pela “cordialidade”.

Dito isso, passemos a analisar o caso da Petrobrás. O delator ascendeu a uma diretoria em razão de relacionamentos políticos. Portanto subiu na carreira graças à “cordialidade”. A alguém ele servia, por isso foi guindado a uma posição onde pudesse favorecer seu padrinho, no que se poderia definir como uma relação simbiótica. Os recentes vazamentos de seu depoimento tem o cuidado de não deixar claro quem o elevou a posição de mando. Isso é fundamental para que se usem suas declarações estritamente contra o atual governo. E o que o delator está dizendo? Que as empresas contratadas pela Petrobrás pagavam comissão de 1 a 3% sobre o valor dos contratos.

Se as empresas pagavam comissão, é óbvio que o dinheiro não era “desviado” da Petrobrás. Ora, se a empreiteira tira de sua remuneração a comissão, nada está sendo “desviado” da contratante. O que se deve questionar é se o preço dos contratos foi superfaturado ou não. Se havia sobrepreço, e ainda assim a empresa que pagava comissão era contratada, estamos tratando de um fato ilícito. Se não havia sobrepreço, podemos considerar o pagamento de comissão uma coisa imoral, mas que não fere nenhuma lei. Ou seja, há imoralidade, mas não ilegalidade. E entre ambas há uma longa distância, balizada de um lado e outro pelo que os filósofos do Direito conceituam como Direito Natural e Direito Positivo.

Analisemos, então, as modalidades de corrupção. É mais corrupto o sujeito que recebe uma comissão, ou aquele que paga a comissão? É mais corrupto o chefe que promove alguém por sentimentos pessoais, ou o subordinado que aceita ser promovido por que é o “peixe” do chefe? Ou serão todos corruptos na mesma medida? Pessoalmente, considero que não há gradações entre atos de corrupção. Todo aquele que propõe ou aceita vantagens ou benefícios que não se conformam com o que determinam as leis é corrupto. E de corruptos as instituições estão lotadas. É preciso uma grande mudança comportamental para que se possa, efetivamente, combater a corrupção. 

Redação

10 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

    1. Se a analogia é com motor,

      Se a analogia é com motor, precisamos ir pela termodinância. 

      Corrupção é uma perda, é a diferença  entre aquilo que foi aplicado e aquilo que ocorreu.

      Coorupção é um atrito.

      Mude tipo de motor, o princípio de funcionamento, a perda vai ser menor.

  1. Discordo Jura. A corrupção é

    Discordo Jura. A corrupção é o motor… troca-se o oleo e a corrupção continua… Troca-se o motor e o oleo ja vem contaminado…

  2. Dentro deste enbróglio não

    Dentro deste enbróglio não consigo deixar de pensar no senso de justiça que devia permear as relações profissionais. Algo tão sutil e passível de distorção como o próprio favorecimento pessoal por uma inocente simpatia. Quanto desperdício de tempo e recursos em parafernálias jurídicas e burocráticas poderia ser evitado … mas esta é a natureza humana

  3. Corrupção é a ação dos adversários…

    Nossa, é a melhor definição de corrupção de que já tive notícia. É verdade, aquele bando de puxa-sacos beócios e ignorantes que passavam à nossa frente, na verdade, eram nada mais nada menos do que corruptos. Aqueles alunos fura-greves que foram indicados para trabalhar em Houston com salários milionários em relação aos seus colegas brasileiros, idem, ibidem, corruptos de cabide. Céus!

  4. Corrupção

    Jorge de Lima,

    É como sempre funcionou nas tres instâncias de governo e no serviço público em geral.

    Só para exemplificar- conheço caso de apadrinhamento ocorrido na CEF na década de 40, pessoas que “trabalharam” durante menos de um ano e conseguiram aposentadoria. 

    Este espírito de “cordialidade” ( termo interessante) contamina o funcionalismo do patropi de ponta a ponta, e não vejo como se possa alterar esta cultura de séculos. 

    Quanto ao mais corrupto, o corruptor frequentemente é mais venal, pois sendo amigo da estrutura, é normal o medo do funcionário em sofrer possível retaliação, perseguição, demissão, isto acontece.   

  5. Pertinente texto. E

    Pertinente texto. E tempestivo. Em SC, por exemplo, nos anos 80, se não me falha a memória, mais de 100 funcionários e “funcionários” da assembléia legislativa se aposentaram por invalidez: o último deles, a fechar a fila, foi o médico que atestou a invalidez dos anteriores… Pois, em 2012, o instituto de previdência do estado entrou firme no assunto, exigindo reavaliação médica dos aposentados: tinha inválido do coração que corria maratonas. Pois bem, a ínclita justiça catarinense, não obrigou ninguém a retornar ao trabalho, mesmo após as perícias médicas darem os ex-inválidos por aptos. Ficou tudo como sempre esteve: e falam mal do governo petista até hoje, mesmo que o PT nunca tenha sido governo em Santa Catarina. Agora mesmo, um condenado pela justiça federal (primeiro grau e tribunal federal), candidatou-se por que um ministro do STJ está sentado em cima do seu processo, após liminar que “suspende a execução da sentença” e, por isso, o TSE o declarou ficha limpíssima: foi o mais votado para deputado federal, com cerca de 220 mil votos; outro, deputado estadual, chefe da quadrilha “fundo do poço”, até o pescoço envolvido, réu em processo junto ao TJ-SC, também foi reeleito com mais de 50.000 votos. Então, ser corrupto num país de corruptos (vantagens indevidas, atropelo às leis et caterva) acaba sendo o “plus” necessário para “vencer” na vida.

  6. Se vc tivesse conhecimento de

    Se vc tivesse conhecimento de  um ato de corrpção, vc denunciaria?

    Em 2001 denunciei um ato de corrupção que envolvia prefeitura, sindicato de trabalhadores ruais, servidor assessor de gabinete do órgão federal em que trabalho e vereador. Tudo numa cidade do interior do meu estado. A preços de hoje a coisa estaria em torno de uns R$ 15 milhões. A corrupção era dentro de um assentamento de reforma agrária e estava relacionada com venda de pinus, construção de 80 casas, PRONAF e convênio com de estradas com prefeitura.

    Conclusão:

    1) O servidor assessor  tentou o suicido e por pouco não foi demitido à bem do serviço público. Acho que nesse caso os superiores lhe salvaram a vida, tanto da morte quanto do perder o emprego depois de velho;

    2) O superintendente do órgão foi demitido do cargo e ficou impedido de exercer cargo na administração federal por cinco anos;

    3) O vereador continua vereando;

    4) o presidente do sindicato ainda continua la;

    5) e a prefeitura está no mesmo lugar;

    6) E eu?. Bom, fui tachado de vagabundo, senvergonha, safado, filha da puta e dai pra baixo. Perdi os amigos e ainda hoje passo naquela cidade bem escondidinho. Fiquei jurado.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador