Debate: Reforma Politica ou O Estrume Vaccarezza Impulsionada Pelas Manifestações de Junho 2013

 

Reforma Política: As 10 armadilhas da ‘Emenda Vacarezza’

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A maior armadilha da PEC 352, ou Emenda Vaccarezza, é a constitucionalização de medidas que agravam as distorções do sistema político brasileiro.

Maria Inês Nassif

 

A maior armadilha da PEC 352, ou Emenda Vaccarezza, é a constitucionalização de medidas que agravam as distorções do sistema político brasileiro. O receio das forças que são contrárias à proposta é a de que soprem ventos favoráveis à sua aprovação, devido ao perfil conservador do novo Congresso e a condições políticas que favorecem a união de setores do PMDB com a oposição. Essas forças podem obter 3/5 dos votos dos deputados e senadores agora – e dificilmente, no futuro, os setores contrários a essas medidas consigam reunir apoio desta magnitude para derrubá-la.
 
Abaixo, as principais propostas da emenda assinada pelo ex-deputado Cândido Vaccarezza:
 
1. O alistamento eleitoral é obrigatório, mas o voto torna-se facultativo
 
A crítica ao voto facultativo é que, num momento de grande descontentamento com a política, o interesse eleitoral se reduz. Isso aumenta o risco de distorção da vontade da maioria, já que os cidadão silenciosos, que abriram mão de seu voto, não estarão representados. O voto facultativo tenderia a hipervalorizar a vontade de militâncias políticas e cidadãos mais escolarizados.
 
2. A filiação partidária mínima exigida para os candidatos é de seis meses
 
São fartas as críticas à falta de lealdade partidária dos eleitos e à pouca organicidade dos partidos. A PEC 352, ao que tudo indica, não se importa com isso. Entre outras medidas – como a de reduzir o número de apoios para criar um novo partido –, a emenda reduziu de um ano para seis meses antes das eleições o prazo mínimo de filiação partidária para os candidatos. O pretexto para isso foi equiparar as exigências para todos os candidatos. A lei atual define que a filiação partidária é de um ano, à exceção de magistrados, cujo prazo mínimo para estar inscrito a um partido é de seis meses antes das eleições. Em vez de derrubar a exceção e definir para todos os candidatos uma filiação mínima de um ano, a emenda institui filiação mínima de seis meses para todos.
 
3. Fica proibida a reeleição para cargos executivos (prefeitos, governadores e presidente da República), mas mandato continua de 4 anos
 
No debate sobre reeleição, sempre prevaleceu a tese de que o mandato de 4 anos é muito reduzido para um presidente da República, ou governador, ou prefeito realizar um programa de governo. Existe um consenso de que se a reeleição for derrubada, será necessário aumentar o mandato para cargos executivos para, no mínimo, 5 anos. A PEC Vaccarezza acaba com a possibilidade de reeleição mas mantém o mandato de quatro anos.
 
4. As eleições municipais, estaduais e federal serão coincidentes: no mesmo dia, o país votará para presidente da República, deputados federais, senadores, governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores.
 
Em vez de eleições de dois em dois anos, uma de quatro em quatro anos. A ideia de coincidência de mandatos tem um veio conservador do qual decorrem dois argumentos financeiros: a de que o país tem muitas eleições, e no ano de eleição o país para; e a de que eleições são caras para os contribuintes e, para o bem deles, devem ser reduzidas. Existe, contudo, também um sentido político nisso: a municipalização da escolha, o domínio da agenda eleitoral por uma agenda mais paroquial e menos política. 
 
5. Pela proposta Vaccarezza, os prefeitos e vereadores eleitos em 2016 terão um “mandato-tampão” de dois anos. A partir de 2018, as eleições municipais acontecerão junto com as demais eleições.
 
Na história recente, eleições gerais foram convocadas em 1982, no governo militar. Foram as primeiras eleições diretas para governadores desde o Ato Institucional número 2, de 1966, e a coincidência com as eleições municipais pretendia despolitizar a campanha, dar protagonismo às lideranças municipais e aumentar a influência delas na escolha dos executivos estaduais. Foi uma campanha difícil, dado o enorme número de candidatos que o eleitor tinha de escolher, mas o cálculo dos estrategistas do governo Figueiredo deu errado: o PMDB, partido mais identificado com a luta institucional contra a ditadura, fez 10 governadores, Leonel Brizola, do PDT, inimigo número 1 do regime militar, foi eleito para o governo do Rio, e o PDS, partido do governo, fez 12 executivos estaduais. Os governadores oposicionistas foram fundamentais na articulação de massivas manifestações pelas eleições diretas para presidente da República, em 1983 e 1984. 
 
6. Eleições gerais, coligações nem tanto
 
O partido participa de eleições gerais, mas os partidos estaduais e municipais não precisam fazer as mesmas coligações que o partido nacional.
 
7. Coligações proporcionais viram casamento
 
Apontadas como razão das grandes distorções de representação do Poder Legislativo brasileiro, as coligações proporcionais não apenas são mantidas nas eleições pela PEC 352, mas obrigatoriamente devem se tornar parte da coalizão governamental. Isto é: os partidos se coligam nas eleições e, depois delas, integram uma frente partidária no Congresso até o fim do mandato. 
 
8. Sai o voto proporcional para o Legislativo, entra o distritão proporcional. Com referendo.
 
Somente este artigo da PEC da reforma política de Eduardo Cunha já explicaria o adjetivo de “monstrengo” a ele dado pela deputada Luiza Erundina (PSB-SP). Existe historicamente um embate entre os que defendem o voto proporcional para o Legislativo, e os que defendem o voto distrital puro ou misto. Para os adeptos do voto distrital, o que encarece eleição de parlamentares é eles serem obrigados a disputar votos em todo o território do Estado, e o pleito se tornaria mais barato, e mais inteligível para o eleitor, se ele pudesse votar em candidatos de um distrito específico, geograficamente delimitado. Os partidários do voto proporcional defendem que o voto ideológico fica diluído na eleição distrital, e que as minorias perderiam representação nesse sistema. Uma terceira linha, que tem o vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP) como defensor, é o distritão, um sistema onde são eleitos no estado os mais votados, independentemente do resultado dos partidos na soma dos votos. A Emenda Vaccarezza mistura e manda, a pretexto de tentar o consenso: mantém o voto proporcional mas divide os Estados em distritos. Consegue, com isso, eliminar a virtude do voto proporcional tal como é hoje, de garantir a presença das linhas ideológicas minoritárias na sociedade pela soma de todos os votos que a legenda teve no Estado. A proposta sugere um referendo para o sistema eleitoral definido pelo Congresso.
 
9. Financiamento privado de campanha 
 
A PEC 352 define que os partidos políticos podem usar recurso públicos, privados ou ambos nas eleições, e que o uso do dinheiro privado será definido pelo “órgão partidário competente”. Portanto, supõe que existirão partidos que usarão dinheiro privado e outros que não o usarão. É uma pegadinha: quando a Constituição passa a dizer que o partido pode pegar dinheiro de empresas para financiar campanhas, na verdade está constitucionalizando o financiamento empresarial. Do ponto de vista do domínio do poder econômico sobre o voto, é trocar seis por meia dúzia: se existirem duas categorias de partidos, um que faz a opção por receber dinheiro privado e outro não, vai ter mais condições econômicas de eleger um candidato aquele que, além do fundo público de campanha, obtiver também dinheiro das empresas. Mantém-se a lógica do sistema atual, baseado na captura do poder político pelo poder econômico. Na justificativa da proposta, afirma-se que “a liberdade dos partidos para escolher as fontes de financiamento de suas campanhas” (público, privado ou ambos) foi uma opção do grupo de trabalho por “sugerir a consagração constitucional (…) da autonomia partidária”. Piada pronta: não existe opção por financiamento público exclusivo se o concorrente por fortalecer seu caixa com dinheiro de empresas.
 
10. Para criar novos partidos serão necessários menos apoios. Talvez não precise de nenhum
 
Hoje, para se criar um partido, é necessário colher a assinatura de eleitores correspondentes a 0,5% dos votos válidos dados na eleição anterior para a Câmara dos Deputados (menos brancos e nulos), distribuídos por pelo menos um terço dos Estados, com no mínimo 0,1% do eleitorado que tenha votado em cada um deles. A Emenda Vaccarezza reduz a exigência de apoios para 0,4% do total nacional de eleitores e 0,1% em pelo menos um terço dos Estados e abre uma possibilidade que existia na lei orgânica anterior à democratização: o simples apoio de pelo menos 5% dos deputados federais torna possível o registro de um novo partido, independentemente da adesão dos eleitores à criação dos partidos.

http://cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FPolitica%2FAs-10-armadilhas-da-Emenda-Vacarezza-%2F4%2F32984

 

 

Reforma política: manifestações de junho de 2013 deram o grande impulso ao debate.

[video:https://www.youtube.com/watch?v=c78BoX83tjE

Movimento levou governo e forças progressistas a abraçarem a tese de mudanças radicais no sistema político. Mas é claro que o conservadorismo deu o troco.

As manifestações de junho de 2013 produziram dois grandes movimentos na política institucional brasileira. Primeiramente, um inspirador momento em que a presidenta Dilma Rousseff conseguiu dar rapidamente a volta por cima e reverter uma estratégia oposicionista de manipulação da opinião pública, destinada a defini-la como a depositária de toda a insatisfação que ganhava as ruas. Naquele momento, a presidenta leu corretamente a ansiedade dos jovens manifestantes e ofereceu como resposta a adesão pública, clara e incondicional à tese de reforma política. 
 
A leitura que Dilma fez do momento político foi a de que as instituições democráticas eram colocadas em xeque por uma juventude que não via saída num sistema político vulnerável demais ao poder econômico e à corrupção, e portanto impermeável à contribuição transformadora de uma geração de novos brasileiros que adquirira maior escolaridade que os pais e tinha expectativas também maiores para o futuro, entre elas a de serem cidadãos com plenos direitos. A presidenta abraçou a tese da reforma política sugerindo que ela fosse realizada por uma Constituinte convocada para este fim, por plebiscito. Mais tarde, recuou para a proposta de uma reforma legitimada por um referendo popular.
 
O PT, desde a condenação dos réus do chamado Escândalo do Mensalão, no final de 2012, já havia definido a reforma política como grande bandeira. A proposta do partido da presidenta, para a qual são coletadas assinaturas para apresentação de um projeto de iniciativa popular ao Congresso (são necessárias 1,5 milhão de apoios para isto), sugere a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva para fazer uma reforma, o financiamento público de campanha como exclusivo, a votação em listas partidárias (e não mais nos candidatos) para cargos legislativos e aumento da participação das mulheres nas listas de candidatos dos partidos. 
 
Também como produto das manifestações de 2013, movimentos sociais e instituições da sociedade civil que anteriormente se mobilizaram para coletar assinaturas para o projeto de iniciativa popular Ficha Limpa, aprovado em 2010 pelo Congresso, constituíram uma Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas. O movimento, que hoje congrega 103 entidades, fez um projeto reunindo temas de consenso entre as entidades e desde então coleta assinaturas para apresentá-lo ao Congresso como projeto de iniciativa popular. Por garantia, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) perfilou o projeto e apresentou-o oficialmente à Câmara. Teoricamente, ele hoje já se encontra em tramitação na Câmara, mas a preferência da Coalizão é que se consiga colher 1,5 milhão de assinaturas necessárias para um projeto de iniciativa popular e apresentá-lo nessas condições ao Congresso e à sociedade. Essa estratégia política foi eficiente em 2010, quando a força do apoio popular acabou vencendo as resistências corporativas de deputados e senadores ao projeto chamado Ficha Limpa, que proíbe a eleição de pessoas condenadas pela Justiça por decisão de órgãos colegiados, ou que tiveram os mandatos cassados ou renunciaram para fugir à cassação.
 
Consolidou-se, entre os setores progressistas, a ideia de que as eleições limpas passavam obrigatoriamente pelo fim do financiamento empresarial de campanha; que a coligação em eleições proporcionais produz distorções graves no resultado eleitoral, isto é, deixam de traduzir a escolha do eleitor nas eleições parlamentares; que igualmente incabível é a forma de escolha do suplente do senador; e de que são necessários mecanismos para defender o sistema político de legendas de aluguel, sem expressão popular mas que partilham dos benefícios do Fundo Partidário e negociam com tempo de horário eleitoral gratuito. 
 
Resolver as distorções sobre o voto do eleitor e reduzir ao máximo a influência do poder econômico no pleito foi o sentido geral dessas iniciativas. Embora com propostas diferentes em alguns aspectos, Coalizão, partidos de esquerda e governos concordam com esse diagnóstico.
 
O segundo movimento político foi um contra-movimento. Enquanto Dilma falava em plebiscito e Constituinte para a reforma política, os movimentos sociais se organizavam e os partidos de esquerda rediscutiam as mazelas da democracia brasileira, o então presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) encenava uma ação de urgência naquela casa legislativa, teoricamente destinada a dar uma resposta rápida do Legislativo às manifestações de descontentamento com os políticos, mas que na verdade deveria servir para esvaziar as forças que propunham mudanças substantivas na política brasileira.
 
Foi assim que a PEC 352/2013 nasceu. Um ato da Presidência da Câmara de julho de 2013 criou um Grupo de Trabalho “destinado a estudar e apresentar propostas referentes à reforma política e à consulta popular” e deu a coordenação ao deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) – contra a própria decisão do PT, que tinha escolhido o deputado Henrique Fontana (PT-SP), com mais qualificações para o debate, e discernimento para não ser usado em uma manobra que se encenava com o objetivo de abortar uma reforma política de fato. Fontana recusou-se, então, a fazer parte da Comissão, e o PT indicou para este fórum o então deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), hoje ministro das Comunicações.
 
Para os ingênuos, pode ter “colado” a justificativa de que era possível reunir 18 deputados de diferentes partidos, e com diferentes graus de comprometimento com a política tradicional e com o poder econômico financiador dessa política, e que uma negociação exaustiva entre essas pessoas levaria a um consenso em torno de matérias que vão da gaveta para o plenário, e do plenário para a gaveta, desde a promulgação da Constituinte de 1988, devido a profundas discordâncias políticas e ideológicas que provocam. Não é bem assim. A Comissão da Reforma Política forjou um “consenso” já na escolha de seus integrantes, que majoritariamente respondiam a interesses políticos e econômicos com posição consolidada dentro do Legislativo. A deputada Luiza Erundina (PSB-SP), que tinha também sólida posição sobre o tema e apenas conseguiu integrar a comissão numa “cota” feminina, retirou-se antes que os trabalhos terminassem, denunciando que estava em curso uma “farsa”.
 
Ao cabo de 13 reuniões e duas audiências públicas, o coordenador Cândido Vaccarezza assumiu a autoria do que é definido pela deputada Luiza Erundina como um “mostrengo”, como uma “farsa” pelo deputado Henrique Fontana (PT-RS) e como uma “contrarreforma” pelo ex-deputado Aldo Arantes, que hoje representa a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na Coalizão pela Reforma Política. 
 
Vaccarezza produziu algo insólito na história petista. Conhecido por ser o partido que tem mais disciplina interna, o PT assumiu uma proposta de reforma política baseada no fim do financiamento privado de campanha. Vaccarezza, um parlamentar de sua bancada, todavia, assumiu a paternidade de uma proposta cuja aprovação jogaria  por terra as decisões partidárias sobre o tema. Hoje, o maior inimigo do projeto de reforma política do PT é a PEC Vaccarezza. O PT desautorizou o deputado depois que ele oficializou a PEC 352 como um “consenso” do grupo de trabalho, mas já era tarde. A construção diabólica dos parlamentares orquestrados por Alves estava lá, na gaveta, pronta para seguir ao plenário quando o movimento contrarreforma estivesse fortalecido – como está agora pela ascensão do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à Presidência da Câmara.
 
Em 2013, o discurso do então presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves, dos adeptos da mudança para manter tudo como está e do coordenador do grupo era a de que a Casa se mobilizara rapidamente diante das manifestações e daria uma “resposta ao clamor das ruas”. O que vai acontecer, de fato, se por uma fatalidade a PEC for aprovada, será manter a rapina sobre o voto popular pelo poder econômico. 
 
Vaccarezza, a pretexto de contentar todos os deputados que têm posições absolutamente distintas sobre o tema, tentou algumas mágicas. Em vez de simplesmente propor a proibição do financiamento empresarial de campanha, por exemplo, definiu um fundo público para a campanha, mas deu aos partidos políticos a opção de usar financiamento privado. Teoricamente não derrubou o voto majoritário para as eleições proporcionais, mas instituiu um “distritão”, a divisão do eleitorado estadual em distritos. Derrubou a permissão da reeleição sem mexer no tamanho do mandato presidencial – quando existia o consenso de que no mínimo ele teria que ser aumentado para cinco anos, se fosse impedido ao governante disputar mais um mandato. 
 
Leia, em seguida, matéria que detalha o conteúdo da PEC 352, cuja tramitação é feita a toque de caixa pelo deputado Eduardo Cunha. 

 

Redação

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