Desastre à espreita, por José Roberto de Toledo

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – Se privatização tem mérito ou não é uma questão que passa longe de Temer, pois que está querendo vender o que não lhe pertence. Assumindo o governo via golpe, tirou de Dilma a procuração dada pelos proprietários dos bens deste país. Via voto. Segundo José Roberto de Toledo, em seu artigo no Estadão, são esses proprietários que têm o poder de dizer se querem a venda do patrimônio público. Junte-se a isso a desaprovação crescente de Temer, que já bate 93%, faltando muito pouco para ser uma unanimidade, o que o desautoriza mais ainda.

Para Toledo, Dilma pelo mesmo motivo que Collor, por prometer algo em palanque e fazer o oposto. Temer, por seu turno, não prometeu nada, mas herdou cargo, compromisso e promessas de Dilma, a titular do cargo.

Mas não é isso que vem ao caso. O que vem é uma “Ponte para o futuro”, que não foi referendada por votos. E, num Congresso questionável, ninguém condicionou seu voto à venda da Eletrobras e a entrega da Reserva Nacional do Cobre.

O que temos é uma crise de representatividade, com representados sendo traídos pelo eleito, ou pelo que tomou o poder. Temos um país que clama por qualquer coisa que possa salvá-lo, inclusive em onda militarista por obra de um presidente que consegue o feito histórico de ser o mais impopular que se tem registro.

Junte-se a isso a desmoralização que também atinge o Judiciário, com a “contribuição diária da toga falante” e omissão dos que estão calados. No caldo, a perda de respeitabilidade que acomete partidos políticos, Congresso e Presidência, acenando para um célere desastre, logo ali, antes do fim do túnel.

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Desastre à espreita

por José Roberto de Toledo

Méritos e possíveis vantagens da privatização à parte, Michel Temer está querendo vender algo que não lhe pertence. A procuração dada pelos proprietários à representante que ele substituiu não fala nada em entregar patrimônio público para cobrir um buraco – buraco que Temer não foi o primeiro a cavar mas ajudou a aprofundar. Até que o eleitor diga que é isso que quer, alienar florestas e estatais causará desconfiança e suspeição – especialmente quando 93% desaprovam o presidente.

Collor e Dilma caíram após prometeram uma coisa em campanha e fazerem o oposto. Temer não prometeu nada, mas herdou cargo, compromissos e promessas da titular. Ele pode achar que não. Pode crer que chegou lá por suas ideias e convicções. Mas a “Ponte para o futuro” não recebeu um sufrágio sequer. Alavancou outras contrapartidas, eventualmente, mas voto nenhum.

Nem mesmo forçando a barra e considerando-se a votação que afastou Dilma como “eleição” de Temer. Aconteceu de tudo naquele plenário da Câmara, mas ninguém bradou “pela venda da Eletrobras e pela entrega da Reserva Nacional de Cobre” enquanto embargava a voz, vestia a bandeira brasileira e posava para as câmeras. Talvez uns tenham pensado no cobre, mas não puderam vocalizar.

Afundando o poço da crise política está a crise de representatividade. O eleito pode esquecer suas obrigações, mas quem o elegeu lembra. Lembra especialmente do que não delegou ao seu representante. Se vê o eleito fazendo algo que não estava combinado, é natural que se sinta contrariado. Se isso acontece sempre, é de se esperar que ele desacredite as instituições. Não à toa, estão todas nas valas mais fundas de sua credibilidade.

Temer acreditou em algum acólito de segunda mão que lhe vendeu uma ideia fora do lugar. Acha que vai entrar para a história como “o presidente das reformas”, como quem fez o que precisava ser feito mas ninguém tinha coragem de fazer. Não vai. Collor não é lembrado por abrir a economia do país, mas pelo Fiat Elba, por PC Farias e por ter sido o primeiro impedido pós-ditadura.

Se a preocupação de Temer é com a posteridade, algum sabujo poderia lembrá-lo de que ele já é histórico. É o presidente mais impopular que se tem registro. Não é pouco, considerando-se a concorrência. Ele superou Dilma, Collor e até Sarney. Dificilmente alguém vai conseguir batê-lo tão cedo. Parabéns.

A avalanche da desmoralização institucional demorou mas está alcançando também o Judiciário. Com a contribuição diária da toga falante e graças à omissão de seus colegas de tribunal, os autos se tornaram incomparavelmente menos loquazes do que as entrevistas, notas, tuítes e posts dos magistrados. Juízes que se julgam acima dos outros não têm quem os contradiga. Quem se arrisca a contrariá-los está a uma sentença do arrependimento.

Como diria aquele investigado, com o Supremo, com tudo. Partidos políticos, Congresso e Presidência da República estão perdendo os últimos traços de respeitabilidade aos olhos do público. O desastre está à espreita. É no pascigo do descrédito institucional que se alimentam vivandeiras e promotores do ódio. É também uma oportunidade de negócio para marqueteiros virtuais que fazem dinheiro sublocando MAVs e manipulando a mídia social.

Nesse ambiente insalubre, reproduz-se com velocidade exponencial o discurso militarista. Um jovem e seu computador criam uma página no Facebook, gravam um vídeo por dia e em menos de dois meses têm meio milhão de seguidores. Suas gravações são vistas e compartilhadas milhões de vezes. Não é hipótese, mas um exemplo. Como ele, há outros. E outros. No que isso vai dar? Estamos prestes a descobrir.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

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  1. Está aí um dos poucos

    Está aí um dos poucos jornalistas que se salvaram nesses tempos sombrios,muito sombrios:José Roberto Toledo.Eu levo em cosideração tudo que ele escreve e opina.

  2. Governo de quem, para quem, a quem representa?

    É um golpe porque é uma uma proposta, um projeto, que foi derrotado nas urnas; o povo, os eleitores não referenderam tal projeto político e econômico.

    Portanto, tudo o que tem feito não é legítimo, não tem respaldo, é ilegal, imoral, e não tem validade.

  3. Para a Justiça brasileira a
    Para a Justiça brasileira a cocaína no #Helicoca do Perrella não é do Perrela, mas o apartamento de uma construtora é do Lula.

    A incapacidade que os juízes tem de entender um conceito singelo (propriedade) justifica a importação de juízes.
    https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/o-neoliberalismo-venceu-e-ja-podemos-importar-novos-juizes-por-fabio-de-oliveira-ribeiro

    Nenhum juiz importado condenaria Rafael Braga por porte de Pinho Sol sem mandar para a cadeia o fabricante deste explosivo que não explode.

  4. Os analistas da grande

    Os analistas da grande imprensa, incluindo os mais sensatos e de alguma credibilidade a exemplo desse do Estadão, primam em dar uma no cravo outro na ferradura nos seus artigos. Quando o tema envolve, mesmo que indiretamente,  o PT e seus ex-presidentes, Lula e Dilma, há sempre uma maneira de enfiá-los à fórceps e com viés depreciativo.

    Dilma não “caiu” por ter não ter cumprido o prometido, e sim, pelo não prometido. Crise econômica nenhuma teria a capacidade de per si derrubar um(a) presidente legitimamente eleito. Dilma caiu, como a posteriori se constata, porque se negou a cumprir a agenda que Michel Temer tenta agora enfiar goela adentro do brasileiros. Secundariamente, em razão da perda de apoio no Congresso face não ter se empenhado em “parar essa p….”(apud senador Romero Jucá). 

    1. É que ou o empregado do

      É que ou o empregado do Estadão faz assim, caro JB, ou está fora. Pode até ser que não seja demitido (ou que não tenha seu contrato de PJ rescindido) mas caso não siga a ordem que o patrão “sugere”, fica difícil se manter com prestígio, vai caindo no ostracismo até ficar chato para ele frequentar a redação. A pressão, nesse caso, vem até dos focas, pretendentes à posição de Toledo e dispostos a fazer de tudo por dinheiro e fama. Comumente esses pimpolhos acabam mais realistas que o rei.

      Mas a ordem, todos sabemos:

      1 – Antipetismo (mas não pelo PT especificamente; fosse outro tentando estabelecer o mínimo de estado de bem estar social seria escurraçado da mesma forma. Só pode de FHC para baixo… ou melhor, para a direita.)

      2 – Queimar a turma de Cunha, da qual Temer é vitrine mas (ou justamente por isso) figura de menor poder. Essa turma é assumidamente mafiosa e a firma OESP não, gosta de tentar manter uma certa fleuma liberal.

      3 – Desacreditar de qualquer instituição democrática, pública, até para tornar mais fácil sucatear o estado. Aqui há dois poréns: uma que a Justiça, como instituição democrática, faz por merecer o descrédito. Ou seja, OESP (e demais associados do Instituto Millenium, Liberal etc.) e Justiça alinhados em jogar o que é público no lixo. Mesmo porque esses acusadores da Lava Jato, procuradores e juiz, são também alinhados a esse privatismo, são privatistas infirtrados na res publica. O segundo “mas” fica por conta de tentativa de disfarce da linha editorial, um pseudo contraponto. Vai que algum leitor desconfie de que essa firma, OESP, está manipulando e sendo “direitista demais”, né?

      – “Como assim, ‘direitista’? Um jornal que publica até Toledo metendo o pau na mesma Justiça que condenou Dilma e Lula deve ser chamado é de plural, democrático.”

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