Finde/GEEP - Democracia e Economia
O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino. O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas.
[email protected]

Deslocamento forçado no Brasil, por Samuel de Paula

Com o avanço do aquecimento do planeta, é esperado um aumento no deslocamento populacional causado por desastres naturais

do MigraMundo

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

Deslocamento forçado no Brasil: reflexão sobre o impacto humanitário da crise climática para o desenvolvimento econômico

por Samuel de Paula[1]

O deslocamento forçado é um dos impactos humanitários mais frequentes e imediatos causados por desastres naturais. Quando as pessoas são obrigadas a abandonar suas casas, especialmente quando não conseguem retornar por um longo período, isso tende a aumentar as necessidades humanitárias e expõe essas pessoas a outros riscos significativos relacionados ao deslocamento. Altos níveis de deslocamento prejudicam o desenvolvimento sustentável e têm o potencial de enfraquecer avanços já conquistados, especialmente se as necessidades das pessoas afetadas não forem devidamente atendidas (UNDRR – Estratégia Internacional das Nações Unidas para a Redução de Desastres -, 2019).

Com o avanço do aquecimento do planeta, é esperado um aumento no deslocamento populacional causado por desastres naturais, uma vez que os eventos climáticos extremos se tornam mais frequentes e intensos, especialmente em nações em desenvolvimento[2]. Além dos efeitos diretos nas pessoas deslocadas, o deslocamento causado por desastres pode também acarretar consequências adversas para aqueles que não passam pelo deslocamento. Num horizonte longo de tempo, o deslocamento prolongado tem implicações econômicas e sociais que exercem um considerável atraso na capacidade de um país alcançar seus objetivos gerais de desenvolvimento (UNDRR, 2019).

Segundo o relatório do IDMC – Internal Displacement Monitoring Centre (2018), somente em 2018 nas Américas, ocorreu o deslocamento de um total de 1.687.236 pessoas devido a desastres naturais, com destaque para tempestades, inundações e incêndios descontrolados. No Brasil, especificamente, esse número foi de 85,6 mil pessoas, o que representou aproximadamente 5% do total.

No gráfico 1, analisando a série histórica de 2012 a 2021, percebe-se que a média dos deslocamentos no Brasil situou-se na média dos dez países que compartilham fronteiras. Com exceção de 2013, sempre que os casos de deslocamentos aumentavam ou diminuíam nos países vizinhos, o Brasil acompanhava o movimento. Os principais eventos que levaram os países vizinhos a ultrapassar 300 mil deslocados em 2014, 2017 e 2022, foram: inundações na região de Beni, na Bolívia, em 2014, resultando em 190 mil deslocamentos; cheia do rio Paraná, que deslocou 84 mil pessoas no Paraguai, também em 2014; o conhecido El Niño costeiro no Peru, causando aquecimento do oceano e inundações que resultaram em 293 mil casos de deslocamento em 2017; e, por fim, em 2022, eventos distintos de enchentes nas regiões de Sucre, Bolívar, La Guajira e Córdoba, na Colômbia, registrando mais de 125 mil casos de deslocamento (eventos citados retirados da base de dados do IDMC).

No entanto, a partir de 2019, a série histórica do Brasil apresentou um crescimento exponencial, ultrapassando, em todos os anos, a série dos países vizinhos. Em 2021, os países vizinhos tiveram um registro de 75,5 mil casos de pessoas deslocadas, enquanto o Brasil contabilizou 449,2 mil, representando quase 600% do total dos vizinhos.

No período compreendido entre 2019 e 2022 (gráfico 2), o Brasil vivenciou diversos eventos que ocasionaram deslocamentos populacionais significativos. No ano de 2019, enchentes na região Norte afetaram mais de cem municípios dos estados de Amazonas e Pará, resultando em mais de 86 mil deslocados. No mesmo ano, o estado de São Paulo, foi atingido por enchentes em mais de 26 municípios, resultando em um deslocamento de mais de 36 mil pessoas. Na região Nordeste, estados de Alagoas e Piauí também enfrentaram enchentes que registraram mais de 70 mil casos de deslocamento. No ano seguinte, em 2020, os principais eventos que causaram deslocamentos de mais de 353 mil pessoas em todo o país foram ligados a tempestades. Em 2021, o país registrou um total de mais de 411 mil casos de deslocamento, sendo 230 mil devido a tempestades e 181 mil por conta de enchentes em diversas regiões. Uma novidade no panorama dos deslocamentos em 2021 foi o registro de 35 mil casos ocasionados por massa de ar seco, mostrando a diversidade e complexidade dos eventos que podem afetar a população. Em 2022, ocorreu um pico significativo de deslocamentos, registrando o maior número desde o início do levantamento dos dados. Os principais eventos desse ano foram tempestades, que afetaram mais de 300 mil pessoas, concentrando-se nos estados de Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Alagoas e Pará. Além disso, enchentes também causaram grande impacto, atingindo principalmente os estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pará, Alagoas, Amazonas e Santa Catarina, totalizando mais de 200 mil casos de deslocamento.

Por fim, é notável que as principais ocorrências responsáveis pelo deslocamento de um grande número de pessoas no Brasil são as enchentes, que apresentaram mais de 1,24 milhão de casos ao longo desses anos, representando 54,2% das causas, e as tempestades, com mais de 950 mil casos, totalizando 41,5% das causas(gráfico 3). Juntas, essas duas situações constituem mais de 95% das razões para o deslocamento no país. Vale ressaltar que a severidade da massa de ar no Brasil está aumentando, como pode ser observado, representando quase 4% das causas, levando as pessoas a se deslocarem devido à incapacidade de lidar com essa mudança. Só no ano de 2022, o Brasil depreendeu de R$1,57 bilhões em despesas com defesa civil e ações de proteção[4].

Diante dos eventos recentes, que têm se mostrado cada vez mais frequentes no país, requerem não apenas medidas de mitigação e redução de seus impactos, mas também cuidados imediatos para evitar que se tornem ainda mais severos e insuportáveis no futuro, resultando em um aumento dos casos de deslocamento, como tem sido observado, de forma exponencial, no Brasil.

No momento em que o debate sobre o desenvolvimento econômico e social do país e o compromisso com a transição climática retornam à agenda de políticas públicas do governo, atenção aos efeitos dos deslocamentos involuntários torna-se tema da maior relevância pelos impactos humanitários no curto prazo, e para o desenvolvimento econômico no longo prazo.

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp


[1] Mestrando em economia na Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, Brasil. E-mail: [email protected]

[2] IPCC, Alterações Climáticas, Impacto Adaptação e Vulnerabilidade de 2014, Resumo para Decisores (Cambridge University Press 2014) 20< https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2018/03/ar5_wg2_spmport-1.pdf> acessado 22 abril 2023.

[3] Global Internal Displacement Database: O banco de dados do IDMC visa fornecer informações abrangentes sobre o deslocamento interno em todo o mundo. Abrange todos os países e territórios para os quais a IDMC obteve dados sobre situações de deslocamento interno e fornece dados sobre situações de: Deslocamento interno associado a conflitos e violência generalizada e deslocamento associado a desastres relacionados a riscos naturais de início súbito. O número de deslocamentos internos refere-se ao número de movimentos forçados de pessoas dentro das fronteiras de seu país registrados durante o ano. Os número podem incluir indivíduos que foram deslocados mais de uma vez. Ver,  ‘Como monitoramos’ para saber com detalhes como a agência monitora os deslocamentos < https://www.internal-displacement.org/monitoring-tools >. Acessado 26/07/2023.

[4] Os dados podem ser revisados com mais detalhes no portal transparência da união. < https://portaldatransparencia.gov.br/programas-e-acoes/acao/22BO-acoes-de-protecao-e-defesa-civil?ano=2022 > acessado em 26/07/2023.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Finde/GEEP - Democracia e Economia

O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino. O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas.

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador