Entenda a briga ideológica em torno da palavra genocídio, por Luis Nassif

Aceitar a tese de genocídio para Bolsonaro significaria estender o conceito para todos os abusos cometidos pelo Estado contra vulneráveis

Não imagine que a discussão sobre se Jair Bolsonaro cometeu ou não genocídio seja em relação à sua atuação. O buraco é mais embaixo.

Por trás dela, está um dos ideólogos da ultradireita brasileira, o geógrafo Demétrio Magnoli. É uma pessoa preparada, mas em constante guerra cultural, um autêntico filho da guerra fria dos anos 60. Participou das cenas ridículas de recepção de uma blogueira cubana que veio ao Brasil, reedição de Juanita Castro e de outros personagens bastante utilizados em 1964. E, na fase mais pesada do macarthismo, notabilizou-se, ao lado de Reinaldo Azevedo, por delatar colegas, professores e intelectuais de pensamento diverso.

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No apogeu do macarthismo, por exemplo, dedurou um colega na Folha, por supostamente proteger Lula. A intenção óbvia era induzir a Folha a tirá-lo do corpo de colunistas.

Ghostwriter do senador Demóstenes Torres – no combate às cotas raciais, em sessão do Supremo Tribunal Federal – ganhou uma página inteira de Otávio Frias Filho para atacar os repórteres que escreveram a matéria. Tratou-os como delinquentes

Sendo secundado por Reinaldo Azevedo.

Não se tratava de mera polêmica sem modos. Naqueles anos, de profunda criminalização do PT e das esquerdas, acusações dessa natureza eram covardes, tinham o mesmo impacto das deduragens do regime militar,

Faço essa introdução para que entendam melhor a história do genocídio, encampada pelo editorialista de O Globo – aliás, provavelmente o mesmo que saudou a reforma administrativa, como instrumento para evitar o aparelhamento do Estado, mostrando ignorar que multiplicaria por 10 os cargos comissionados.

Tem-se hoje, no Brasil, genocídio claro das Polícias em relação à população negra e favelada. Há números eloquentes sobre o tema. O mesmo ocorre em relação às populações indígenas e quilombolas. Ao mesmo tempo, os órgãos de mídia são extraordinariamente ignorantes em relação a temas básicos civilizatórios: emprenham-se pelo ouvido, por slogans. E Magnoli é seu Diógenes, que acende a lanterna para levá-los para o meio do pântano da falta de direitos.

Aceitar a tese de genocídio para Bolsonaro, segundo a provável leitura de Magnoli, significaria estender o conceito para todos os abusos cometidos por agentes do Estado contra populações vulneráveis. Criaria um enorme argumento para que esses seres incômodos – as vítimas das violências – possam bradar por seus direitos.

Foi apenas isso, ideologismo rasteiro que provocou, aliás, manifestações irônicas de juristas, acerca da superficialidade das críticas ao uso da palavra genocídio.

Luis Nassif

5 Comentários

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  1. Admiro muito você Luis, mas a discussão da CPI não pe o genocídio negro, mas sim o indígena. A discussão é outra, com todo respeito. Abraços e força na luta companheiro!

    1. Concordo, embora não tenha entendido o contrário.
      Generalizar genocídio é a “mórmoleza”.
      Por outro lado genocídio não significa extermínio (“bem sucedido”), pois se assim fosse, não teríamos mais judeus, ciganos, bósnios, índios americanos, etc.
      Significa, estando em posição relevante da cadeia de poder, contribuir, omitir, incentivar a eliminação metódica ou indiferente de grupos, como os nossos indígenas .
      Mesmo a discussão da intenção (dolo) não pode se ater à identificá-la nas “profundezas da alma” dos supostos genocidas, posto que isso seria impossível.
      Podmos, objetivamente, identificar os fatos relacionados: opiniões emitidas combinadas com ações ou omissões relacionadas que conduziram ou facilitaram o processo efetivamente.
      No caso, são inúmeros os fatos: insinuar que indios são”inúteis”, “precisam ser” integrados (à civilização cristã?), apoio a invasões e devastações madeireiras, garimpeiras, grilagens ruralistas, não agir para proteção sanitária especifica, infiltrar e cooptar publicamente lideranças divergentes, etc.
      Tudo estando.no “seu” palácio, com o “seu” exército, os seus ministérios, enfim, com a faca e o quejio, oops, a caneta e a chave do cofre nas mãos. Não precisa mandar, basta deixar que ocorra, não impedir, sabendo e podendo fazê-lo!
      A teoria do “domínio do fato”?
      Difícil, pelo menos neste caso indígena, não caracterizar o despresidente adolinquente como genocida.
      Chorar no banheiro não o exime…

  2. Perfeito, Nassif. Mas você esqueceu de dizer que um genocídio só se torna realidade com apoio bancário/financeiro, engajamento político de milhares de pessoas, omissão das autoridades encarregadas de impedir a matança e normalização da violência pela imprensa ou por parte dela.
    Tudo isso ocorreu no Brasil. O maldito jornalista que você mencionou é o ideólogo da desumanização das vítimas e da suspensão do direito delas à vida.

  3. Dificil mesmo são os deputados entenderem o que é genocidio. Vão no dicionário e mesmo assim , não vão entender.
    Logo quem vai ter que assumir a missão de detonar o Bozo genocida são os eleitores. Esses não discutem a linguagem pois todos sentiram o pouco caso do governo com a nossa saúde.

  4. O Magnoli NÃO É GEÓGRAFO!! Vou repetir três vezes para ver se aprendem. O Magnoli NÃO É GEÓGRAFO!!O Magnoli NÃO É GEÓGRAFO!!O Magnoli NÃO É GEÓGRAFO!! Ele fez pós na Geografia/FFLCH/USP, isso não lhe confere o título de GEÓGRAFO!!

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