Entender as ruas, por André Singer

Entender as ruas

Por André Singer

Da Folha de S. Paulo

Resposta do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff: “Estamos numa situação de ponto de interrogação. Dependemos do calor da rua, do avanço do processo judicial e da mídia” (Folha, 26/3). Em que pese a hipótese de impedimento equivaler, desde o meu ponto de vista, a um golpe branco, é verdade que a temperatura das manifestações irá influenciar o processo.

Dados obtidos por quatro pesquisas realizadas no domingo 15 de março em São Paulo (Datafolha e Fundação Perseu Abramo) e Porto Alegre (Índex e Amostra) dão boa ideia de qual o estado de espírito dos que têm se manifestado contra o governo. A constatação imediata mais importante é que a maioria não saiu de casa para pedir o impeachment. Mesmo podendo escolher mais de uma alternativa, apenas 27% dos entrevistados pelo Datafolha citaram tal motivo para ir à avenida Paulista. Em Porto Alegre, com resposta única, menos de 10% apontaram a opção radical.

Fica claro, portanto, que embora os grupos pró-impeachment sejam ruidosos, o grosso dos que decidiram se mobilizar é mais moderado. Cabe a uma oposição responsável reforçar tal tendência sensata, em lugar de flertar com teses antidemocráticas, como se vê aqui e ali. Até porque, embora não tenha sido o móvel principal do dia 15, o impeachment está na cabeça dos descontentes.

De acordo com a Fundação Perseu Abramo (FPA), 77% dos que estavam na Paulista eram favoráveis ao impedimento. Tal cifra é coerente com a encontrada em Porto Alegre. De onde se deduz que expressiva parcela dos manifestantes é simpática ao impedimento, mas não está engajada agora em tal movimento e é preciso impedir que isso venha a acontecer.

A julgar pelas informações coletadas pela FPA, há espaço para tanto. Quase 60% dos manifestantes em São Paulo giravam ao redor do centro ideológico. A maioria relativa (36%) colocou-se no centro propriamente dito, em uma escala esquerda-direita de 1 a 7. Outros 17% postaram-se na centro-direita. Houve até mesmo 6% que se localizaram na centro-esquerda. Apenas um quarto identificava-se com as posições de direita (8%) e extrema direita (17%).

Esteve certo o ministro José Eduardo Cardozo ao afirmar, na noite do 15 de março, que o Executivo se encontrava aberto ao diálogo. Existe a possibilidade de isolar os golpistas e estabelecer pontes com o centro. Mas, para isso, é necessário tornar efetivas as propostas de conversar com a sociedade mobilizada, incluindo também, é claro, os representantes dos que se manifestaram no dia 13 de março contra o ajuste (assunto para outra coluna). A mobilização social abre possibilidades de repactuação. Cabe às lideranças políticas, com paciência e determinação, aproveitá-las.

ANDRÉ SINGER escreve aos sábados nesta coluna.

[email protected]

Redação

10 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Ah, as pesquisas e suas

    Ah, as pesquisas e suas interpretações. Que terreno! Quer dizer então que X% se declararam favoraveis ao impeachment. X% que participaram da manifestação pelo impeachment. Tá, sei. E ali, na Paulista, ninguem era “de direita”, todo mundo “de centro”. É verdade que a maior parte deles, provavelmente, acha que preto fede, que pobre é vagabundo e que só ele, branquinho cheiroso, sabe votar. Mas ele…é de centro.Uu “ela”, já que a direita é inclusiva em questões de gênero… Ah, que mundo esse do centro! DAqui a pouco vão dizer que Aécio é de centro. Não, já dizem. Só Bolsonaro deve ser de direita. Lembro-me de uma piada de um velho militante do Partidão, inconformado com as conveniencias de seus chefes: daqui a pouco vamos fazer aliança com o setor não fascista do Esquadrão da Morte.

    1. Gosto de ler os comentários

      Gosto de ler os comentários porque eles, muitas vezes, são mais lúcidos do que os artigos em destaque.

      De fato, muito sentato, prudente, ponderado, científico o texto de Singer…

      Mas, perdoa-me, professor, eu adoro este aforismo do “Dialética do esclarecimento”, de Adorno e Horkheimer: 

       

      “Uma das lições que a era hitlerista nos ensinou é a de como é estúpido ser inteligente. Quantos não foram os argumentos bem fundamentados com que os judeus negaram as chances de Hitler chegar ao poder, quando sua ascensão já estava clara como o dia! Tenho na lembrança uma conversa com um economista em que ele provava, com base nos interesses dos cervejeiros bávaros, a impossibilidade da uniformização da Alemanha. Depois, os inteligentes disseram que o fascimo era impossível no Ocidente. Os inteligentes sempre facilitaram as coisas para os bárbaros, porque são tão estúpidos. São os juízos bem informados e perspicazes, os prognósticos baseados na estatística e na experiência, as declarações começando com as palavras: “Afinal de contas, disso eu entendo”, são os staments conclusivos e sólidos que são falsos.

      Hittler era contra o espírito e anti-humano. Mas há um espírito que é também anti-humano: sua marca é a superioridade bem informada.

       

      Se “eles” quiserem derrubar a Dilma, ele vão derrubar e fim de papo. 

  2. O flerte com o golpe

    Ándré Singer fez uma análise sensata,  baseada em estátiscas. Mas, no seu texto elegante, deveria ter citado ou destacado os que flertam com o impeachment. Um dos primeiros nomes (senão o primeiro) teria que ser o do sociologo ex-presidente FHC que, quase que diariamente, dá entrevistas irônicas e agressivas contra o atual governo. Ele e a mídia esquecem (ou fim que qe esquecem) os malfeitos de suas duas presidências. Em especial, os conchavos políticos que ele e o seu partido (PSDB) fizeram. Exemplo: ter Renan Calheiros como ministro da Justiça. Aliás o cargo foi preenchido por oito ou dez vezes nos 2 mandatos. Ninguém esquentava o lugar. Nesse clima de linchamento atual, o destaque a fofoca contra Dilma e a blindagem a fatos graves como a inoperância de Alckmin na crise da água e na (in)segurança pública ou o sono eterno do mensalão tucano, prosseguem intensamente para acirrar o flerte com o golpe. Triste

  3. Um petista autêntico sabe que


    Um petista autêntico sabe que as tais ¨Ruas¨ sóm trazem desgraças e por isso, os regimes mais adoráveis por esses, como o CUbano e correano do norte, Chavesco, etc,  mete a chibata em tais tais

    1. Sobre um comentário “Um petista autêntico sabe que”

      Ô Golbery, (aliás, Golbery de triste memória – você sabe de quem eu estou falando, né?), realmente as ruas só trazem desgraças. Não entendi bem o que você quis dizer, de que lado você está ao falar sobre chibata na Venezuela, etc, (melhore o seu texto), mas fica aqui a minha opinião. Há 50 anos, os progenitores e progenitoras destes que foram às ruas no dia 15, fizeram também uma passeata contra uma pseudo corrupção, contra o comunismo, que segundo eles já estava às portas do Brasil, e mais um monte de asneiras. Não deu outra: foi uma ditadura sangrenta, onde muitos perderam pais, mães, irmãos e amigos, nas mãos de cães raivosos, tal e qual estes que saíram aí em SP e em algumas cidades do Brasil pedindo até a volta da ditadura. Pareciam cães hidrófobos. é bom nos informamos melhor.

  4. “Dados obtidos por quatro

    “Dados obtidos por quatro pesquisas realizadas no domingo 15 de março em São Paulo “

    São Paulo não reflete a realidade do povo brasileiro.

     A outra parte do povo brasileiro e o povão, ainda não sairam às rua para defender a Presidenta e seu governo.

    No dia 13, o movimento foram realizados pelas centrais sindicais e o MST.

    A oposição e o PIG sabem muito bem disso.

  5. Presidenta Dilma

       O maior problema hoje de nossa Presidenta, é que ela esta agindo como uma autista, fechada em seu mundo, como se não houvesse um País a governar.

       Não escuta ninguem, não reage, não toma atitudes.

       Agora corre o risco de perder o apoio do mais poderoso sindicato do país, o dos Petroleiros (já perdeu boa parte do apoio, mas a base está sendo mantida em inercia), pelos seus atos ou, melhor, falta de atitudes, lembrando a música de Zeca Pagodinho “deixa a vida me levar…. a vida leva eu..”

       Os petroleiros se revoltando contra ela (como já está acontecendo), pela sua inepcia e inercia em agir, fazendo um lockout a nível nacional, claramente pela política que está fazendo, contra todos, vai ser dificil de ela se manter no cargo.

       O que segura os petroleiros é a incerteza do que virá depois….

       Mas quem convive na base, como eu, vê, percebe, vive o sentimento anti-Dilma….

       O que nos perguntamos é como tudo mudou tanto, para pior, muito pior, em tão pouco tempo.

  6. diálogo com esse

    diálogo com esse gente?

    impossível!

    os 210 mil que sairam às ruas são ativistas de direita.

    fazem guerra à esquerda e ao PT sempre que tem chance – na internet, no trabalho, na escola, etc.etc.

    o importante é mobilizar o outro lado.

    assim, irão conter seus ânimos.

    oposição responsável hegemonizando o centro?

    sem chance.

    as lideranças de direita é quem comandam o movimento. 

     

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador