Entrega da mala de propina a Loures não é prova porque foi “provocada”, diz advogado

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Foto: Reprodução
 
 
Jornal GGN – A operação da Lava Jato que flagrou a entrega de uma mala recheada com propina a Rodrigo Rocha Loures, homem de confiança de Michel Temer, não pode ser considerada uma “ação controlada” nem ser usada como prova de corrupção passiva porque o evento foi “provocado” com ajuda das autoridades. É o que sustenta o advogado Cesar Bittencourt, defensor de Loures, em artigo divulgado nesta quinta (27) pelo Poder 360.
 
Temer foi denunciado pela Procuradoria Geral da República ao Supremo Tribunal Federal com base na delação da JBS, que admite que entregou ao menos R$ 500 mil a Loures. Para Rodrigo Janot, chefe do Ministério Público Federal, a mala, na verdade, era destinada a Temer, que teria aberto a porteira do governo para a JBS resolver seus problemas em órgãos ligados à Fazenda.
 
Por Cesar Bittencourt
 
No Poder 360
 
Armadilha travestida de ação controlada ou flagrante provocado?
 
A “armadilha” preparada por Joesley Batista –com ou sem conhecimento do MP–, que golpeou o Presidente da República não pode ser, tecnicamente, classificada como “ação controlada” (art. 8º da Lei 12.850/13), na medida em que se amolda, como uma luva, ao denominado “flagrante provocado”, o qual, segundo doutrina e jurisprudência [1], é absolutamente ilegal, por ser ardiloso, fraudulento e representar uma espécie de tocaia aplicada pela autoridade investigadora com finalidade de criminalizar alguém. Neste, no flagrante provocado, ao contrário do que ocorre no flagrante preparado, repetindo, há a atuação decisiva do “agente provocador”, que cria uma situação fantasiosa com a finalidade de induzir o investigado a erro, para fazê-lo infringir a lei penal e incriminá-lo, exatamente como ocorreu no presente caso.
 
Por outro lado, na noite da divulgação em edição extraordinária do Jornal Nacional, o Ministério Público declarou, com ufanismo, que pela primeira vez foi utilizada a figura da “ação controlada” na Lava Jato. As circunstâncias levam a crer, por essa manifestação do Ministério Público, que a fatídica gravação do diálogo com o Presidente Temer fez parte da dita “ação controlada”, aliás, instituto absolutamente inaplicável naquela circunstância, no mínimo, pela absoluta ausência de uma situação de flagrância criminosa, na medida em que foi criada pelo próprio interlocutor.
 
Se essa presunção corresponder à realidade a situação fica muito mais grave, pois as autoridades repressoras (no caso, Ministério Público Federal) fizeram parte dessa “armação” para a autoridade máxima do país. Temos dificuldade em acreditar nessa hipótese, pela dignidade, honestidade, grandeza e seriedade dessas instituições; até porque se ocorreu essa hipótese, a referida gravação é absolutamente nula e imprestável como prova, por ter sido obtida de forma ilícita. Mas, apenas para argumentar, vamos considerar que dita auto-gravação não foi organizada, planejada e dirigida pelas referidas autoridades.
 
Mas, ainda assim, teceremos algumas considerações relativamente aos institutos da “ação controlada” e do “flagrante provocado”, mesmo que ambos sejam absolutamente inaplicáveis ao caso concreto, apenas para contextualizamos esses aspectos.
 
O conceito de ação controlada é dado pelo art. 8º da Lei 12.850 de 13, segundo o qual, consiste em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.
 
É, pode-se constatar, o mesmo conceito geral de retardamento da intervenção policial em busca do melhor momento para a produção probatória[2], porém, incluídos aqui os elementos diferenciadores da obrigação de observação e acompanhamento. Contudo, não se pode ignorar que a hipótese da dita ação controlada destina-se à hipótese de flagrante delito que, pelas finalidades indicadas, o texto legal autoriza o seu retardamento objetivando melhor resultado com essa excepcionalidade funcional (retardo na intervenção policial).
 
Trata-se claramente de uma exceção à regra geral que determina à autoridade pública que proceda à prisão quando em situação de flagrante delito (art. 301 do CPP). Afinal, segundo este artigo, as autoridades policiais e seus agentes têm o dever de “prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”, imediatamente. Não fazê-lo pode configurar crime, como o de prevaricação, por que é seu dever de ofício agir.
 
A partir dessa previsão legal abre-se uma situação de permissividade que afasta a pretensão de ilicitude do tipo, afinal o ordenamento determina uma ação e permite, sob condições, a realização do seu oposto, ou seja, a omissão. Evidentemente, ao tratar-se de um conflito de deveres, resta presente uma situação de justificação procedimental, visto que submetida aos requisitos legais estruturantes da ação controlada.
 
Proponho-nos, ainda que de forma concisa, traçar algumas distinções que nos parecem absolutamente recomendáveis sobre a conceituação de prisão em flagrante, embora não seja disso que aqui se trate. Ocorre o flagrante preparado, que diríamos melhor flagrante esperado, quando o agente infrator, por sua exclusiva iniciativa, concebe a ideia do crime, realiza os atos preparatórios, começa a executá-los e só não consuma seu intento porque a autoridade policial, que foi previamente avisada, intervém para impedir a consumação do delito e prendê-lo em flagrante.
 
Constata-se que não há, nessa hipótese, a figura do chamado agente provocador. A iniciativa é espontânea e voluntária do agente. Há início da ação típica. E a presença da força policial é a “circunstância alheia à vontade do agente”, que impede a consumação. Essa modalidade de flagrante não é atingida pela súmula 145 do STF (Supremo Tribunal Federal), sendo, portanto, a conduta do agente típica, nos termos da tentativa.
 
Já o flagrante provocado, que para nós não passa de um crime de ensaio, tem outra estrutura e um cunho ideológico totalmente diferente. Neste, no flagrante provocado, o delinquente é impelido à prática do delito por um agente provocador (normalmente um agente policial ou alguém a seu serviço).
 
Isso ocorre, por exemplo, quando a autoridade policial ou ministerial, pretendendo prender alguém, contra quem não tem provas, mas que sabe ser autor de vários crimes, provoca-o para cometer um, com a finalidade de prendê-lo em flagrante. Arma-lhe uma cilada para prendê-lo com a “boca na botija”, usando uma expressão de Hungria, similar, pode-se afirmar, a que sofreu Michel Temer no Joesley .
 
Isso é uma representação, pois, o agente, sem saber, está participando de uma encenação teatral. Aqui, nessa hipótese, o agente não tem qualquer possibilidade de êxito na operação representada, configurando-se perfeitamente o crime impossível, sumulado no verbete 145 do STF. Constata-se a presença decisiva do agente provocador, que, a rigor, deveria ser coautor do fato delituoso. Nessa hipótese não, portanto, situação de flagrância.
 
Finalmente, o flagrante forjado, que também não se confunde com o preparado e tampouco com o provocado. Naquele, os policiais “criam” provas de um crime que não existe. É um dos casos mais tristes da rotina policial e que, infelizmente, ocorre com muito mais frequência do que se imagina. A situação mais corriqueira do flagrante forjado ocorre, por exemplo, quando agentes policiais “enxertam” no bolso (ou no automóvel) de quem estão revistando substância entorpecente (ou até mesmo armas). É evidente a inexistência de crime; o que há efetivamente é o abuso de autoridade, devendo responder criminalmente o agente policial.
 
Cezar Bitencourt, 61, é Doutor em Direito Penal pela Universidade de Sevilha, na Espanha. Lá, defendeu a tese “Evolución y crisis de la pena privativa de livertad”. É advogado de Rodrigo Rocha Loures.
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

3 Comentários

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  1. AOS AMIGOS ?
    TUDO!
    AOS

    AOS AMIGOS ?

    TUDO!

    AOS INIMIGOS?

    A LEI!

    Próximo passo, todos inocentados e ainda pedirão fortunas ao país por danos morais. Coitados.

    Enquanto a elite mais burra que já habitou o planeta engedra artimanhas, atalhos e artificios para manter privilégios, os demais 219.837.455 habitantes desse país nunca, jamais, em tempo algum, alcançarão ou terão melhorias em saúde, educação.

    Esporádicos eventos de doações de escovas de dentes serão alardeados com ricas verbas publicitárias os “o governo sempre se preocupando com os mais humildes”. Depois vem Natal, carnaval e la nave va.

    Para vocês que ficam, Tchau! 

  2. sofismas

    Joesley diz que está mantendo tudo sob o controle. Temer lhe indica pessoa de sua confiança. Não fica claro, na gravação, qual o papel do homem de confiança, embora isso possa ser previsto. A polícia percebeu que algo vai acontecer com Loures. Põe Loures em ‘campana’. Aparece a entrega da mala, etc.

    Falar em flagrante provocado é forçar a língua: como a polícia provocou Loures? Joesley segue a trilha do telefonema, e manda entregar o dinheiro ao homem de Temer. Onde a polícia assume papel ativo neste script?

    Direito Penal de ricos é assim, teses pra cá, pra lá, doutores pra cá, e prá lá.  O Direito das teses é o das classes hegemônicas, serve apenas para legitimar qualquer sacanagem dos de cima. Com as classes de baixo, não há discussão. O juiz decide que pinho sol é explosivo e inflamável. Causa finita, não se disccute, os doutores estão dormindo (dormitant, como eles diriam).

    C’est à vomir.

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