Escócia convoca Assembléia Constitucional: independência à vista?, por Rubem Rosental

A premiê da Escócia, Nicola Sturgeon, pretende convocar uma Convenção Constitucional, o que pode indicar uma reviravolta em seu posicionamento anterior de acatar a soberania de Westminster quanto a convocação do referendo sobre a independência

Luis XVI perante o poder soberano da Convenção Nacional Francesa, em dezembro de 1792. | Arquivo Prisma/Alamy Stock Foto

do Chacoalhando 

Escócia convoca Assembléia Constitucional: independência à vista?

por Rubem Rosental*

Após a expressiva vitória alcançada pelo Partido Nacional Escocês (SNP, sigla em inglês) nas últimas eleições para Westminster, o Parlamento do Reino Unido, quando conquistou 47 das 59 cadeiras em disputa, esperava-se que o SNP convocasse de imediato um novo referendo sobre a independência.

O partido se encontrava também fortalecido pela expressiva votação obtida para o Parlamento Escocês, obtida em 2016. Conforme relatado em artigo anterior do blogue Chacoalhando, o governo de Nicola Sturgeon recuou da convocação imediata do referendo, indicando que não estava disposto a desafiar Boris Johnson e a legislação do Reino Unido.

De fato, com a vitória de Boris Johnson nas recentes eleições gerais, trazendo como conseqüência a concretização do Brexit, estava colocado um momento histórico único para a concretização da independência da Escócia. No entanto, o governo liderado por Sturgeon surpreendeu os apoiadores do movimento pela independência, em sua declaração “Scotland’s Right to Choose” (A Escócia tem o Direito de Escolha).

Ela começa afirmando que a Escócia é uma nação histórica, com o inalienável direito à autodeterminação, e que sua soberania não está sujeita a Westminster. No entanto, recua em seguida, ao afirmar que para convocar o Indyref2, a Escócia necessita da autorização do Parlamento do Reino Unido, conforme determinado pela seção 30 do Scotland Act  (Ato de Escócia, de 1998).

Esta hesitação da parte de Sturgeon trouxe imenso desgaste interno para seu governo, com críticas vindas mesmo de apoiadores, de que foi cometido um terrível erro estratégico. Craig Murray, ex-embaixador do Reino Unido e um dos principais ativistas pela independência, não poupou palavras duras contra a premiê e seu governo.

Na visão de Murray, o Parlamento Escocês deveria convocar uma Assembléia Nacional, que incluiria todos os membros eleitos para o Parlamento Escocês em 2016, os representantes escoceses no Parlamento Europeu e em Westminster. A Assembléia  faria a declaração de independência, seguindo-se o reconhecimento por outros países. Buscaria-se, então, um acordo para a convocação de um plebiscito confirmatório.

Segundo Murray, esta prática está de acordo com a carta da ONU sobre o direito à autodeterminação dos povos. O próprio governo do Reino Unido defendeu tese semelhante perante a Corte Internacional de Justiça,  no caso da separação de Kosovo da Iugoslávia.

A população escocesa, em sua maioria, não está de acordo com o posicionamento hesitante da primeira ministra. Por 52 a 41%, os escoceses consideram que a consolidação do Brexit representa um fato novo, que justifica a realização de um segundo referendo e, por 48 a 42%, que o SNP tem o direito de convocar o referendo.

Pode ter sido tanto o instinto de sobrevivência política da primeira ministra, como a percepção de que estava traindo aspirações centenárias do povo escocês à autodeterminação, que fizeram com que Nicola Sturgeon desse um passo, que pode ser decisivo para se alcançar a independência, mesmo que esta não tenha sido de fato sua intenção.

Em um discurso no dia 31 de janeiro, Sturgeon expressou sua determinação em convocar uma Convenção Constitucional da qual participariam exatamente os representantes eleitos que constavam da proposta de Murray, acrescidos ainda dos líderes dos conselhos locais. A primeira ministra não descarta promover uma consulta popular não mandatória, caso Boris Johnson não concorde com o referendo.

Embora Murray tenha saudado esta mudança no posicionamento do governo, ele não acredita que Sturgeon pretenda buscar a independência através da Convenção. Mas ele considera que tal Assembléia Nacional  terá em seu seio uma expressiva maioria numérica favorável à independência.

“A dinâmica do novo ente constitucional, composto de membros com mandatos democráticos legítimos, não deveria ser subestimada”, avalia Murray. “Assim como no caso da Assembléia Nacional na França revolucionária do século 18, imensas multidões demandando mudanças drásticas e rápidas junto às janelas do prédio da Convenção podem ser determinantes”, é o presságio de Murray para o que pode vir a ocorrer na Escócia.

A independência da Escócia tem o potencial de resultar em alterações significativas na geopolítica internacional. Por um lado, surgiria uma nova nação, onde a social democracia está fortemente enraizada. Por outro, sairia enfraquecido o Reino Unido, que poderia inclusive sofrer novos desmembramentos.  Ficariam fortalecidos os movimentos separatistas na Europa, como na França e Espanha. Chega a ser irônico que o empenho do Reino Unido em separar Kosovo da Iugoslávia possa fornecer um antecedente legal para a independência da Escócia.

Enquanto  se aguarda por novos desenvolvimentos que podem conduzir à independência, a bandeira da União Européia permanecerá hasteada na sede do parlamento escocês, conforme noticiado no GGN.

*Ruben Rosenthal é professor aposentado da Universidade Estadual do Norte Fluminense, e responsável pelo blogue Chacoalhando.

Redação

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