Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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Estatização e autarquização dos Partidos, por Aldo Fornazieri

A recente triplicação do valor do Fundo Partidário, que passou de R$ 294 milhões para R$ 867 milhões, representa um passo a mais na estatização e na autarquização dos partidos políticos brasileiros. A dependência estatal dos partidos está relacionada a uma série de outros itens: programas gratuitos de rádio e TV nas campanhas eleitoras (pago com recursos públicos); verbas para os gabinetes parlamentares; cargos de livre provimento em organismos da União, Estados e Municípios; recursos para institutos e “ONGs” partidárias; contratação de empresas e consultorias ligadas a partidos políticos etc.

A estatização dos partidos os leva à sua autarquização em relação à sociedade e ao eleitorado. Este conceito exprime a ideia de que os partidos dependem cada vez menos dos eleitores e de vínculos com grupos e movimentos sociais. Tornam-se cada vez mais autônomos. Isto, em parte, explica a crise de representação política.

Muito se tem discutido sobre a crise dos partidos e da representação. Um dos supostos básicos é o de que a crise dos partidos provoca a crise de representação. A tese é apenas parcialmente verdadeira, pois é preciso dimensionar melhor o que se entende por “crise dos partidos” e se ela é real ou suposta. Bernard Manin, por exemplo, declarou que estamos vivendo os estertores da democracia partidária. Mas, por onde quer que se olhe, os partidos continuam no comando apesar das crises econômicas e sociais, das guerras, do crescimento das desigualdades, do fracasso das políticas públicas e da incapacidade dos governos apresentarem soluções minimamente razoáveis para os problemas existentes. Em contrapartida, verificou-se, nos últimos tempos, o fracasso dos movimentos autonomistas, das organizações em rede e similares.

O mais provável, então, é que esteja ocorrendo uma metamorfose das organizações partidárias e sua adaptação às novas condições econômicas, sociais, culturais e tecnológicas do nosso tempo. Essa metamorfose traz como conseqüência uma dependência crescente dos partidos ao Estado e aos grupos econômicos e uma dependência decrescente em relação à sociedade e aos eleitores. É o Estado e são os grupos econômicos quem financiam os partidos e as campanhas eleitorais. As campanhas eleitorais executadas pelos meios de comunicação de massa (rádio e TV), a internet e as redes sociais colocaram nas mãos dos partidos meios de propaganda que dependem cada vez menos da mobilização de militantes e de grupos sociais.

A crise de representação, por seu turno, é real. As pessoas se sentem pouco representadas pelos partidos, pelos políticos e pelas instituições do Estado. Se a estatização provoca o fenômeno da autarquia dos partidos, então ela é um elemento da crise de representação, mas não explica a totalidade dessa crise. O surgimento da democracia monitória (instituições e organizações que criticam e fiscalizam os partidos e os políticos) também gera a perda de confiança e de capacidade representativa dos partidos.

Por outro lado, é preciso levar em conta que a própria sociedade civil está se tornando cada vez mais complexa. As pessoas se agregam em inúmeros movimentos, organizações, grupos e entidades que também passaram a exercer papéis de representação e de reivindicações que extrapolam apenas os interesses salariais. Esses entes se mostram mais flexíveis e permeáveis e menos burocráticos do que os partidos e, consequentemente, exercem mais atratividade sobre os jovens e outras pessoas que buscam algum tipo de participação. O acesso que eles têm a autoridades políticas é às casas legislativas tornam os partidos prescindíveis como elementos de mediação e ligação e transformam a democracia numa espécie de democracia de audiências. Assim, a autarquização dos partidos requer apenas identidades fracas entre o partido e os militantes e o partido e seus eleitores. Para os partidos mais fortes, o que importa é vencer eleições e para os mais fracos, se associar aos partidos vencedores. As eleições se tornaram o principal meio de acesso a recursos estatais, cargos e recursos de campanha.

Liderança Fraca e Partido-Agência

A dissolução das ideologias, a indiferenciação entre os partidos, a sua burocratização e autarquização o seu baixo nível de dependência da militância e dos grupos sociais, a pasteurização das campanhas pelo marketing o enfraquecimento da necessidade de mobilização da sociedade e da militância para vencer eleições, constituem um conjunto de elementos que enfraquecem também a necessidade de líderes políticos fortes. Líderes políticos fortes, carismáticos e autênticos só surgem em contextos sociais de mobilização e de luta. Cada vez mais, aqueles líderes cedem lugar a políticos de baixo perfil de liderança, a políticos que mascaram suas identidades com a fisionomia de gestores, mas que, quase sempre, são carreiristas, oportunistas e corruptos.

O que existe hoje, portanto, é uma democracia de paradoxos: os partidos representam cada vez menos, são cada vez mais fracos junto a sociedade, mas, ao mesmo tempo, mais fortes no poder. A crise de representação dos partidos não abala seu poder. Pelo contrário, o fortalece por estarem os partidos cada vez menos sujeitos à pressão da sociedade.

No início do século XX, Max Weber e Robert Michels já consideravam que a crescente burocratização, racionalização, hierarquização e oligarquização dos partidos políticos os tornariam cada vez menos dependentes da militância e das massas. Weber via os partidos se transformando em “maquinas de poder”, funcionando mais como empresas agregadoras de interesses econômicos. Na medida em que os partidos são cada vez mais estatais eles se assemelham com agências que fazem a mediação dos interesses dos grupos econômicos com o Estado. O próprio discurso dos interesses gerais da sociedade perde relevância na retórica dos partidos, cedendo espaço para o discurso dos interesses grupais e particulares.

Se nesta democracia de paradoxos a crise parece ser menos dos partidos e mais de representação, a atenção deve ser deslocada da preocupação com a salvação dos partidos para a preocupação com a geração de novas formas de representação e de participação política da sociedade. A lacuna existente entre os representantes e os representados não só vem aumentando, mas se torna cada vez mais insanável à medida que os partidos se interessam cada vez menos pela militância e pelos seus vínculos sociais e à medida que a sociedade se interessa cada vez menos pelos partidos. Mas a sociedade não deixa de manifestar seu desconforto e descontentamento para com a representação. Será a sociedade civil, cada vez mais complexa e plural, que poderá fazer surgir novas estruturas de representação. Só faz sentido apostar na criação dessas estruturas se elas significarem desconcentração de poder e ganhos em termos de participação e decisão democráticas.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

3 Comentários

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    1. Então!

      Não perdem nunca a chance de pegar um bonde errado!

      O ideal é a legislação eleitoral japonesa para nós, pois proibir doações privadas (resquício militar) só nos fará retornar ao período pré-PC-Farias, cuja CPI chegou à conclusão de que proibir empresários é apenas joga-los na clandestinidade política.

      No Japão, além de um teto de doações, empresas beneficiadas pelo governo (BNDES de lá) não podem doar para candidatos do governo que os beneficia. E doadores só podem doar em uma chapa federal/estadual/municipal, e não como aqui, onde jogam fichas em todos os lados.

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