Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Crise do Euro e a Metafísica vingam-se da Grécia, por Wilson Ferreira

 

Há um fantasma que assombra a História, o fantasma da Metafísica. Há uma ironia sincromística na crise econômica de um país que contribuiu com a Metafísica de Sócrates, Aristóteles e Platão e que agora cai de joelhos diante da Troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia), representantes de um sistema financeiro do capital volátil e especulativo, sem lastros com a “economia real”, mas com forte poder de destruição. Foram necessários 25 séculos de Filosofia para a Metafísica realizar-se – do “Logos” de Heráclito, passando pela metafísica platônica e a Trindade de Santo Agostinho até chegar à abstração das transações simultâneas, do cálculo probabilístico das transações financeiras e equalização das tendências das bolsas de valores:  tornou-se o no “Logos” (ou no álibi) em nome do qual falam economistas ou técnicos para empurrar goela a baixo a suposta racionalidade das austeridades. O ator Jeremy Irons parece ter percebido isso em um talkshow na TV portuguesa.

O “Não” do povo grego em plebiscito contra as medidas de austeridade da Troika foi saudado como a primeira intervenção da “vontade popular” contra a chantagem da receita neoliberal da financeirização. No país que contribuiu com a Democracia para a história da filosofia política, nada mais natural que a voz do povo vencesse o medo e a chantagem.

Mas a renúncia do Ministro das Finanças grego Yanis Varoufakis (figura “mal vista” pela Zona do Euro) um dia depois do “Não” foi o prenúncio do que viria: a humilhante capitulação final do governo grego  de Alex Tsipras diante da plutocracia financeira representada pela chanceler alemã Angela Merkel.

Qual a conexão irônica entre a história da Metafísica e a derrota final da Grécia? Aqui e ali podemos encontrar algumas pistas que nos ajudarão a encontrar essa ligação.

Em uma entrevista que Jeremy Irons concedeu a um talkshow da TV portuguesa (veja vídeo abaixo), o ator fez algumas observações que só um suposto “leigo” em Economia poderia fazer mas que dá no que pensar. “Devemos todos milhares de dólares, não sei bem a quem. A América deve 300 bilhões de dólares a alguém. A quem?”. “Aos tipos dos bancos”, reponde o entrevistador. “Mas quem são eles? Por que não vêm a ter conosco para uma conversinha…”, responde ironicamente Jeremy Irons.

E finaliza: “A Alemanha tentou duas vezes pela via militar. Agora tenta pela via econômica. Emprestaram para todo mundo… é o velho truque… emprestar e emprestar… Não podem pagar? Deem então a casa, a vida, o seu país”. 

https://www.youtube.com/watch?v=DKBY-fcc9jU align:center

A perplexidade de Irons é: que poder de coerção é esse, mais poderoso do que a via militar? Que entidade abstrata e invisível (os “tipos dos bancos”?) é essa, onisciente e onipresente capaz de subjugar povos e nações?

A sinistra natureza do crédito

Certa vez o famoso banqueiro que financiou Napoleão, o Barão James Mayer de Rothschild, disse: “Dê-me o poder do dinheiro e ninguém saberá quem está no comando”. Rothschild compreendeu que se o dinheiro é poder, então um banqueiro jamais poderá emprestá-lo. No lugar, concederá crédito e manterá o “cliente” sob o seu controle. 

No livro Virtual Wealth and Debt Money versus Man (onde procurava focar a Economia por princípios físicos da Termodinâmica) o químico prêmio Nobel de 1921 Frederick Soddy escreveu: “A mais sinistra e anti-social característica do dinheiro contratual é que ele não tem nenhuma existência. Bancos fornecem às pessoas uma quantidade total de dinheiro que não existe. Pagando ou vendendo através de cheques unicamente produzem uma troca … Enquanto o correntista é debitado, outro cliente é creditado, e os bancos podem continuar devedor de tamanha quantidade indefinidamente”.

Foram necessários 25 séculos para que fosse gestado esse sistema de poder imaterial e onisciente, desde que o pensamento grego desejou se livrar das imagens e animismo do pensamento mágico. Tudo começou quando Heráclito ousou dizer “escutando não a mim, mas ao Logos, acreditem que…” – “Logos”: palavra escrita ou falada, o “Verbo” ou o “ser” ou realidade íntima de alguma coisa. 

 

Dessa maneira, através da lógica formal e do pensamento racional com validade universal, Heráclito tentava expulsar as superstições populares. Mas na verdade criava um novo discurso de poder, o “falar em nome de” enquanto sua vontade de poder se ocultava por trás da pretensão à Verdade.

Metafísica: do Ser ao Espírito

Mas no momento em que a lógica formal transformou-se em Metafísica com Aristóteles, Sócrates e Platão o pensamento parte para o Ser: procura na diversidade, multiplicidade e mudança do mundo a unidade, a identidade, a imutabilidade. Encontrar no mundo a Ideia, o Conceito que faz o Entes existirem. Por exemplo, Platão acreditava que o mundo nada mais era do que uma cópia imperfeita das essências puras reinante no mundo das Ideias.

Ao expulsar do pensamento toda forma de movimento, exorcizando a sociedade das suas diferenças entre senhor e escravo, o pensamento grego deixou como herança o discurso de poder que esconde a vontade de poder. 

Se a filosofia grega queria “falar em nome do Logos”,  ao criar a ideia de Trindade Santo Agostinho começou a falar dessa feita “em nome do Espírito”, forma de poder mortal para a Igreja Romana. Juntamente com a invenção da Graça por São Paulo, a filosofia dá mais um passo para a abstração e expurgo da própria existência com as difamações da carne humana e o elogio da expiação vicária por meio do sangue de Cristo celibatário.

 

A Metafísica baixa à Terra

Do céu da filosofia grega ou da Santíssima Trindade Católica, a burguesia revolucionária trouxe a abstração do “Logos” para a acumulação do capital na Terra. A ordem do dia passou a ser então liquidar quaisquer resquícios religiosos ou metafísicos da filosofia e da ciência, em nome da Razão – o novo “Logos” em nome do qual os emissores esconderão a vontade de poder. 

Trazendo os conceitos metafísicos do mundo das Ideias para o mercado de trocas na Terra e a Santíssima Trindade encarnada no próprio capital, efetua-se a abstração e generalização necessárias para criar uma equivalência geral das mercadorias diante do dinheiro ou de criar uma aparência de troca igualitária entre capital e trabalho.

Mas apesar dessa “materialização” do Logos, o Capitalismo ainda mantinha a tensão do pensamento conceitual iniciado com a Metafísica: essência e aparência, Espírito e Corpo e, no mercado capitalista, a oposição entre preço e valor. Além disso, atualizava o velho discurso de poder: dessa vez o “em nome de” (o Logos) não está nas Ideias ou no Céu – agora esta inscrita na sociedade e na Natureza, em nome do qual o economista fala.

 

Porém, esse discurso de poder ainda estava limitado à tensão hermenêutica entre essência e aparência, forma e conteúdo, preço e valor – ainda o dinheiro estava preso aos diferentes lastros regionais e nacionais. O Logos ainda não havia chegado à abstração e generalização globais.

 
Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

5 Comentários

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  1. Fundamentalismo capitalista…

    Em uma entrevista que Jeremy Irons concedeu a um talkshow da TV portuguesa (veja vídeo abaixo), o ator fez algumas observações que só um leigo em Economia poderia fazer mas que dá no que pensar.

    Observe como essa frase constitui uma “pérola” do fundamentalismo capitlista dos economistas. Ela sugere claramente os economistas como sábios sacerdotes iluminados pelos deuses da sabedoria muito acima de qualquer outro cidadão que sofre ante as “ideias genias” e “conhecimento profundo” de economia que os economista presumem ter. Mas vamos ser sinceros: a única coisa que os economistas e a economia como ciência faz é PUZAR O SACO DOS BANQUEIROS E GARANTIR SEMPRE A EXPLORAÇÃO DOS JUROS E LUCROS DOS BANCOS SOBRE TODO MUNDO QUE TRABALHA DE VERDADE. Cega de hipocrisia!!

    1. “Só um leigo em economia”

      Mas é justamente isso que o post tematiza: o discurso de poder que esconde a vontade de poder.

      O “só um leigo em Economia poderia fazer” é muito mais um elogio ao ator. Na sua suposta “leiguice” fez questionamentos aparentemente simples e “ingênuos” para um economista, mas com profundas consequências que o post pretendeu desenvolver.

  2. Só pra simplificar o

    Só pra simplificar o entendimento do mundo, após esses 25 séculos de filosofia: NÃO EXISTE ALMOÇO GRÁTIS! Quero fazer uma hidroeltérica, quero guerrear com o meu vizinho, quero  fornecer wifi gratuito, saúde, educação e segurança? Alguém vai ter de financiar isso: seja pela via interna (poupança acumulada, que também é fruto da arrecadação dos impostos, ou pela dívida que o governo faz junto à sociedade, ao vender seus títulos soberanos), seja pela via externa (dívida contraída junto a credores internacionais). Quer manter um canal de crédito livre, com juros baixos e assim poder investir sempre? Simples: seja um bom pagador. No fundo, não é muito diferente do que acontecer com uma pessoa física qualquer em sua relação com os seus credores.

     

  3. Sede de poder

    Só aceitamos ser escravos minimamente remunerados porque alimentamos esperanças de um dia sermos senhores ou pelo menos capatazes dos senhores. De qualquer forma, nós é que temos perpetuado a escravidão que nos prende e nos serve. Mas não adianta tentarmos derrubar os senhore para tomarmos seus lugares, que aí a escravidão continuará sendo praticada. O que funciona é dar as costas àqueles a quem chamamos poderosos e à ideia de poder. Tenho visto esse desprezo funcionar bem, desde Gandhi até as atuais cooperativas, o estabelecimento e expansão de iniciativas como Economia Solidária e até comunas como a Comunidade Yuba.

    Mas aí… será que tem graça viver sem que seja para estabelecer poder sobre os outros? Será que tem graça viver para equilibradamente trabalhar no sentido de produzir para a economia mas também no sentido de produzir para a Arte, para a construções de relações pessoais de qualidade (como dizia Gaiarsa, “Quem não se envolve não se des-envolve”). Que graça tem viver sem ser para eleger (e elegermo-nos) poderosos de plantão? Que será do “líder” sem os liderados? Sobrevivemos sem tentarmos estabelecer poder – retórico, prático, intelectual, econômico, político – uns sobre os outros?

    Acho que sim…

     

    Economia Solidária:

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Economia_solid%C3%A1ria

    http://portal.mte.gov.br/ecosolidaria/o-que-e-economia-solidaria.htm

     

    Comunidade Yuba:

    http://brasil-ya.com/yuba/historia/rekishi_por.html

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Associa%C3%A7%C3%A3o_Comunidade_Yuba

     

  4. Parmenides e Heráclito

    Heráclito :” Tudo é intercâmbio do fogo, e o fogo é o intercâmbio de tudo, da mesma maneira que se trocam mercadorias por ouro e ouro por mercadorias”.

    Parmênides :” O ser é  e não pode não ser. O não ser não é e não pode ser”.

    Necessariamente algum ser tem que existir (eidético a estrutura da realidade). E necessariamente este ser é único, eterno e  imutável.

    Para entender isto é necessário uma inteligência habilitada à contemplação das realidades do mundo da inteligência que seja capaz de apreender as realidades do mundo.

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