Família acusa polícia militar de matar jovem em saída de festa em SP

Jornal GGN – Em São Paulo, Peterson Silva de Oliveira, de 18 anos, foi morto na saída de uma festa no último dia 14, na zona sul da cidade. Ele morreu ao ser baleado na nuca pelo PM Willian José Pinto, que afirma que reagiu a tiros efetuados por Peterson.

Entretanto, testemunhas refutam a tese da polícia e dizem que o jovem estaria desarmado. Os relatos afirmam que os policiais chegaram em uma viatura com a sirene desligada, e um deles teria  jogado uma bomba na direção de um grupo de pessoas, entre eles Peterson. Depois, o PM teria atirado para o alto e em direção ao jovem.

No Boletim de Ocorrência, os policiais dizem que foram recebidos com tiros e o PM viu-se “obrigado a reagir”, atingindo com um tiro o suspeito, que morreu no local.

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Da Ponte.org

Família acusa PM de matar jovem em saída de festa na Zona Sul de SP

por Renan Xavier

Há duas semanas, a assistente administrativa Tatiana Silva, de 37 anos, vive o pesadelo da perda de seu primogênito. “Eu tive um filho honesto e trabalhador que foi brutalmente assassinado pela Polícia Militar, sem sequer ter a oportunidade de dizer quem era.”

Com essas palavras, ela inicia seu “pedido de socorro”, uma carta escrita à mão, a qual pretende encaminhar às autoridades. O estoquista Peterson Silva de Oliveira, 18, foi morto com um tiro pelas costas, na nuca, quando saía de uma festa de 15 anos no Jardim São Luís, Zona Sul de São Paulo, na madrugada do dia 14 de janeiro. O autor do disparo foi o PM Willian José Pinto, 27, que alegou  ter reagido a disparos dados pelo jovem.

Porém, a reportagem ouviu quatro testemunhas que rebatem a versão dos PMs. Eles narram, sem divergências entre os relatos, o que podem ter sido os últimos momentos de vida de Peterson, jovem que morava a poucas quadras do local da morte e, segundo eles, estaria desarmado.

De acordo com as testemunhas, naquela madrugada uma viatura desceu a avenida Jacobus Baldi em alta velocidade, com giroflex e sirene desligados. O carro freou bruscamente a 15 metros de um grupo, do qual Peterson fazia parte, além de outros 20 jovens. Todos saíam de uma festa de 15 anos que acabara de terminar. A princípio, assustados, eles hesitaram entre correr ou esperar a abordagem.

“Ninguém foge, não estamos fazendo nada de errado”, aconselhou um dos rapazes. Mas não houve abordagem. Um PM teria desembarcado do veículo e jogado uma bomba na direção do grupo, que se dispersou nos dois sentidos da avenida. Um segundo artefato teria explodido, mas, dessa vez, no pé do policial.

Irritado, o PM sacou o revólver e atirou para o alto enquanto corria no encalço das pessoas. Em seguida, voltou-se para os rapazes que fugiam no sentido contrário, subindo a ladeira, apontou a arma e fez um segundo disparo: Peterson caiu de rosto no chão. Havia sido baleado na nuca. Toda ação teria ocorrido por volta das 4 horas.

Já no boletim de ocorrência, registrado no 47º Distrito Policial, no Capão Redondo, a história é bem diferente. Os PMs afirmaram que, durante o patrulhamento na região, ouviram um disparo e encaminharam-se até a avenida Jacobus Baldi para apurar. Lá, foram recebidos a tiros por Peterson. Ainda segundo o relato dos policiais, o soldado Willian viu-se “obrigado a reagir”, atingindo o suspeito com um tiro na parte posterior da cabeça, que morreu no local.

A perícia, realizada horas depois,  apreendeu, ao lado do corpo, um revólver modelo Taurus calibre 38 com numeração raspada e dois cartuchos deflagrados. Na arma, que comporta até seis projéteis, havia ainda quatro balas.

Para o garçom Lucas Vinícius Oliveira, de 19 anos, testemunha do caso, não há dúvidas de que a arma foi inserida pelos militares na cena do tiroteio para incriminar a vítima. “Qualquer um que conhecia o Peterson sabe que ele não era bandido, era trabalhador, detestava violência. Essa versão dos PMs é mentira, nós estávamos apenas curtindo a festa. O que fizeram foi uma covardia”, acusou.

Alex Oliveira Pereira, 19, também garçom, disse que, em meio à correria, não viu que o baleado era seu amigo. Inclusive, nenhuma das testemunhas percebeu se tratar de Peterson. Souberam depois, pela internet, que se tratava do estoquista.

Em uma conversa via WhatsApp, à qual a reportagem teve acesso, Lucas suplica a um outro amigo, poucas horas após a confusão. “Mano, por favor, fala que não foi o Peterson”. Ao confirmar a má notícia, questiona: “Por que atiraram?”

Perícia põe em xeque versão dos policiais

Uma história. Duas versões. Fato comprovado, até o momento, é que a morte do estoquista Peterson Silva de Oliveira, 18, não pode ser totalmente explicada pela versão dos PMs.

O Boletim de Ocorrência não especifica, por exemplo, quantos disparos Peterson teria feito. Pelo plural usado no relato, deduz-se que foram ao menos dois tiros contra a viatura. No entanto, além de não atingir os policiais ou o veículo, também não atingiu nenhum dos imóveis próximos ao local da ocorrência, conforme a reportagem apurou.

Questionados, os moradores da avenida negaram ter encontrado possíveis marcas de tiros ou projéteis.
Peterson teria dado três tiros usando apenas duas balas, de acordo com informações do próprio B.O. Um primeiro, que foi ouvido pelos PMs durante a patrulha,  e ao menos outros dois contra a viatura. Isso se a Polícia Civil comprovar a versão dos agentes.

‘O Estado matou também a reputação do meu filho’

Tatiana Silva, 37, não consegue dormir desde a madrugada em que seu filho foi morto. Não somente a saudade a perturba, mas também a indignação por ter enterrado o jovem acusado de ser bandido.
“Eu vou lutar para provar a inocência do meu filho, nem que eu só faça isso até o resto da minha vida”, prometeu a mãe.

Ela relata que, durante depoimento no DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), quando esteve acompanhada de duas testemunhas, ouviu da escrivã que, de fato, não havia nada que levantasse suspeitas sobre o jovem morto.

Apesar de estar determinada em obter respostas, ela confessa ter medo de retaliações. Estremece sempre que uma viatura cruza seu caminho na rua ou passa em frente à sua casa. “Fico imaginando se são os assassinos do meu filho. Se podem, de alguma forma, fazer mais alguma coisa contra minha família”, desabafou.

Mãe de outros dois filhos, de 16 e 4 anos, ela tem evitado sair de casa e recomenda o mesmo aos demais. No entanto, afirma que, se necessário, irá pessoalmente à rua da ocorrência levantar possíveis evidências. Segundo Tatiana, há câmeras no local que ainda não foram solicitadas pela polícia, mas que podem revelar movimentações suspeitas, seja da confusão ou da possível manipulação da cena do tiroteio.

“Não basta executar meu filho. A brutalidade do Estado é tão grande que também mataram a reputação dele. Um menino trabalhador, estudioso, que nunca usou drogas, mas que foi enterrado como bandido”, disse a mulher desolada. O filho do meio de Tatiana, de 16 anos, sonhava ser policial militar e admirava os homens de farda. Essa impressão mudou radicalmente após a morte do irmão mais velho. “Não sei mais se confio na polícia ou se tenho medo dela”, afirmou.

Último desejo

Como morreu em circunstâncias violentas e é alvo de investigação, o corpo de Peterson não pôde ser cremado, uma vez que ainda pode ser necessária uma exumação. Com isso, Tatiana viu-se impedida de realizar um desejo do filho, de ter suas cinzas lançadas ao mar.

“No final do ano passado, ele me pediu para ir à praia com os amigos. Eu, preocupada, pedi que ele esperasse mais um pouco para a gente ir junto. Agora quero cumprir essa promessa. Vamos juntos para a praia, eu e as cinzas do filho que sempre irei amar.”

Sentado em frente a uma geladeira com a porta aberta, Peterson posa para uma das fotos que seria publicada em suas redes sociais. Sua mãe, Tatiana Silva, explicou que era um protesto bem-humorado contra o calor.

Descrito como brincalhão por amigos e parentes, o estoquista sonhava se tornar um humorista famoso, comprar uma casa para a família, que mora de aluguel, e adquirir o sonho de consumo: o primeiro carro.
“Ele estava a poucas semanas de tirar a habilitação e pagava um consórcio automotivo. Mais algumas parcelas e ele seria contemplado”, relatou Tatiana.

Embora trabalhasse desde os 15 anos, Peterson estava entusiasmado com o seu primeiro mês de carteira assinada como estoquista em uma rede de lojas no Shopping Ibirapuera, também na Zona Sul. Antes, trabalhou por dois anos em uma loja de CDs, no próprio Jardim São Luís.

Em casa, Peterson era quem pagava as contas de luz e água, mas sempre sobrava um trocado para agradar a mãe. “Eu não pedia, mas ele sempre fazia questão de me deixar algum dinheiro. Dizia que eu gastasse em um salão de beleza ou comprasse roupas para mim”, contou Tatiana.

Mãe e filho chegaram a estudar juntos. No ano passado, ambos concluíam o ensino médio. Ela, pelo EJA (Educação para Jovens e Adultos). “Nós passávamos o intervalo juntos, tínhamos muito orgulho um do outro.”

PMs investigados

Em resposta aos questionamentos da reportagem, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou que a morte de Peterson já está sendo investigada por meio de inquérito policial pela 1ª Delegacia da Divisão de Homicídios do DHPP. Disse ainda que familiares e amigos da vítima já foram ouvidos pela Polícia Civil. A PM, por sua vez, instaurou inquérito para apurar a conduta dos agentes envolvidos. No entanto, a SSP não informou se os agentes de segurança pública envolvidos na ocorrência estão trabalhando normalmente ou se foram afastados para a apuração do incidente. Questionada sobre as possíveis contradições do boletim de ocorrência, a pasta limitou-se a dizer que “as circunstâncias apontadas por testemunhas serão checadas”.

Redação

3 Comentários

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  1. Solidariedade à mãe

    Qual é mesmo o nome disso?

    Ah, é a tal higienização!

    Por que morreu?

    Porque era pobre e periférico, ninguém, portanto.

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