Felipe Pena e as Crônicas do Golpe

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – 31 de agosto fez um ano do golpe do impeachment da presidente eleita Dilma Rousseff. Neste dia, o escritor Felipe Pena lançou “Crônicas do golpe”, pela Editora Record, em primeira mão no Rio de Janeiro. Diz ele que perdeu amigos, espaços de trabalho e o convívio com parte da família. “O golpe não foi apenas político”, diz, “o golpe foi na cognição pública e nas relações pessoais e profissionais”.  E ele faz um registro destes 12 meses que sucederam o dia fatídico.

Diante de tudo isso Felipe Pena, que é escritor, jornalista, psicólogo e professor de roteiro da Universidade Federal Fluminense (UFF), considera que apenas fez a coisa certa. E, no caso dele, a coisa certa foi escrever. O que não foi fácil, considerando que escreveu em disputa com os vencedores a narrativa da História, ali, acontecendo.

“Crônicas do golpe” traz personagens sombrios, histórias absurdas e previsões bastante pessimistas. Mas em narração leve de crônica pelos 50 textos que compõe a obra, ora passeando por diálogos, ora cartas fictícias, ou ainda roteiros cinematográficos.

Nesta “coisa certa”, Felipe Pena entende sua obra como um “mero registro do tempo”. Mas é mais que isso. É a obra genial de quem vê a realidade com olhos atentos e sensibilidade apurada.

 

ORELHA

Por Ricardo Lísias

Crônicas do golpe tem textos muito diferentes: cartas, diálogos, artigos e colagens. Os nomes vão de políticos famosos a personagens de minissérie, golpistas sombrios, escritores e cidadãos revoltados. Tudo junto representa a multiplicidade do nosso tempo. Enquanto digerimos a foto de uma mala suspeita, aparece o áudio de um político tramando outro golpe. Artigos de jornais se confundem com obras de ficção e com discursos de políticos no Congresso Nacional ou em alguma cadeia.

O livro é um ótimo resumo do nosso tempo. Escritor, jornalista, roteirista, professor universitário e comentarista político, o perfil de Felipe Pena é muito adequado para enxergar as diversas faces que a história recente assumiu.

A leitura é fluida, já que os textos são compostos conforme a exigência de cada situação. Um juiz bastante parcial se torna árbitro de futebol. Um político de rosto tenebroso e talento poético duvidoso – a rima aqui combina com a figura – é narrado com o patetismo que lhe caracteriza.

Múltiplo por definição, o gênero da crônica serve para abarcar toda essa multiplicidade. Mas não foi só por isso que, hábil com as palavras, Felipe Pena o elegeu: aos poucos, os textos parecem conversar com o leitor, trocando ideias, dados, argumentos e, sobretudo, mostrando o perigo que o golpe trouxe para o nosso dia a dia. O autor deixa claro que a ameaça é concreta.

Crônicas do golpe demonstra que o fato de uma presidenta da república eleita democraticamente ser retirada do poder por um Congresso Nacional encharcado de acusações de corrupção – e sem que nenhum crime de responsabilidade conseguisse ser demonstrado –  atinge a vida de todos nós.

A confiança nas instituições fica abalada, a crença na democracia se debilita e, por fim, ficamos nas mãos de homens dispostos a qualquer coisa pelo poder. Gente assim é capaz de fazer reformas que tornam os pobres mais pobres, os ricos mais ricos e a vida muito mais dura para quem não nasceu cheio de privilégios.

Felipe Pena avisou nas suas crônicas. É exatamente o que está acontecendo agora.

 

 

TRECHO:

O ano de 2016 começou no final de 2014, quando, inconformado com a derrota nas urnas, o senador Aécio Neves passou a agir como sabotador geral da República e organizou o golpe com Eduardo Cunha e Michel Temer. Mas, da mesma forma como as revoluções engolem seus filhos, os golpes também engolem seus pais. Em 1964, aconteceu com Carlos Lacerda, com a OAB e com grande parte da classe média em marcha pela família e pela propriedade. Em 2016/17, Eduardo Cunha foi o primeiro a ser comido, Aécio foi o segundo (como sempre), Temer aguarda a sua vez e a classe média do pato amarelo já sentiu o peso do próprio preconceito.

 

SOBRE O AUTOR

Felipe Pena é jornalista, psicólogo e professor de roteiro na Universidade Federal Fluminense. Doutor em Literatura pela PUC-Rio, com pós-doutorado em Semiologia da Imagem pela Universidade de Paris/Sorbonne III, foi visiting scholar da New York University e professor visitante da Universidade de Salamanca.

Começou a carreira como estagiário do jornal O Dia, foi repórter da TV Manchete, fundador e apresentador do Canal Universitário, comentarista da TVE-Brasil, diretor da Rede Globo e comentarista do Estúdio I, na Globo News.

Autor de 15 livros, entre eles os romances Fábrica de diplomas, O marido perfeito mora ao lado e O verso do cartão de embarque, que compõem a Trilogia do Campus, foi finalista do prêmio Jabuti duas vezes: em 2011 com o livro Seu Adolpho, uma biografia em fractais de Adolpho Bloch, e em 2013, com o livro No jornalismo não há fibrose.

É diretor e roteirista do documentário Se essa vila não fosse minha, que conta a história dos moradores da comunidade Vila Autódromo, cujas casas foram demolidas para a construção do Parque Olímpico, no Rio de Janeiro.

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. O golpe que foi anunciado

    Precisamos de narrativas sobre esse golpe e este momento contra a historia oficial. Acho que esse é um livro que além de se comprar para si é sempre uma ideia de presente para ir oferecendo aos conhecidos, amigos, parentes… Essa é a nossa voz.

     

  2. Ainda levará algum tempo até

    Ainda levará algum tempo até que essa onda de “golpes” na America Latina e Oriente Médio seja entendida e explicada pelos estudiosos. A teoria da comunicação ganhará um novo capítulo, talvez algumas novas teorias sobre a combinação dos tradicionais meios de comunicação em massa com o fenônemo de popularização do acesso à internet.

    Só discordo do autor que 2016 tenha iniciado no final de 2014, minha tese é de que ele iniciou bem antes e se intensificou a partir de 2013 aproveitando das fraquezas do governo.

     

  3. Parabéns

    Parabéns ao autor.

    Mesmo com a “perda de amigos, espaços de trabalho e o convívio com parte da família”, é fundamental que as pessoas de fato preocupadas com a tentativa de recuperação do ambiente democrático no país se manifestem. Doa a quem doer.

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