Feminismo de direita versus feminismo de esquerda, por Gustavo Conde

É um drama mexicano ver mulheres autoidentificadas como 'mulheres de direita' indignadas com o fato de o feminismo ser uma pauta da 'esquerda'.

Feminismo de direita versus feminismo de esquerda

por Gustavo Conde

Para quem quer ver uma disputa de sentido sangrenta, a matéria do jornal Folha de S. Paulo sobre as mulheres de direita é quase um ringue de luta na lama.

A jornalista Carolina Linhares foi de uma competência rara. Trouxe o problema, deu voz aos dois lados e se manteve à distância.

E qual é a questão? A questão é o movimento feminista (que se ramificou em vários correntes mas cuja face progressista é quase impossível de desimpregnar).

É um drama mexicano ver mulheres autoidentificadas como ‘mulheres de direita’ indignadas com o fato de o feminismo ser uma pauta da ‘esquerda’.

Elas dizem que o feminismo foi ‘sequestrado’ pela esquerda (elas, do Ladies of Liberty Alliance, grupo de mulheres de direta de São Paulo).

É um problema técnico para a linguística, desses que rendem teses e mais teses (e cujas teses já estão nos escaninhos universitários da Balbúrdia brasileira).

Disputa-se o sentido de ‘feminismo’ e todas as bandeiras correlatas. Mulheres de direita, por exemplo, acham que o ‘aborto’ não é um tema do ‘feminismo’, enquanto mulheres de esquerda entendem que sim.

As mulheres autoidentificadas como liberais se sentem segregadas pelo ‘feminismo de esquerda’ e dizem que a luta dessas mulheres é pela ‘pauta ideológica’ (sic) e não pelos direitos das mulheres.

O que se vê na matéria da Folha, concretamente, é que as mulheres conservadoras estão se sentindo ‘isoladas’, ‘desgostosas’, com a amplitude do ‘feminismo progressista’, esse sintagma que, a meu ver, é quase um pleonasmo (se é feminismo, É progressista).

Mas é a boa e velha disputa pelos sentidos (que, a rigor, é a disputa pela existência simbólica). Traduzindo: é ‘política’, essa palavra diariamente espancada por nossas editorias de jornalismo – e, consequentemente, pelos efeitos-manadas de direita e esquerda).

Se serve de consolo, luta por sentido nesse nível de violência significa que a história ainda não acabou. Nichos exóticos como ‘mulheres de direita’ merecem atenção, já que apontam contradições reais do campo adversário, contradições que habitam o universo do significante, quase no nível inconsciente.

O significado de ‘mulher’ está cada vez mais na ordem do dia. O debate sobre gênero, idem. O significado de ‘homem’, cada vez mais exposto como fraude histórica. Os sentidos convergem cada vez mais para as questões levantadas pela psicanálise: é nas comunidades LGBTQ que se encontra a possibilidade do humano.

O sexo biológico embutido em argumentações abstratas sobre o que é o ser humano é como um peixe andando de bicicleta: é puro nonsense.

Essa fricção semântica é estimulante. O Brasil está sob Bolsonaro, mas o ‘mundo’ continua (e nada dura para sempre, nem os sentidos das palavras).

Redação

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