Fiscal, a mãe de todas as ordens, por Antonio Delfim Netto

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Valor

Fiscal, a mãe de todas as ordens

Por Antonio Delfim Netto

O professor Marcio Holland, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, coordenou, no dia 7, um magnífico Encontro de Política Fiscal na Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Com uma única e óbvia exceção, os participantes são o “crème de la crème” dos especialistas nacionais e internacionais sobre o assunto. O ilustre ministro Guido Mantega fez uma cuidadosa e equilibrada exposição, na qual defendeu, com sóbria habilidade, a política fiscal do governo.

Mas afinal, o que é a política fiscal? Podemos repetir a síntese do professor R.A.Musgrave (“The Theory of Public Finance”, 1959) que sugeriu que ela consiste na intervenção deliberada do poder incumbente sobre a receita e a despesa públicas para cumprir alguns papéis que dele se espera: 1) de alocador de recursos para suprir os bens públicos (justiça, saúde, educação, infraestrutura, pesquisas etc.) que se acomodam muito mal nas condições que tornam eficiente a sua oferta pelo mercado; 2) de redistribuidor de recursos no espaço social para reduzir as desigualdades e atender às necessidades básicas dos menos favorecidos e, redistribuir no tempo, para a seguridade social; e 3) de estabilizador da conjuntura, com a manobra de aumentar ou diminuir receita e a despesa públicas para amortecer as flutuações ínsitas no sistema capitalista.

Essa descrição, tão “certinha”, contrasta fortemente com as dificuldades e incertezas que cercam a sua execução: a existência de defasagens na resposta aos estímulos, o uso de conceitos não mensuráveis como o produto potencial, o estabelecimento de prioridades (análise custo/benefício), da taxa de desconto social, do custo de oportunidade etc.

Dilma recebeu um voto de confiança, esse é o fato incontornável

É evidente que o papel do poder incumbente não se esgota aí. Ele ainda: 1) tem – através de instituições adequadas – que garantir o bom funcionamento dos mercados que controlam a alocação dos fatores de produção privados e que produzem os bens e serviços para atender à demanda dos consumidores; e 2) deve ter a capacidade de regulá-los para evitar a concentração e estimular a competição.

Quando convenientemente conduzida, a política fiscal: 1) “garante” a relativa estabilidade da atividade econômica e do emprego, fundamentais para a coesão social; 2) dá credibilidade ao ajuste “mais fino” da política monetária que, com pequenas manobras da taxa de juro real de longo prazo, compatibiliza a soma da demanda privada com a demanda pública para manter a taxa de inflação baixa e relativamente estável; 3) por sua vez, “credibilidade” e “previsibilidade” tornam possível uma política salarial capaz de manter o desejável aumento do salário real sem pressões marginais sobre a taxa de inflação; e 4) propicia uma relativa estabilidade da taxa de câmbio real, fundamental para determinar o nível de atividade, oferecendo um “buffer” de recursos para minorar os excessos das flutuações idiossincráticas.

Por essa rápida descrição deve ficar claro que o equilíbrio fiscal é o maestro que comanda a política monetária, salarial e a cambial. A ordem fiscal é a mãe de todas as ordens! É por isso que um Estado forte, constitucionalmente controlado, capaz de regular o funcionamento dos mercados e implementar uma política fiscal adequada – 1) pequeno déficit fiscal/PIB e 2) relação dívida bruta/PIB relativamente constante e em nível apropriado para garantir espaço para as manobras anti e pró-cíclicas -, é condição necessária, ainda que não suficiente, para a promoção do desenvolvimento social e econômico sustentável com equilíbrio interno (aumento harmonioso entre a igualdade de oportunidade e o investimento) e externo (relativo equilíbrio do balanço em conta corrente durante o ciclo).

Por motivos internos e externos, estamos hoje muito longe dessa configuração. No quadriênio 2011-2014, em parte pela perda do “bônus” externo, apresentamos: 1) um crescimento do PIB per capita de 0,6% ao ano; 2) uma taxa de inflação que namorou o nível superior da margem de tolerância da meta; 3) uma significativa deterioração da situação fiscal com déficit nominal de 5% do PIB e clara tendência de aumento da relação dívida bruta/PIB. Parte disso se explica pela estagnação do PIB, mas é preciso insistir que ela não parece ser apenas cíclica, tem uma componente estrutural. Por fim, 4) acumulamos um déficit em conta corrente de US$ 270 bilhões, devido à tragédia imposta ao setor industrial. O resultado positivo do período – que não é pouca coisa -, é que se manteve o nível de emprego.

A situação é muito desconfortável. Não estamos à beira do fim do mundo, mas é imperioso corrigi-la com a devida urgência. Isso exige um novo diagnóstico, ajustado às novas condições internas e externas e envolverá mudanças na política macroeconômica e, ainda mais, na micro, para encurtar a distância entre o governo e o setor privado produtivo.

Dilma recebeu das urnas um “voto de confiança”. Esse é o fato fundamental incontornável. Supera todas as opiniões, mesmo as que se pensam “científicas”… Por que não dar-lhe, então, algum tempo para que apresente um bom programa de política fiscal?

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

8 Comentários

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  1. O que incomoda bastante é que

    O que incomoda bastante é que aqueles que agora condenam as opções feitas pelo governo trabalhista, manter o emprego, a renda e os preços via câmbio, em detrimento de um maior acerto fiscal, tiveram sua vez, faz algum tempo, e não se desempenharam, na ocasião, de modo a lhes garantir, com a devida soberba, a preeminência do conhecimento, da sabedoria e da aplicação de soluções econômicas de governo.

    O governo Dilma, como anunciado, cuidará numa segunda etapa da produtividade, horror dos empresários rentistas, imediatistas, amantes do lucro rápido e fácil. Eles adoram o alinhamento de preços, a cartilha econômica, tudo que lhes facilite a vida. Nada de muita luta. Aumentar produtividade requer queima calórica, com certeza.

    É evidente que a velocidade das ações sociais será menor até porque estão colocadas, consolidadas.

    A hora agora é do investimento privado…sem subsídios, com acerto nas contas públicas, que sempre recebeu facilidades sem nunca oferecer nenhuma contrapartida.

     

     

  2. “Por que não dar-lhe, então,

    “Por que não dar-lhe, então, algum tempo para que apresente um bom programa de política fiscal?”

    O Delfim acredita nas boas intenções da oposição, do mercado e da máfia midiática… A vida não é um manual de economia, Delfim.

    O “mercado” não investe não é por falta de confiança nada, não: é porque querem favores; e para isso eles têm seus candidatos prediletos. Os juros aqui são os maiores do mundo porque combinam o preço. Vão se arriscar pra quê se a boa vida está garantida.

    Enfim, perde-se muitas décadas com essa ideologia de “acalmar”o mercado quando o necessário é botar o mercado pra trabalhar! O engrçado é que com o povão a conversa é outra: é a propaganda permanente contra a “vagabundagem” com o papo de empreendedorismo, etc.

  3. É evidente que o governo

    É evidente que o governo optou por uma politica fiscal onde do prejuíuzo menor. Não era,e não é possível,diante das circunstâncias econômicas mundial exercer uma política fiscal austera sem grande prejuízo de nosso povo,sobretudo daqueles que mais necessitam do apoio do Estado.

    Além disso,obras do PAC,que são indutoras do crescimento,não poderiam,como não foram,ser abandonadas. Assim,se elencados,lado a lado,as opções existentes,mosttram que o governo acertou em não buscar um ajuste fiscal mais austero neste até o presente momento.

    A partir de agora,com a esperada melhoria do cenário externo,com a conclusão de obras estruturantes do PAC,o governo poderá executar o ajuste necessário de forma cadenciada mantendo o essencial de sua política de governo que é o crescimento com distribuição de renda.

  4. Elites vagabundas

    Concedo que os jovens herdeiros das elites brasileiras hoje estão mais antenados e até mais colaborativos, mas o estrago feito pela vagabundagem e farras de seus pais e avós cobra o seu preço.

    Jogaram fora a oportunidade de manter e aumentar o patrimônio que tinham, hoje têm de se contentar com as migalhas que lhes lançam os donos do Dólar e do Poder que concentraram em suas mãos as terras, os negócios e os licenciamentos realmente lucrativos no Brasil.

    Só o governo federal pode reverter isto, favorecendo novamente os nacionais em detrimento dos transnacionais que se apoiam no Dólar e suas maracutais.

    O Delfim é um romântico e inocente.

  5.  
    Concordo Lucinei. Urge

     

    Concordo Lucinei. Urge exigir, através de medidas que inibam  os atuais estímulos à vagabundagem de colarinho branco.

    Já passou da hora de desmascarar esses portadores de chavões biombos:  “fazer o dever de casa, garantir a governabilidade, adotar medidas que restaurem a confiança do mercado. E tantas outras baboseiras.”

    Pelo que sei, não foram as propostas oriundas do tal mercado, vencedores  das eleições. Tudo bem, que tentem recuperar seus enormes  investimentos  eleitorais. Perderam. Seus candidatos, embora tenham se esforçado nos contorcionismos de sempre, não conseguiram esconder o rabo que denuncia sua verdadeira  espécie.

    Agora não cabe ao governo Dilma remunerar  com  bolsa-ociosidade, a suas excrescências de colarinho branco.

    Orlando

     

  6. tempo.
    é a  mágica palavra

    tempo.

    é a  mágica palavra que delfim lembra bem para que

    os avanços destes doze anos possam ser mantidos e aperfeiçoados.

    isso é política.

    o resto é papo de economista.

  7. Nosso “maior economista” é o

    Nosso “maior economista” é o bombeiro que chega esbaforido ao incêndio gritando fooogooo!!

    É sintoma da imensa dificuldade de realizar planejamentos, uma habilidade ausente no nosso meio.

    Você pega os textos dele de três, quatro anos atrás e era quase eufórico.

    Agora, a situação é feia mas não mete medo. Para a fama que possui a situação beira o ridículo.

    Tenho comigo que é a mania inescapável de pensar com manuais gringos.

    De pensar como se estivesse em New York…Que deve ser a sua maior frustração:

    Ter sotaque e mentalidade estadunidense nascido no Brasil.

     

  8. Sr. Delfim, vou provar que o senhor é apenas mais um especulador

    Sr. Delfim, vou provar que o senhor é apenas mais um especulador, como tantos economistas que se igualam a má fé do engano, e se prestam ao desserviço ao país: na medida que o trai.

    Se a Política Fiscal, é “Essa descrição, tão “certinha”, e a sua opinião abaixo a contrasta; podemos dizer que quem defende a “estímulos” incestuosos da economia com os bancos se referencia a si mesmo???…

    Declarado: “Essa descrição, tão “certinha”, contrasta fortemente com as dificuldades e incertezas que cercam a sua execução: a existência de defasagens na resposta aos estímulos, o uso de conceitos não mensuráveis como o produto potencial, o estabelecimento de prioridades (análise custo/benefício), da taxa de desconto social, do custo de oportunidade etc.

    Ou seja: a economia ainda delituosa ou incapaz de se realizar como ciência independente, dado “… a existência de defasagens na resposta aos estímulos, o uso de conceitos não mensuráveis como o produto potencial,”, consequentemente é o resultado do “…estabelecimento de prioridades (análise custo/benefício), da taxa de desconto social, do custo de oportunidade etc.” – Isto é, “estabelecimento de prioridades” com os juros da última associação, com análises obscuras de suas palavras.  

    Mas seu diagnóstico: “Dilma recebeu um voto de confiança, esse é o fato incontornável”

    Há uma diferença radical da economia ser paga a outrem e a de ser uma dimensão real independente. Porque a economia não descobriu como calcular a rotação própria a riqueza como um Todo abstrato no espaço. Neste aspecto, e de tudo quanto se faz irresponsavelmente no tempo, ninguém tem o direito de imputar o crime de idealidade (falta da medida como produto potencial do desenvolvimento) ao voto de confiança à presidente.

    Assuma pelo menos que foi falta de vergonha na cara dizer descaradamente que a escuridão irracional e incontornável de um dinheiro sem lastro se deve a confiança ao novo mandato de Dilma.

    A economia é que vem usurpando o lugar de um organismo da simetria da grandeza interna, e essa assimetria social precisa ser anulada e sujeita a lei potencial; segundo à sua própria unidade exterior e abstrata.

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