François Hollande e os lucros do terrorismo

Após os ataques em Paris atribuídos ao Estado Islâmico a condenação ao terrorismo é unânime. Governantes, jornalistas, analistas, comentaristas, todos são dizem a mesma coisa. O terrorismo é infame, o terrorismo deve ser combatido e destruído.

Certa feita um advogado com quem trabalhei comparou os Estados aos bois e os criminosos aos mosquitos. Fiquei intrigado e ele complementou:

– Veja bem… Se ninguém incomodar o Estado ele não faz nada a não ser cuidar de seus processos burocráticos evolvendo os interesses das autoridades e dos servidores públicos. O Estado raramente toma conhecimento do que lhe é externo. O mesmo ocorre com o boi, que é um bicho preguiçoso. Se nada o incomodar o boi ele se deita na grana e se entrega à contemplação estática e à vida vegetativa. O Estado só se move por causa dos criminosos e os mosquitos é que fazem os bois se movimentar. Entendeu agora?

Esta comparação ainda me parece exagerada. Mesmo assim, mencionei-a aqui porque ela tem uma virtude: fazer referência à incapacidade dos Estados de tomarem conhecimento do que lhes é externo.

O terrorismo é um fenômeno crimina (e, portanto, sujeito á repressão estatal), mas não difere muito do privilégio concedido aos Estados e governos de, em determinadas condições, fazer de usar a violência coletiva como um substituto para a diplomacia. De fato, a guerra e o terrorismo são mais semelhantes do que diferentes. Ambos produzem as mesmas coisas: destruição, mutilação e morte. A única diferença entre ambos é a amplitude: podemos dizer que a guerra é o terrorismo em larga escala com propósitos políticos mais ou menos definidos.

Toda guerra é transitória, pois um dos beligerantes é totalmente destruído (Alemanha de Hitler e o Iraque de Saddan Hussein), se retira esgotado do campo de batalha (EUA ao fim da Guerra do Vietnã) ou vai à bancarrota em razão do conflito (URSS no Afeganistão). Há paz quando os Estados não estão em conflito ou quando a sociedade civil não se despedaça dentro do havia sido o território do seu Estado.

Uma paz duradoura, contudo, só pode ser celebrada quando ocorrem negociações justas entre as partes beligerantes. O problema surge quando uma das partes não reconhece a outra como “parte beligerante”. É exatamente isto que ocorre quando Estados enfrentam terroristas.

Durante a ocupação da França, os nazistas alemães chamavam os membros da resistência francesa de “terroristas”. Em razão disto, os soldados do III Reich não negociavam com seus inimigos franceses exatamente como os franceses não querem agora negociar com os terroristas do Estado Islâmico.

Não há paz possível quando uma das partes é deslegitimada e automaticamente excluída das negociações. Nestes casos o estado de guerra perdura por tempo indeterminado. A paz não pode ser duradoura, porque todos vivem numa guerra que irrompe novamente para ser uma vez mais interrompida.

Desde antes de 2001 os Estados ocidentais, em razão de suas políticas equivocadas e violentas no Oriente Médio, tem criado os terroristas que se esforçam para destruir. A vitória de ontem, porém, acarreta a derrota de amanhã, pois os filhos e netos daqueles terroristas mortos (e dos inocentes que foram assassinados como se fossem terroristas), mais empobrecidos e marginalizados do que seus antepassados serão abandonados à própria sorte. Não raro eles acabam sendo recrutados por novos líderes dispostos a praticar violências organizadas. E o ciclo recomeça.

Onde uma das partes é automática e eternamente deslegitimada não há possibilidade de paz, apenas a lógica de extermínio intermitente. O boi abana o rabo para espantar e matar os mosquitos e muda de lugar, mas os filhos e netos daqueles mosquitos continuarão a nascer e crescer para picá-lo indefinidamente. O Estado não é um ser natural, é uma construção humana. Ao contrário do boi, o Estado pode evoluir, pode agir para preservar a paz e para por fim duradouro a um conflito. Isto, contudo não interessa muito àqueles que fabricam e vendem os armamentos para os Estados. Eles “mercadores da morte” são mosquitos imorais e imortais, ajudam a eleger os políticos que preservam o estado permanente de guerra.

Aqui a finalidade do terrorismo se desloca. De ação política e violenta contra o Estado ele se transforma no fundamento mesmo da preservação do militarismo e dos lucros resultantes das operações militares estatais. Há alguns dias o presidente da França, François Hollande, declarou solenemente que seu país está em guerra com os terroristas. Quem ele representa: o povo francês ou os fabricantes de armamentos “made in France” que esfregam as mãos gananciosas sem se preocupar muito se elas estão ou não sujas de sangue dos seus compatriotas? 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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