Fux 1º e único, legislador em última instância, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Na prática, o presidente do STF introduziu na Lei um novo prazo que não foi prescrito pelo Poder Legislativo. Ele poderia suspender a eficácia da Lei, mas não criar outro prazo para o seu cumprimento.

Agência Brasil

Fux 1º e único, legislador em última instância

por Fábio de Oliveira Ribeiro

A novidade da semana foi o despacho do presidente do STF concedendo ao Executivo um prazo não prescrito em Lei.

O art. 2º, § 2º, da LEI Nº 14.172, DE 10 DE JUNHO DE 2021, tem a seguinte redação:

§ 2º Os recursos destinados ao cumprimento do disposto no caput deste artigo serão aplicados de forma descentralizada, mediante transferências da União aos Estados e ao Distrito Federal em parcela única, a ser paga até 30 (trinta) dias após a publicação desta Lei, de acordo com o número de professores e de matrículas que cumpram os requisitos previstos no § 1º deste artigo e o atendimento às finalidades, às proporções e às prioridades definidas no art. 3º desta Lei.

Tendo a Lei sido promulgada em 11/06/2021, o prazo para o repasse de verbas que garantiriam internet para os alunos da rede pública de educação durante a pandemia finda em 10/07/2021. Ao despachar o pedido liminar nos autos da ADI 6926, o presidente do STF proferiu a seguinte decisão:

“A análise dos autos revela uma série de questões constitucionais complexas, as quais serão oportunamente objeto de análise pelo Eminente Relator, juiz natural da causa.

Por ora, em sede de plantão judiciário, com vistas a evitar o perecimento do direito invocado, bem como com o intuito de permitir à União a continuidade das providências constitucionais e legais necessárias para o adimplemento da obrigação veiculada na Lei n. 14.172/2021, estendo o prazo constante de seu artigo 2º, § 2º, por mais 25 (vinte e cinco) dias.”

Na prática, o presidente do STF introduziu na Lei um novo prazo que não foi prescrito pelo Poder Legislativo. Ele poderia suspender a eficácia da Lei, mas não criar outro prazo para o seu cumprimento.

Tal como proferida, a decisão do presidente do STF configura uma evidente invasão da competência do Legislativo não referendada pela Constituição Cidadã. Não existe nenhuma previsão constitucional outorgando ao presidente do STF ou mesmo ao Tribunal Pleno daquela Corte o poder para agir como órgão legiferante de última instância.

A norma cuja inconstitucionalidade se pretende decretar não pode ser interpretada fora dos parâmetros que foram estabelecidos pelo Poder Legislativo. Se é constitucional ela deve ser cumprida. Se aparenta ser inconstitucional ela merece ser suspensa e, depois, removida do universo jurídico durante o julgamento do mérito da ação. As regras que orientam a atuação da Suprema Corte ao julgar os processos também não poderiam ser simplesmente ignoradas por Luis Fux, mas foi exatamente isso que ele fez.

O Poder Judiciário não pode adulterar o texto da Lei, pois a parcela de poder que lhe foi conferido nesse caso é limitada à apreciação da legalidade ou não do ato legislativo. O despacho invade a competência do Congresso Nacional, criando um verdadeiro tumulto constitucional.

Se a situação fosse inversa, ou seja, o presidente da Câmara dos Deputados ou do Senado revogasse uma decisão oriunda do STF o resultado não seria apenas e tão somente um desconforto. O abuso poderia acarretar consequências jurídicas muito mais sérias. Todavia, a decisão “legislativa” de Fux em beneficio do Executivo o aproxima de Bolsonaro, presidente que tem feito tudo o que não deve para monopolizar o direito de impor limites à atuação dos dois outros poderes.

Quando o membro de um poder limita ou usurpa as prerrogativas constitucionais de outro poder o caso é grave. O texto da constituição (art. 85, II) é absolutamente cristalino. O que Fux fez pode ser considerado crime de responsabilidade.

E assim chegamos ao fundo do poço. O Executivo se recusa a cumpri a Constituição Cidadã na parte em que ela garante o direito à educação. O Judiciário inventa dispositivos legais para garantir a prerrogativa extraconstitucional do ditador Jair Bolsonaro de legislar ou desfazer a legislação. E o Poder Legislativo se recusa a julgar os crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente da república que compromete o direito à educação das crianças brasileiras e, eventualmente, pelo presidente do STF que usurpou a competência do Congresso Nacional.

Nossas instituições estão funcionando? Bem… todos esses congressistas “cidadãos de bem”, ladrões e golpistas fardados e impolutos jurisconsultos que corrompem o texto constitucional estão recebendo seus pagamentos no final do mês. Talvez esse seja o problema.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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