Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Globo News dá “pérolas coxinhas” para desempregados, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Diariamente acompanhamos na grande mídia um desfile de clichês do manual do perfeito empreendedor de si mesmo, “pérolas coxinhas”: pessoas proativas, criativas etc. teriam mais chances de arrumar um emprego… apesar da crise. O adjunto adverbial de concessão é o único elemento que dá racionalidade a essa fábula diária na TV. Uma dessas fábulas foi narrada pela Globo News: a história de dois jovens que ficavam com placas de cartolina na Avenida Paulista pedindo emprego. E o telejornal mostrou o sucesso da “proatividade”. Um exemplo de como as notícias estão abandonando o Jornalismo para entrar no campo morfologia do Conto Fantástico, como estudou Vladimir Propp. E mais um exemplo de como as esquerdas até hoje não entenderam a eficácia comunicativa da Direita – ideologia não se combate com crítica ideológica, mas com guerrilha e anarquia midiáticas.

Certa vez em 1933, no Palácio dos Esportes em Berlim, um pouco antes da vitória de Hitler, dois propagandistas, um comunista e outro nazista,  discursaram. O aparentemente gentil nazista insistiu que o comunista tomasse primeiro a palavra. O que o comunista sentiu como uma distinção, e começou a falar: aí veio uma discurso recheado com as partes mais complicadas de O Capital sobre “contradição principal”, “taxa de lucro média” e cada vez mais cifras. O público nada entendia e assistia entediado. No final, aplausos entre regular e fraco.

Então, aparece o nazista. E foi fulminante: “quando vocês trabalham no escritório o que os Srs. e Sras. fazem o dia inteiro? Escrevem números, somam, subtraem! E o que os Srs. ouviram do Sr. orador que me antecedeu? Números e mais números. De tal forma que a frase do nosso Führer encontrou uma confirmação inesperada: comunismo e capitalismo são os dois lados de uma mesma moeda”. Então, fez uma pausa bem estudada e emendou: “Eu, porém, falo a você de uma incumbência mais alta…!”. 

Guardadas as devidas diferenças, atualmente as esquerdas brasileiras continuam a assistir perplexas à eficácia como o espectro político à Direita manipula de forma eficaz as diferentes meios de comunicação. Desde que os nazi-fascistas estetizaram e despolitizaram a política (como no breve exemplo acima), as esquerdas ainda se portam como o ingênuo propagandista comunista, lisonjeado em tomar primeiro a palavra – o que na verdade foi apenas um ardil do nazista.

Ideologia e Imaginário

Enquanto as esquerdas preocupam-se com conteúdos (denúncias, críticas ideológicas, matérias investigativas que nunca terão a devida repercussão) a Direita lapida o imaginário, o verdadeiro substrato de toda ideologia.

A Direita não faz Política. Política é um espaço desinteressante, fastidioso, árido – as mesmas discussões parlamentares, políticos que nada resolvem, partidos atrelados a interesses econômicos. 

A Direita chega à Política indiretamente, por meio do imaginário e das fantasias, e não com o concreto e o imediato. Não com “conteúdos” de comunicação através dos quais, diferentemente, as esquerdas de forma teimosa insistem: filmes ou documentários sobre denúncias ou histórias de opressão, censura e exploração, por exemplo.

Imprensa é propaganda

Como disse certa vez Goebbels, ministro da propaganda nazista: “para nós, a Imprensa é propaganda com meios jornalísticos”. A Direita simula transmitir conteúdos (notícias, por exemplo), mas na verdade cria imagens, plots, narrativas. 

Diante da eficácia comunicativa da Direita, as esquerdas denunciam o “monopólio midiático” e a força bruta da grana (o BV, Bonificação por Volume, pago aos anunciantes pela Globo, por exemplo). São verdades, mas não explicam totalmente o porquê da eficácia comunicativa da Direita.

Um singelo exemplo dessa construção de “imagens” e de formas comunicacionais para, indiretamente, chegar à política por meio do imaginário foi dada pela Globo News.

No programa Conta Corrente a apresentadora Christiane Pelajo falava sobre os números crescentes do desemprego apontados pelo IBGE. Números áridos que representam os jovens desempregados na faixa entre 18 e 24 anos. 

Mas de repente esses números ganham concreção em um plot dramático: a história de dois irmãos que passam dois dias por semana na Avenida Paulista segurando cartazes com dizeres: “Não quero esmola, quero um emprego”. Dois jovens pernambucanos que vieram a São Paulo em busca de trabalho e até aquele momento não obtinham sucesso.

“A gente gastava muito dinheiro com ônibus e currículos e aí pensamos numa forma mais barata, só com a cartolina”, descreveram para a repórter Thais Itaqui que se dirigiu a casa dos jovens. 

Pérolas coxinhas

Uma semana depois, no mesmo programa Conta Corrente, mais notícias dos números áridos do desemprego, discussões no Congresso sobre enxugamento dos gastos do governo e… uma boa notícia: um dos irmãos pernambucanos “que apelaram para a criatividade para conseguir um trabalho” ligou para a redação da emissora para avisar que tudo deu certo. Foi empregado em uma loja de produtos orgânicos no bairro nobre das Perdizes. E a mesma repórter foi cobrir o primeiro dia de trabalho do rapaz.

O patrão foi rápido: “Ele é seu pupilo, hein!… minha esposa viu a matéria na TV e gostou da postura deles de batalhar”. “E qual o diferencial para um jovem que está assistindo a gente pode ter para arrumar um emprego nesse momento?”, perguntou a atenta repórter ao proprietário da loja.

A partir daí o entrevistado começou o desfiar o rosário dos clichês do conhecido manual meritocrático como “proatividade”, “fazer diferença”, “ser criativo”, “competitividade” e assim por diante.

Preocupado, o rapaz lembrou que só faltava agora o seu irmão ser empregado: “veja lá no vídeo do dia 17 do G1 que está a gente com o cartaz com o telefone. Liga lá que meu irmão tá precisando”, disse o rapaz entre sorrisos.

Claro, são “pérolas coxinhas” do manual do perfeito empreendedor de si mesmo. Estranha situação na qual apesar do País viver “a maior crise da história”, basta ser proativo, criativo e competitivo que achará um lugar ao sol, ou, no caso, uma luz no meio das trevas. É o sucesso do adjunto adverbial de concessão – apesar de a crise ser econômica e política, o sucesso será sempre individual.

O Conto Fantástico

Mas a força imaginária da peça ideológica que representou essa matéria do Globo News não vem do seu conteúdo – por si só um conjunto de clichês do discurso da meritocracia desgastados e repetitivos e muitas vezes irreais diante do cotidiano do próprio telespectador.

A força vem da forma narrativa (o jornalismo em busca de personagens) e das estratégias meta-midiáticas – efeito Heisenberg e tautismo.

Embora o tema do programa Conta Corrente seja desemprego, não é sobre isso que a repórter queria informar. Ela pretendia nos contar uma fábula de personagens tão oportunos e perfeitos que pareciam inventados por algum roteirista – jovens irmão pernambucanos (que remete a todo imaginário dos retirantes em busca do Sul Maravilha fugindo do subdesenvolvimento nordestino) que não querem esmola de ninguém – mais uma referência, dessa vez às críticas a programas de assistência como Bolsa Família tidos como “esmolas”.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

14 Comentários

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  1. Agora que o Temer está

    Agora que o Temer está “ocupando” a Presidência da República, tome mensagens e bombas semióticas motivacionais ao melhor estilo “com crise se cresce” do SBT nos plúmbeos anos FHC.

  2. O PIG já começou…
    Gostaria

    O PIG já começou…

    Gostaria eles mostrassem o que está acontecendo COM A SAÚDE DOS QUE AINDA PRECISAM DO SUS!

    Há risco de colapso em vários hospitais…

  3. Revoltante

    Revoltante, passei todo os anos do governo FHC desempregado, com diploma na mão e nada de emprego

    Aonde ia procurar trabalho o salário era tão baixo que eu teria de pagar pra trabalhar a fim de “ganhar experiência” curricular

    E o país pegando fogo, com os índices de desemprego e desenvolvimento lá embaixo

    Mas você sintonizava na desgraçada da Globo e o país era uma maravilha, algo de fazer inveja a britânicos, nada era culpa do governo: tudo era culpa da própria população que não sabia se virar pra conseguir comer

    Quando o PT ganhou o governo federal, na Globo tudo era culpa do governo, nem no ápice do desenvolvimento econômico do governo Lula, quando este conseguiu a certeza da realização da Copa e das Olimpíadas no Brasil a Globo dizia que o país ia bem, muito pelo contrário Myrian Leitão se esforçava ao máximo pra denegrir todos os avanços sociais conseguidos

    Hoje é simplesmente um dejavú…

  4. Muito bom

    Também é “ótimo” quando a apresentadora chama especialista em emprego que recomenda mil designs de currículos, de forma a centrá-los nos aspectos importantes, quais sejam : proatividade, fazer a diferença e concorrência, além de poupar o futuro patrão preguiçoso que não gosta de ler.

  5. O problema é que a esquerda

    O problema é que a esquerda tem pudores em admitir o óbvio: o povo é burro, incluindo a classe média alta. A direita vai manter o povo burro para manter o poder. Não adianta tentar conversar com um burro da mesma maneira e com os mesmos argumentos com que se conversa com gente normal. Eu moro na periferia, eu sei disso.  “Controle remoto”, “mídia técnica”, acesso a TVs, computadores e outras tranqueiras sem a contrapartida de uma forte campanha para que o povo burro entendesse que só teve acesso a isso graças a políticas adotadas pelo governo dá nisso que estamos vendo: pobre burro e, consequentemente, de direita. Você não pergunta a uma criança se ela quer tomar remédio, você obriga a criança a ingeri-lo e ponto final. É para o bem dela.

  6. Nossinhora, Wilson!  Euzinho

    Nossinhora, Wilson!  Euzinho sou a unica pessoa que ja escreveu sobre Vladimir Propp que eu saiba em todos esses anos de ler na internet!

    A teoria das narrativas dele eh barbara!

    Comparar essas “perolas coxinhas” tambem com as historias inventadas de evangelicos sobre Jesus para “ensinar” as pessoas.

    Tudo tao primitivo que cabe exatamente em uma teoria de mais de 100 anos sem tirar nem por!

  7. Traidores e ladrões!
    A vida é

    Traidores e ladrões!

    A vida é difícil e hoje no Brasil está mais difícil ainda… Assistimos neste momento a vitória da traição e o roubo de esperança no Brasil. 
    E quem traí e rouba são exatamente quem sempre se favoreceu do país, quem sempre se beneficiou do trabalho do brasileiro mais humilde e de um Governo que fez o Brasil sair da mediocridade histórica internacional, da lista da fome, do “sem rumo” secular que ricos e altos funcionários assalariados sempre o colocaram. 
    Hoje vemos o ódio ao Brasil e ao povo escancarado. 
    Por mais de 12 anos esse ódio foi destilado diariamente pelas redes de TV, rádio, jornais e etc (a mídia do jaba) e envenenou grande parte da população.
    Programas de ódio expõe a violência, a dor e o sofrimento humanos a exaustão, gerando perplexidade e sentimento de impotência. 
    Noticiários nacionais escondem os avanços alcançados, mostrando o que ainda não foi feito. Sem nunca explicar as razões e as origens dos problemas. 
    Igrejas se apoderaram de um discurso empresarial transformando templos em salas de um “Sebrae Espiritual”.
    Esses infelizes estão a golpear o Brasil apenas para voltar a dizer que “o País não tem jeito, mesmo!” Eliminando o Partido dos Trabalhadores vão destruir a esperança no coração do povo brasileiro que Lula fez renascer.
    É esse o objetivo desses doentes, desses 1% de “taradões” poderosos. Acabar com a esperança da nação brasileira!

  8. esmola, a palavra chave.

    Para o rapaz o emprego que conseguiu representa sua digninidade. Bom para ele! Mas no sentido amplo, nãp passou de mais uma esmola. Esmola é tudo aquilo que PEDIMOS para nós, caridade é tudo aquilo que pedimos para o OUTRO. Parace igual, mas não é. Ele pediu esmola quando a mensagem subentendida era caridade (quero emprego para mim, meu irmão e para todos os outros). Aparentemente o  empregado deu caridade (de fato o sentimento é de caridade) mas diante da rogativa do rapaz, o que de fato veio foi a esmola, um “emprego” (esmola) para o pedido (sentido restrito) do rapaz.

    É por isso que já não acredito em promessas de Sol. O Sol de Deus é a liberdade, mas o sol prometido pelos homens é a servidão.

  9. A av. Paulista, por exemplo, já nos deu uma amostra disso.

    Ou seja, é preciso dialogar com o tolo, o incauto e o imbecil. Notadamente com os imbecis, eles são a maioria.

    Falemos, pois, a língua deles.

     

  10. Esta matéria diz o mesmo que o Romulus.

    Prezados leitores,

     

    Os que lêem as ótimas crônicas do Romulus devem ter percebido nesta análise o mesmo raciocínio e as mesmas conclusões. A Direita é eficiente e eficaz não só na comunicação, mas na manipulação e na arte de chegar ao poder e nele se manter. A Esquerda digladia etre si, em intermináveis debates, em que as correntes de enfraquecem, quando não se anliquilam. Além de Marx, Engels, Piketty… é preciso que a Esquerda leia também Maquiavel e (por que não?) os 11 passos/princípios de Göbbels.

  11. civilidade x barbarie

    a maquina de propaganda da globonews é tão boa que  perdeu 4 eleições, e esta apoiando um golpe de estado pra conquistar o que não conseguiram através das urnas. rs

    nadar nas aguas razas da linguagem simbolica é mole, basta sentar na frente da tv e comaçar. acredito que o contraponto deve ser a profundidade na analise.  não falo em abstrações inatingíveis, falo de pensamentos e raciocínios lógicos e racionais, justamente o que falta na grande mídia.

     

    a barbarie,ou a repetição sem fim da barbarie tem de montão por ai…

     hoje, o grande desafio é ser um oasis no deserto de idéias chamado grande mídia. 

     

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