Golpe da ditadura completa 59 anos e volta a não ser comemorado no Brasil

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Sem homenagem do Exército, com a criação de nova Comissão de Anistia e recuperando a Comissão de Mortos e Desaparecidos

Foto: Arquivo Nacional, Correio da Manhã, PH FOT 00229.461

O golpe que instaurou a ditadura do regime militar no Brasil completa 59 anos neste 31 de março. E ao contrário dos últimos quatro anos, o país volta a não comemorar a data, como o fez o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Sem mensagem do Exército celebrando a ditadura, com o anúncio da recomposição da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos e ameaça de punição aos militares que comemorarem o aniversário do golpe, o governo Lula volta a tratar o 31 de Março como a data para ser lembrada com rechaço.

Desde o primeiro ano de governo, Jair Bolsonaro retomou a mensagem de aniversário divulgada pelo Exército, na qual tratava o 31 de Março como o dia da “Revolução” ou “Marco histórico”, de forma heroica e positiva sobre a derrubada do poder pelos militares. O texto continha informações falsas, sob o argumento de que o regime militar “salvou” o Brasil de um suposto comunismo e da instabilidade política.

A postura do ex-mandatário já era esperada. Desde o seu mandato como deputado federal, Bolsonaro exaltou a ditadura, os ditadores e torturadores, entre eles Carlos Alberto Brilhante Ustra, cujos sobreviventes das suas torturas relatam os episódios dos mais crueis do período. Para Bolsonaro, Ustra foi um “heroi”.

Mas as homenagens das Forças Armadas ao período drástico da história brasileira voltam a se encerrar.

Sem homenagem e com punição

O comandante do Exército, general Tomás Paiva, determinou que não haverá mensagem, nem leitura da ordem do dia. O general também indicou a interlocutores que os militares que comemorarem o aniversário do golpe militar, nesta sexta (31), serão punidos.

Se o pedido de silêncio em relação à ordem do dia partiu de uma orientação direta do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, a todos os comandantes das Forças Armadas, Tomás Paiva estaria atento a manifestações e até eventos que podem ocorrer entre militares da reserva, para comemorar o dia. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, o general informou que poderá puni-los.

Além disso, o governo fez dois anúncios para atender aos trabalhos de recuperação da Memória do período e punição dos responsáveis.

Comissões voltam a trabalhar a Memória da ditadura

O Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania anunciou uma nova Comissão de Anistia, com trabalhos que começaram desde ontem, e que irá rever todos os pedidos de anistia de vítimas da ditadura que foram negados pelo governo de Jair Bolsonaro.

Um desses pedidos de anistia é o da ex-presidente Dilma Rousseff, que foi torturada pelos militares.

O governo também anunciou que irá recompor a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, criada em 1995, para atuar na memória das vítimas da ditadura. Sucateada ainda em 2019, quando o ex-presidente Jair Bolsonaro retirou dos cargos os escolhidos para conduzir os trabalhos, entre eles a procuradora federal Eugênia Gonzaga, no ano passado, a Comissão foi completamente extinta por Bolsonaro.

O Ministério dos Direitos Humanos irá recuperar a Comissão e também as nomeações de Gonzaga, do procurador Ivan Marx, do Ministério Público Federal, e Vera Paiva e Diva Santana, representantes dos familiares.

A expectativa é que o grupo, já formado, fosse anunciado nesta sexta (31). Mas houve alguns atrasos, na indicação da Câmara dos Deputados, na criação do despacho pelo presidente e na apresentação às famílias. Ainda assim, a comissão já está formada e, em breve, retorna ao funcionamento.

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Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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  1. Trago minha lembrança do dia 31 de março de 1964 em Juiz de Fora. Estava na Faculdade de Farmácia da Universidade de Juiz de Fora, onde cursava o primeiro ano. Soube pela manhã que o General Olímpio Mourão fez um pronunciamento no qual ele se rebelava contra o Governo do Presidente João Goulart. Saí na rua e me deparei com o Presidente da Câmara Municipal, chorando e amparado pelo pai dele e por uma irmã. Era do antigo PTB e defendia o Governo do Jango. Logo no início ele foi cassado por seus pares. Fiquei consternado ao ver esta cena. Muitos soldados e tanques circulavam pelas ruas e mostravam que havia um golpe militar em curso. A Catedral da Igreja Católica tocava sinos em franco apoio ao golpe. E mais tarde, muita gente se reuniu na principal rua da cidade e realizaram a “Marcha da Família pela Liberdade e pela Propriedade”. Na comissão de frente vinha um conjunto de mulheres beatas, raivosas, da classe média, todas brancas, com fitas de congregações religiosas conservadoras e entoavam cantos à Nossa Senhora e agradeciam que Nossa Senhora e os militares salvaram o Brasil do Comunismo. Atrás do grupo de mulheres vinha um grupo de homens jovens paramentados de roupas vermelhas e portando bandeiras da TFP, que significa “Tradição, Família e Propriedade”. Era um grupo católico ultraconservador de extrema-direita. Enxergavam comunismo em tudo que era vermelho, só não percebiam que se vestiam de cores rubras e que portavam flâmulas vermelhas. Na terceira ala estavam os homens grados, hoje chamados de cidadãos do bem. Muitos eram empresários, homens ricos, comerciantes e afinados com a extrema-direita. Diziam que defendiam a democracia da ameaça comunista. Até então não havia ninguém da raça preta. Só na quarta ala, estava o povão. Uma massa disforme de gente que acreditava que o Jango e o Brizola eram comunistas. Havia muita semelhança com o que aconteceu recente no Brasil no governo anterior. Felizmente aqui aconteceu que a repetição do golpe foi sufocada pelo desejo do povo de respeitar a democracia e o resultado das urnas. Mas corremos um risco enorme de repetição da história.

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