Governo Lula agravou privatização do SUS, avalia Conselho

Governo Lula agravou privatização do SUS, avalia Conselho

Carolina Oms
Especial para Terra Magazine

Governo Lula agravou privatização do SUS, avalia Conselho Apesar de ser um órgão vinculado ao Ministério da Saúde, o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Francisco Batista Júnior, não usa meias palavras para definir a situação do SUS (Sistema Único de Saúde): “Há três, quatro anos, ele está agonizando”. O sistema público de saúde, na avaliação de Batista, vem sendo descontruído desde 1995, quando serviços especializados de referência “foram desmontados e transferidos para a rede privada”. O presidente do Conselho defende medidas urgentes para impedir a falência do sistema e avalia que o governo Lula agravou a situação: “Essa lógica (da privatização) vem se aprofundando. Privatizaram as ações, depois a força de trabalho e agora a gestão”. Segundo os dados do órgão, 95% dos serviços especializados do SUS são prestados pelo serviço privado: – A privatização do SUS o inviabiliza, não tem sistema no mundo que resista. Politicamente, o CNS independente do Governo Federal. Seu presidente foi eleito por um conselho composto por 50% de usuários, 25% de trabalhadores e 25% de prestadores de serviço e gestores. “Nós temos absoluta autonomia”, garante Batista Júnior. Leia a entrevista.

Terra Magazine – Como o senhor avalia a atuação situação do sistema de saúde público do Brasil?

Francisco Batista Júnior – Nós, do Conselho Nacional de Saúde, estamos afirmando há dois anos que ou nós tomamos medidas drásticas de resgate dos princípios do sistema ou ele será inviabilizado definitivamente. A partir de 1995, começou um processo de desconstrução jurídica e política do sistema de saúde. Entre 1990 e 1994 muita coisa importante aconteceu para construir e consolidar o sistema, mas há três, quatro anos, ele está agonizando. O SUS é um sobrevivente, sofrendo tantos ataques nos últimos 10, 12 anos. É um gigante, é um sistema fantástico, é o grande responsável pela melhoria da qualidade de vida no Brasil. Ele faz a diferença, por mais dificuldades que o sistema enfrente, a população hoje tem a garantia de ser atendida sem custo. Mas o SUS está em vias de ser inabilitado, está agonizando e precisa de medidas urgentes. Estávamos, na semana passada, debatendo as auditorias que o Ministério da Saúde realizou no ano passado a respeito do cumprimento ou não da emenda constitucional 29 que trata do financiamento do SUS e o Ministério diagnosticou que, em 2007, 17 estados não cumpriram nem o mínimo do estabelecido pela Constituição. Tenho certeza de que, nesses 17 estados, os 17 secretários de Saúde gostariam de aplicar esse dinheiro na Saúde se pudessem.

Por que não aplicam?

Porque a lógica que hoje norteia a gestão pública trabalha na perspectiva de que as prioridades sejam outras. Dos dez estados que cumpriram a Constituição, o Distrito Federal e o Amazonas investiram mais 20% na Saúde. No entanto, a situação nestes estados é tão caótica quanto nos que investem menos. É a prova cabal de que a questão não se resume a recursos financeiros. A lógica de execução orçamentária no país é equivocada. Por isso, o CNS defende que algumas medidas sejam tomadas, existem soluções.

E que medidas seriam?

A primeira é que, precisamos de mais recursos financeiros para a saúde, não há a menor dúvida, todos os estudos comprovam isso. O Brasil é um dos países que menos investe em saúde do mundo e tem um sistema de saúde que poucos países têm. Mas tem um sistema diferenciado no papel, na proposta, que se propõe a atender a população de forma integral. Com os recursos que temos hoje é impossível avançar. A segunda proposta é o seguinte: o sistema funciona sem qualquer autonomia financeira necessária, pra comprar um medicamente diferenciado, que não está na lista, para uma paciente que está na UTI é a maior dificuldade por exemplo. Isso é um absurdo e inviabiliza grande parte dos serviços. Nós defendemos a regulamentação do artigo 37 da Constituição Federal, que estabelece a possibilidade de prover autonomia orçamentária e financeira aos serviços públicos. Essa autonomia seria viabilizada através de um contrato de gestão: cada hospital terá metas a serem cumpridas, obedecidas e os valores correspondentes. Hoje estamos financiando por procedimentos realizados, isso estimula a mercantilização o que tem de prefeito que contrata clínica privada sem nenhuma necessidade porque sabe que, se apresentar pro Ministério a conta, vai receber recursos por isso. Vira uma festa!

Que outras propostas o CNS defende?

Terceiro ponto: A profissionalização da gestão pública. Não aguentamos mais a saúde ser utilizada como poderoso instrumento de apoderamento político, de ação corporativista e patrimonialista. A regra geral no país é as secretarias de Saúde serem utilizadas como moeda política. Isso é um câncer. As pessoas assumem com a única intenção de sugar. A Constituição diz que, nos serviços públicos, os cargos podem e devem ser profissionalizados até o cargo de diretor, então nós exigimos que só assuma quem tem qualificação exigida para isso. E, principalmente, que essa gestão se dê de forma participativa e democrática, queremos acabar com o autoritarismo que reina. O quarto ponto é a criação de uma carreira única da saúde, não tem condição de o sistema continuar atuar como está, com essa absoluta falta de responsabilidade em relação à força de trabalho. Hoje, o discurso é um só: “Falta médico em todo o país”. É óbvio que não falta médico, não do ponto de vista de profissional no mercado.

O que falta?

Nós viajamos o Brasil todo e é muito difícil encontrar na saúde pública, farmacêuticos, fisioterapeutas, psicólogos. Não existe a cultura da atuação multiprofissional em saúde, nós defendemos que, para conseguirmos disponibilizar a equipe multiprofissional para o que ela necessita, temos que criar uma carreira única para prover os municípios com toda a equipe profissional. Nem todos os municípios do Brasil vão ter que ter todos os profissionais, até porque o próprio SUS preconiza a regionalização e a pactuação. Alguns municípios assumam a responsabilidade de disponibilizar para a região toda alguns profissionais, outros por outros profissionais, de forma que a população tenha acesso a todos indistintamente. Depois de fazer o levantamento das necessidades de cada município, faremos uma pactuação; e o município, o governo estadual e o federal vão entrar cada um com uma parte da verba. Nessa carreira única, os profissionais teriam pisos salariais nacionais por níveis de escolaridade, independente do local em que fosse concursado. Nós defendemos diferenciação de remuneração a partir da qualificação; quanto mais qualificado, melhor o salário, assim como o profissional que optar por dedicar-se exclusivamente ao SUS e os que exercem sua profissão em regiões mais inóspitas.

A carreira única pode resolver todos os problemas com a escassez de profissionais?

Mesmo com essa carreira única temos certeza que teríamos dificuldade de contratar profissionais em alguns lugares do Brasil. Porque fizeram tanta coisa errada no SUS que hoje existem situações no serviço público em que não se consegue contratar profissional de jeito nenhum, pode oferecer o salário que for. Cometeram o grande equívoco de terceirizar praticamente todos os serviços especializados do SUS, os profissionais priorizam o exercício na rede privada conveniada ao SUS. Eu estive em Roraima e o secretário de Saúde me confidenciou que em Boa Vista eles tinham um cirurgião cardíaco e o secretário ofereceu a ele 28 mil reais de salário para que ele trabalhe em regime de plantão em um hospital público e ele não quis. Isso porque o cirurgião trabalha hoje em um hospital conveniado ao SUS, que vive graças ao SUS. No dia que o convênio acabar, ele fecha as portas. Hospital privado no Brasil hoje que está em situação financeira equilibrada tem convênio com o SUS em procedimento especializado e de alto custo, pode ter certeza. Então, pro médico é muito mais cômodo continuar com seu consultório particular, encaminhando pacientes para o hospital privado conveniado com o SUS.

Qual a alternativa?

Fechar essa porta, esse câncer. Outra proposta que nós temos é criar o serviço civil em Saúde. Em Rondônia, Porto Velho, havia três faculdades de Medicina, uma pública e duas privadas, elas formam por ano cerca de 200 profissionais e lá falta médico. Alguma coisa está errada: quem faz vestibular nestas faculdades não mora naquela região, essas pessoas passam, concluem o curso, pegam seu canudo, põem no bolso e voltam pro seu estado de origem. Nossa proposta para acabar com isso é a seguinte: formou na área de Saúde, em faculdade privada ou pública (até porque as privadas recebem isenção de impostos), vai ter que trabalhar pelo menos um ano no serviço público do SUS, de preferência onde se formou.

O senhor está fazendo uma série de críticas à atual situação da saúde no Brasil, mas o Conselho Nacional de Saúde também não é um órgão federal? Há independência?

Politicamente, absolutamente independentes. O Conselho é um órgão garantido pela Constituição Federal, sua função é propor e deliberar sobre todas as políticas de saúde a serem criadas e implantadas e fiscalizar todas as ações, inclusive no aspecto financeiro. E nós temos absoluta autonomia para isso.

Como o senhor enxerga as parcerias do SUS com o sistema privado?

O apoderamento da saúde pelos interesses privados começou em 1995 quando havia uma rede pública muito interessante no Brasil. Era comum encontrarmos praticamente em todos os municípios do Brasil maternidade e postos de saúde públicos atendendo à população. As capitais brasileiras tinham serviços especializados de referência e eles foram desmontados e transferidos para a rede privada. Hoje 95% dos serviços especializados do SUS são prestados pelo serviço privado a um custo absurdo, impossível de ser financiado. A privatização do SUS o inviabiliza, não tem sistema no mundo que resista. Depois passaram a privatizar a força de trabalho através das terceirizações. Funciona assim: pessoas ligadas ao governo montam uma empresa de fachada, fazem uma licitação meia-boca, empresa disponibiliza profissionais pelos quais o governo paga três, quatro vezes mais do que a empresa repassa aos trabalhadores. A diferença é rateada e vira fundo de caixa.

O governo Lula tentou reverter esse processo?

Não, essa lógica (da privatização) vem se aprofundando. Privatizaram as ações, depois a força de trabalho e agora a gestão, com as OSS (Organizações Sociais de Saúde) e as OSIPS (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público).

Em quais outros estados do Brasil isso acontece?

Começou em 1995, em São Paulo, com o Pas, do Paulo Maluf. E se expandiu em Tocantins, Pará, Maranhão, o Rio de Janeiro, mais recentemente. Com o governo Lula colocaram o pé no freio, mas quando perceberam que o governo, principalmente o ministro José Gomes Temporão, não fazia qualquer resistência a essa política, retomaram esse processo de forma violenta. Hoje, a Bahia, que tem governo petista, está fazendo isso. Nenhuma OSS assume sem fazer um contrato com o governo estabelecendo regras. Primeira regra: só atende a capacidade instalada. Lotou, não atende mais ninguém. Aí o pessoal fala: “Ah, mas o hospital da OSS é lindo, não tem gente no corredor”. Mas é obvio, só atende a capacidade instalada. Só que isso violenta a Constituição. Também violenta o concurso público.

Fonte: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4637164-EI6578,00-Governo+Lula+agravou+privatizacao+do+SUS+avalia+Conselho.html

Redação

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