Hospital das Clínicas vai ampliar atendimento referencial

Símbolo mais vistoso da saúde universal, pública e gratuita no Brasil, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP vai destinar 12% de seus atendimentos aos planos de saúde. Com isso, o HC quadruplicará os serviços prestados a convênios (hoje, apenas 3% dos atendimentos são vendidos aos planos).

Boaparte dos médicos ouvidos pela Folha de S.Paulo acredita que a ampliação do atendimento aos portadores de planos de saúde gerará diferenças de tratamento em relação aos pacientes do SUS. A chamada “dupla porta” de acesso ao hospital acaba privilegiando os pacientes conveniados. Eles podem marcar consultas e realizar procedimentos eletivos com mais agilidade.

O projeto é defendido pelo superintendente do HC, o médico Marcos Fumio Koyama, 37. Mais jovem ocupante do cargo que já pertenceu a baluartes da medicina do país, como Enéas de Carvalho Aguiar e Vicente Amato Neto, Fumio acredita que a ampliação do atendimento aos planos de saúde possibilitará atender mais pacientes SUS “e melhor”.

O doutor Fumio é um tipo peculiar de médico. A residência, ele fez em administração hospitalar. O mestrado, na Fundação Getulio Vargas. Calouro ainda na medicina da USP, ficava mais impressionado com o excesso de exames para diagnosticar um paciente, do que com a própria enfermidade.

Formado, foi para a AIG Seguros. Especializou-se em ampliar a lucratividade do banco no negócio da saúde. Voltou para a Faculdade de Medicina da USP em 2007.
“Não acho que podemos nos contentar em ser, na rede pública, um arremedo do que é feito de melhor na iniciativa privada”, diz.

ARITMÉTICA

Fumio diz que o dinheiro dos planos será usado para financiar melhorias no atendimento gratuito do HC, pago pelo SUS. “Hoje, os planos pagam 3% dos atendimentos totais do HC. Mas o que eles pagam (R$ 100 milhões/ano) já responde por 10,6% das nossas receitas (R$ 940 milhões).”

Para o médico, cada “paciente com plano de saúde” gera recursos suficientes para o atendimento de três ou quatro “pacientes do SUS”.
Segundo as contas, pagando por 12% dos procedimentos do HC, os planos de saúde injetariam recursos que poderiam alcançar até 40% do orçamento atual do hospital.

O paradigma desse modelo é o Instituto do Coração do HC, em que 18% dos leitos já são destinados a pacientes particulares, gerando 50% da receita (os 50% restantes são do tesouro público). “Costuma-se dizer que o paciente plano de saúde tirará leitos dos pacientes SUS. É o contrário. O paciente do plano de saúde permitirá ampliar e melhorar o atendimento ao paciente do SUS.”

Pesquisa feita neste ano no HC mostra que 11% dos atendimentos pelo SUS (gratuitos) foram prestados a pacientes que têm planos de saúde.

“Veja, 11% de pacientes de planos de saúde estão usando recursos do SUS -quando poderiam ser atendidos pelos planos. O que existe hoje é um Robin Hood ao contrário. Tira-se dos pobres para dar aos ricos. Por que não resolver isso em uma relação contratual normal?”, indaga.

A ampliação do atendimento aos planos será gradual. O objetivo, diz Fumio, é concluir o projeto até o fim de seu mandato (quatro anos).

Médicos veem medida com preocupação 

A decisão de destinar aos planos de saúde 12% dos atendimentos do HC é vista com “extrema preocupação” por alguns médicos. “Na prática haverá cidadãos de duas categorias disputando o mesmo serviço: um pagante [particular] e outro não pagante [SUS]. Será muito difícil evitar que os não pagantes não acabem preteridos”, diz Renato Azevedo Júnior, presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo.

Nacime Salomão Mansur, superintendente de dez hospitais “100% SUS” afiliados à SPDM, Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina, critica a medida. “Imagine dois pacientes necessitando de exames e de internação. Um será atendido em uma semana. O outro, sem recursos, terá de esperar até um ano. Como o gestor impedirá essa distorção

ONGs/Aids entram com representação no Ministério Público do Estado contra as vagas nos hospitais do SUS para planos de saúde

Sete entidades da sociedade civil, entre elas o Fórum das ONG/Aids do Estado de São Paulo, o Grupo Pela Vidda-SP e o Grupo de Incentivo à Vida (GIV), entregaram no dia 15 de fevereiro, no Ministério Público Estadual, uma representação contra a lei complementar nº.1.131/2010, que permite direcionar 25% dos leitos e outros serviços hospitalares para os planos e seguros de saúde privados. A lei abrange os hospitais estaduais que atualmente têm contrato de gestão com Organizações Sociais.

As entidades pedem que o Ministério Público questione judicialmente a lei estadual, em vigor desde o dia 27 de dezembro de 2010, pois a mesma fere os princípios da Constituição Federal, da Lei Orgânica da Saúde (lei nº 8.080/1990) e da Constituição Estado de São Paulo

Segundo comunicado divulgado por essas organizações, a representação irá destacar que “a nova lei estadual permite a venda de até 25% desta capacidade para os planos de saúde, ou seja, subtrai do SUS mais de dois milhões de procedimentos, incluindo 62.000 internações, hoje destinados exclusivamente aos usuários do sistema público.”

Ainda de acordo com este comunicado, “a lei complementar nº.1.131/2010 desconsidera a existência da legislação (Lei n º 9656/98) que prevê o ressarcimento ao SUS, toda vez que um usuário de plano de saúde é atendido em hospital público. Além disso, ao visar a arrecadação de recursos com a venda de serviços do SUS, a lei cria a chamada ´fila dupla´ de atendimento, pois os usuários dos planos de saúde terão assistência diferenciada e preferência na marcação e no agendamento de consultas, exames e internação.”

Assinaram ainda a representação o Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa), o Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo (Cosems/SP), o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e o Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp).

Redação da Agência de Notícias da Aids

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