Ildo Sauer e o gás boliviano

Prezado Senhor Luis Nassif,

Lamentavelmente as considerações feitas na nota “A Bolívia e a Petrobras”, divulgada em seu blog, no dia 7 de fevereiro de 2007, foram baseadas em fatos equivocados. Abaixo seguem algumas informações, caso haja interesse em esclarecer efetivamente o ocorrido.

A decisão de suspender os pagamentos do take-or-pay relativos ao contrato de importação de gás natural da Bolívia foi tomada em meados de janeiro de 2003 pela direção da Petrobras, antes mesmo da posse da atual diretoria da área de Gás e Energia da Companhia. A posse da atual diretoria da área citada só ocorreu, de fato, em 31 de janeiro daquele ano. Essa, por sua vez, manteve a estratégia empresarial correta adotada pela Petrobras.

A suspensão dos pagamentos do take-or-pay também não resultou em prejuízos para a Bolívia, não cabendo, portanto, a afirmação de que tal fato teria influenciado o processo de nacionalização. O take-or-pay trata-se da garantia de pagamento de um volume mínimo de gás, mesmo que o consumo efetivo do produto seja inferior. Os pagamentos relativos ao take-or-pay no contrato de importação de gás natural boliviano são efetuados diretamente aos produtores como uma compra antecipada, garantindo à Petrobras o direito de retirar no futuro a quantidade de gás paga e não retirada.

É importante destacar que o pagamento de take-or-pay é uma operação meramente financeira, que não gera qualquer receita de royalties ou impostos para o estado boliviano. Os tributos, incluindo os royalties, só são pagos quando do consumo efetivo do gás – razão pela qual a suspensão dos pagamentos não trouxe nenhum prejuízo tributário para a Bolívia. Para os produtores, o take-or-pay tem como objetivo proporcionar uma garantia de fluxo de caixa mínimo face aos investimentos realizados, condição essa que já estava sendo satisfeita apenas com os volumes efetivamente exportados, devido aos preços praticados na época. Adicionalmente, dados os preços atuais, não é vantagem para os produtores receberem os pagamentos suspensos, já que receberiam um valor menor por um gás que hoje tem valor mais elevado e teriam que pagar os royalties com base nesse valor mais elevado.

Desde 2001, a Petrobras vem negociando com a YPFB soluções de diversas controvérsias técnicas e comerciais relativas, entre outros, às divergências na interpretação do cálculo de preços, cálculo do take-or-pay, penalidades e do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Respaldada por cláusulas de proteção existentes no contrato, a suspensão dos pagamentos do take-or-pay foi o instrumento utilizado pela Petrobras para resguardar seus direitos, enquanto não eram solucionadas as controvérsias existentes e restaurado o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

O equilíbrio econômico-financeiro do contrato foi afetado por alterações supervenientes que prejudicaram o desenvolvimento da demanda por gás natural boliviano no mercado brasileiro. Vários fatores contribuíram para os problemas com a demanda, dentre os quais se destacam:

* a pouca competitividade, na época, do gás natural boliviano frente aos outros combustíveis disponíveis no mercado brasileiro •

* os efeitos do racionamento de energia ocorrido em 2001, notadamente a forte redução da demanda por energia elétrica, que acarretou na não implementação de diversas usinas termelétricas previstas no Programa Prioritário de Termelétricas (PPT) e no baixo nível de despacho das termelétricas construídas.

As cláusulas de take-or-pay usualmente se aplicam em situações temporárias, de caráter sazonal, ou seja, não é razoável que o ato de pagar sem retirar o gás se torne uma constante, se eternize como de fato vinha ocorrendo, caracterizando a situação de desequilíbrio, cuja correção está prevista no contrato.

No início de 2004, a Petrobras fez um pagamento parcial dos valores de take-or-pay em negociação e, ao final daquele ano, houve uma tentativa de acordo que contemplava o pagamento da totalidade do take-or-pay incontroverso, que não foi levada adiante pela YPFB.

Em abril de 2006, já na gestão do atual governo boliviano, a Petrobras e a YPFB concluíram um pré-acordo sobre esse tema, e ambas as empresas estão em negociações avançadas para equacionar a questão de forma definitiva.

Atenciosamente,

Ildo Luís Sauer

Diretor de Gás e Energia

PETROBRAS – Petróleo Brasileiro S.A.

Comentário

O que entendi, sinteticamente, da correspondência do Ildo Sauer:

1. A Petrobrás efetivamente não cumpriu o acordo de take-or-pay em 2003. A decisão do não pagamento não foi de Sauer, mas ele foi seu implementador.

2. O governo boliviano não teve prejuízos porque os tributos incidem apenas sobre a venda física efetivada.

3. Mas os produtores tiveram prejuízo. Sauer argumenta que, como os preços estavam elevados na época, o volume financeiro pago foi de acordo com previsto. Não devia ser, caso contrário não haveria controvérsia – que efetivamente houve.

4. Segundo a carta, o não pagamento se deveu a problemas ocorridos internamente no Brasil. A tentativa de acordo de 2004 não foi bem sucedida. A de 2006 avança.

Luis Nassif

7 Comentários

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  1. Quer dizer que quando um lado
    Quer dizer que quando um lado entende que “O equilíbrio econômico-financeiro do contrato” é afetado por “alterações supervenientes” na demanda de seu mercado interno, passa a ser justo quebrar o contrato?

    Para mim está claro porque a Bolívia tomou atitude tão dura. Foi passada para trás. Como é que podemos reclamar? O fato de que investimos dinheiro na Bolívia é justificativa para enganá-los? Eu acho que não.

    Os bolivianos têm minha solidariedade.

  2. É aquela coisa: pimenta no
    É aquela coisa: pimenta no dos outros é refresco.
    Seu eu entendi, o dinheiro do pagamento aos produtores não entrou na Bolívia. Então é prejuízo para o pais andino. Independente dos royalties e impostos.
    Pelo que entendi, essa suspensão, devido a variação para cima do preço do gás, acabou sendo prejudicial à Petrobrás. Vai pagar mais pelo que podia ter comprado mais barato. Rompeu o contrato para pressionar as negociações – não levou e ainda teve prejuízo financeiro.
    A explicação a respeito do racionamento de energia é incrível: racionamos porque não geramos energia suficiente para atender a demanda, mas depois deixamos de construir usinas porque a demanda – devido ao racionamento – não é suficiente. Claro que a mediocridade do crescimento econômico não tem nada a ver com isso.
    A pedra no sapato do Lula, nesse caso do gás boliviano, é que a Argentina já negociou o preço de 5 dólares/milhão de unidades. É um fato político insuperável para quem quer ser o líder da tal comunidade sul-americana. No final a Bolívia vai impor as suas condições à Petrobrás.

  3. O Fato da Bolívia ter fechado
    O Fato da Bolívia ter fechado preço que quis com Argentina, mostra que o Brasil não tem outra alternativa a não ser aplicar as mesmas sanções que os EUA impõe a Cuba.

    Os Países que negociam com Bolívia teriam que repensar para não perder um mercado com possíveis 180 milhões de consumidores.

  4. Caro Nassif

    Gostaria de
    Caro Nassif

    Gostaria de saber por quanto a PETROBRAS compra o gas da
    Bolivia. por quanto ela vende o
    gas para as Distribuidoras, e fi-
    nalmente, quanto as Distribuido-
    ras cobram do consumidor final,
    digamos residencial e automoti-
    vo.

    Abraços

  5. Renato:
    Existe um livro
    Renato:
    Existe um livro chamado “O Retrato” escrito por Osvaldo Peralva (se a memória não me falha), um ex-comunista. Nele conta o orgulho que os brasileiros, fazendo curso na antiga URSS, sentiam quando o professor falava do sub-imperialismo brasileiro na América do Sul, usando como exemplo a guerra do Paraguai.
    A Argentina aceitou o valor com a Bolívia dentro de uma negociação. E olha que as empresas argentinas que estão na Bolívia não são estatais. O mesmo vai acontecer com a Petrobrás, por razões não só de necessidade mas políticas.
    Claro, o mundo tremeria se o Brasil decreta-se um bloqueio à Bolívia ! Afinal, a nossa importância no comércio mundial é tão grande!

  6. Colegas, Nassif,,
    entendi o
    Colegas, Nassif,,
    entendi o seguinte:
    todo contrato prevê cláusulas que preservam ambas as partes em caso de desiquilíbrio financeiro.
    Usar esta cláusula faz parte do contrato. Portanto não faz sentido afirmar que a Petrobrás não cumpriu um “acordo”. Toda empresa e toda organização sadia contém funcionalidades que tentam garantir que seus interesses são preservados (contra todas as vontades, inclusive de seu CEO), muitas vezes responsabilizando administrativamente seus dirigentes por desvios de conduta que afetem o desempenho organizacional. Por exemplo, o Estado, em geral, é obrigado a recorrer de causas que afetam gravemente o erário até última instância. Isto o protege de eventuais golpes como pode ocorrer por exemplo em indenizações e etc. A não observância desses dispositivos pela direção, no caso do Estado, pode levar a processos por crime contra a administração pública (isto não tem nada a ver com Petrobrás, é só um exemplo de um dispositivo muito comum em organizações). Duvido que no contrato estivesse previsto a invasão com tanques e soldados do exército boliviano para expropriação de ativos estrangeiros…Ildo está sendo cristalino na descrição das decisões adotadas, que preservaram os interesses da Petrobrás. Não faz sentido insistir em uma tese esdrúxula que no final acaba em “a Petrobrás não defendeu os interesses bolivianos”. É um sacrifício exagerado de neurônios para tentar subsidiar essa ou aquela postura do governo atual na questão…Quem deve defender os interesses dos acionistas bolivianos é a fornecedora boliviana, que se não o faz, deveria com certeza sofrer intervenção de seus acionistas (se for o governo boliviano, que seja…) – dentro dos dispositivos previstos em contratos. A atitude da Petrobrás indica a saúde de uma organização que busca preservar seus interesses legítimos. A atitude da empresa foi muito diferente da de nosso atual presidente que, durante a campanha de Evo Morales para presidência da Bolívia (durante a qual Evo publicou seu programa de governo que explicitamente violava interesses nacionais, com a expropriação de ativos de empresas estrangeiras – como a Petrobrás e etc.), contribuiu entusiasticamente inclusive com a presença em palanques para sua eleição. Isto sim, é ir contra os interesses de uma instituição (no caso o próprio país). Isto sim, é demonstração, prova cabal de que a nossa “instituição democrática” é ridiculamente frágil, incapaz de depor um presidente que em horário nobre vai na televisão dizer que fez caixa 2 e que todo mundo faz e etc, e que fica viajando por aí, mostrando ao mundo como a AL finalmente volta a ser o paraíso dos caudilhos populistas.

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