Internação Compulsória é um retrocesso, diz especialista

Jornal GGN – Um dos pontos polêmicos do texto aprovado pela Câmara dos Deputados com relação à lei que modifica o Sistema Nacional de Política sobre Drogas (Sisnad), na verdade, não é a questão da internação compulsória, mas sim o financiamento, com dinheiro público, de comunidades terapêuticas privadas – em sua maioria, dirigidas por entidades religiosas.

O projeto de autoria de Osmar Terra (PMDB-RS), aprovado nesta quarta-feira, 22 de maio, possibilita às famílias ou responsáveis legais de usuários de drogas requererem, mesmo sem o consentimento do dependente, a internação em instituição de saúde para tratamento de desintoxicação. O texto não diferencia claramente usuários e traficantes.

Para o psicólogo Aristeu Bertelli, colaborador da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia e coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos em São Paulo, essa medida representa um grande retrocesso. “O principal ponto a ser observado na proposta do projeto de lei 7663, de Terra, é o financiamento de instituições terapêuticas privadas”.  


Bertelli: “O que está se propondo, com a lei, é a transferência de dinheiro público para os cofres dessas entidade que não tem possibilidade de controle, já que a legislação para regulamentar as comunidades terapêuticas é extremamente frágil”
 

O texto aprovado pelos deputados reduz a internação de 180 para 90 dias, quando “a internação compulsória já é prevista em lei como parte de um procedimento jurídico, ou seja, quando o juiz determina a internação ouvindo profissionais da área de saúde”, aponta.

O projeto, de acordo com o psicólogo, representa um retrocesso da Lei 10216, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. “Com o novo projeto pretende-se abrir espaço e gerar investimento em mini manicômios”, relata.

Internações

Bertelli aponta que a legislação brasileira já permite três tipos de internações – sendo elas voluntárias, involuntárias e compulsórias. O que acontece com a nova lei é que o mote de internações compulsórias, que já é previsto, será usado para pegar o dinheiro público e investir em entidades privadas. “Quando o governo diz que há milhares de leitos para atender à demanda de dependentes químicos, esses leitos são privados e nesses lugares não há um tipo de projeto individualizado para cada caso, isso na verdade é um Proer do crack”, diz o psicólogo, se referindo ao fortalecimento do uso da droga como consequência de tratamento realizado em instituição não fiscalizada.

O psicólogo aponta, como fundamental, que as famílias busquem apoio aos dependentes químicos para que se reestabeleçam, mas isso esbarra no problema de que as redes instituídas pelo próprio governo não estão estruturadas para realizar esse atendimento. “Acontece que o governo não investe nas redes já estabelecidas para realizar esse papel dentro da sociedade e garantir um atendimento específico e de qualidade para cada caso”, analisa. “Tem-se funcionários, mas não há, por exemplo, uma condição de formação continuada.”

Os próprios hospitais instituídos pelo governo não sabem a quantidade de comunidades terapêuticas existentes no estado. “O que está se propondo com a lei é a transferência de dinheiro público para os cofres dessas entidades que não tem possibilidade de ser controlada pois a própria legislação que regulamenta as comunidades terapêuticas é extremamente frágil”, enfatiza.

Outro ponto a se analisar é como o governo pensa em dar assistência às pessoas que estão envolvidas com os dependentes químicos “Qual será o trabalho feito com a família, com a comunidade em que esse dependente estava inserido? Se não for promovido um trabalho nesse meio, a chance de ter uma recaída do indivíduo é enorme”, observa.

Ele relata ainda que o tráfico – responsável por dizimar milhares de vidas por ano – entra onde o estado falhou. É preciso criar novas condições, como projetos de vida estruturados para as crianças e adolescentes. “Quando a pessoa entra no vício, para que ela saia efetivamente, ela precisa de um bom atendimento de saúde e condições de ser reinserida na sociedade”, explica. “O fator determinante para reabilitação não é o tempo de internação, mas sim a motivação que a pessoa terá para se tornar parte da sociedade novamente.”

O texto-base da nova medida aprovada prevê, ainda, o aumento da pena para o tráfico de drogas, de cinco para oito anos, e a isenção fiscal às empresas que empregarem dependentes químicos em recuperação.

Redação

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