Investimento social privado em Educação no Brasil e na Argentina: é preciso desconcentrar recursos, por Gustavo Bernardino e Débora Telles

Investigadas as temáticas em que os investidores sociais focam suas iniciativas, a Educação é prevalente nos dois países

Investimento social privado em Educação no Brasil e na Argentina: é preciso desconcentrar recursos

por Gustavo Bernardino e Débora Telles

O Grupo de Fundaciones y Empresas (GDFE) — associação argentina formada por empresas e fundações comprometidas com o desenvolvimento sustentável daquele país por meio da filantropia e do Investimento Social Privado (ISP) — lançou, este ano, o primeiro estudo quantitativo sobre o segmento, na Argentina. A pesquisa “Cuánto, donde y en qué” foi desenvolvida junto à base de associados do GDFE, composta por 58 membros, com a coleta de respostas de 49 deles. O estudo, por ser o primeiro dessa natureza, permitirá o acompanhamento da evolução da filantropia e do ISP na Argentina.

“Cuanto, donde y en qué” teve como modelo o Censo GIFE, publicação bianual do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas — referência em promoção do Investimento Social Privado no Brasil. O Censo está na 10ª edição [abrangendo duas décadas], tendo computado informações de 131 respondentes membros do GIFE. Tal como a investigação argentina pretende, o Censo brasileiro permite acompanhar o desenvolvimento deste setor no país.

Analisando os números em termos de volume de recursos mobilizados em iniciativas para o bem comum, o estudo do GDFE verificou um montante da ordem de 4,05 bilhões de pesos argentinos ($ARS), o equivalente a cerca de 26 milhões de dólares (US$): algo como 1% do investimento em Educação pelo governo argentino, em 2021.

Já o Censo GIFE aferiu, em 2020, um total de R$ 5,3 bilhões [aproximadamente US$ 1 bi] mobilizados por atores do Investimento Social Privado. O patamar é expressivamente mais alto do que nas últimas edições do levantamento, quando a média ficava na casa de R$ 3,5 bi [cerca de US$ 670 milhões].

Para efeito de comparação entre um caso e outro [Argentina e Brasil] — e observando-se a desigualdade no poder de compra das moedas [pesos argentinos X real] —, os R$ 5,3 bi mobilizados pelo GIFE correspondem a 4% do executado pelo Ministério da Educação brasileiro, no mesmo ano de 2021.

Analisando-se a mediana de investimento, os montantes mobilizados por fundações e empresas nos dois países chegam a cifras como $ARS 55,3 mi (US$ 360,2 mil), no caso argentino; e a R$ 8 milhões (pouco mais de US$ 1,5 milhão), em relação ao Brasil.

Investigadas as temáticas em que os investidores sociais focam suas iniciativas, a Educação é prevalente nos dois países: 88% das fundações e empresas argentinas e 76% das brasileiras manifestaram atuar neste tema. Na Argentina, as temáticas que aparecem na sequência são “Inclusão laboral e empregabilidade” [correspondente à terceira colocação apontada pelo Censo GIFE] e “Desenvolvimento local”. No cenário brasileiro, o segundo e quarto temas que recebem mais investimentos têm intrínseca relação com circunstâncias e impactos da pandemia da Covid-19, respectivamente: “Proteção e assistência social” e “Saúde” — as que mais saltaram percentualmente da penúltima edição do Censo para a atual.

Dentre os investidores sociais argentinos que trabalham com Educação, o Ensino Secundário daquele país [equivalente ao Ensino Médio brasileiro] é o principal foco de atuação [71%]. No Brasil, o investimento em ações relacionadas a este nível de ensino fica logo atrás do “Fundamental II” [faixa etária de 11 a 14 anos]: 41% e 44% respectivamente, evidenciando a grande preocupação do ISP junto aos adolescentes que, em ambos os países, é foco de preocupação quanto ao abandono escolar. Para se ter uma ideia, de cada 100 estudantes argentinos que ingressam no Ensino Secundário, apenas 45 concluem esta fase (CIPPEC/2019). No Brasil, 51,2% da população acima dos 25 anos não concluiu o Ensino Médio, segundo dados do IBGE/2020.

Quanto às estratégias de direcionamento do recurso filantrópico em Educação, a pesquisa “Cuánto, donde y en qué” dirige o foco da pergunta à atuação das organizações em si: 73% o fazem por meio de seus próprios projetos, 51% têm programa operado por organização parceira e 62% apoiam iniciativas desenhadas e implementadas por Organizações da Sociedade Civil.

Já o estudo brasileiro questiona o destino do recurso, propriamente: 39% vão para a implementação de projetos próprios, 37% são operados por [ou em conjunto com] terceiros e apenas 19% do recurso à Educação corresponde a iniciativas formuladas, desenvolvidas e operadas por Organizações da Sociedade Civil.

Quanto à regionalização do investimento, o Censo GIFE aponta que 36% das iniciativas são desenvolvidas em São Paulo; Rio de Janeiro e Minas Gerais aparecem na sequência [empatados com 16%]. Os estados do Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Ceará dividem a terceira posição, com 10% do total de iniciativas em Educação. Três estados do nordeste brasileiro estão, assim, entre aqueles com maior número de projetos; embora, impossível não notar, com larga concentração em São Paulo.

No cenário argentino também se visualiza uma concentração da atuação do setor no maior centro econômico do país: a Grande Buenos Aires, com 67%. Na sequência, aparecem a província de Buenos Aires [57%], além de Santa Fé [43%] e Neuquén [41%].

Aqui e acolá, percebe-se, portanto, que ainda há boa margem para a contribuição do Investimento Social Privado em Educação, nos dois países. Para isso, é preciso desconcentrar recursos, investindo-se nas regiões que mais precisam.

*Gustavo Bernardino é gerente de programas do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE/Brasil)
*Débora Telles é gerente de programas do Grupo de Fundaciones y Empresas (GDFE/Argentina)

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Redação

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