Junho/2013: Quando o Backlash é sinônimo de conservadorismo

As Eleições de 2014 entrarão para a história política brasileira, independentemente do resultado do 2° turno presidencial e dos governos estaduais, em razão do chamado Political Backlash e dos seus efeitos para as nossas instituições políticas. 

O fenômeno é estudado pela Ciência Política e pelo Direito Constitucional americano para se referir à oposição, desaprovação da sociedade às decisões de instituições políticas formalmente ou legalmente constituídas, tais como parlamentos, partidos e poder judiciário em temas controvertidos e polêmicos, podendo ter efeitos positivos ou negativos para os arranjos institucionais de um país.

No caso brasileiro, recentemente, o Backlash pode ser associado às recentes “Jornadas de Junho” as quais expressaram a crescente descrença nas transformações sociais a partir das instituições. Conforme dados do IBOPE, cerca de 84% da população foram favoráveis às manifestações que promoveram uma resistência social ao aumento de tarifas, ao mesmo tempo em que vocalizaram uma pauta reivindicatória ampla e difusa, compreendendo desde ética na vida pública, combate à corrupção, reforma política e melhoria dos serviços públicos essenciais.

Após o resultado oficial das urnas uma análise dos resultados alcançados pelas manifestações parece demonstrar que, diferentemente do esperado, o seu impacto transformador do desenho institucional brasileiro fora mínimo perante o Legislativo Federal, quando não representou a ascensão de uma onda conservadora, de manutenção das estruturas mais carcomidas da sociedade.

Segundo dados do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar – DIAP, o Congresso eleito em 5 de outubro de 2014, apesar de renovado em 46,39% na Câmara e em 81,48% em relação às vagas em disputa no Senado, será um dos mais conservadores desde a redemocratização, em 1985. A propalada renovação nas duas Casas se deu apenas no aspecto formal. Houve, em verdade, uma circulação simbólica do poder a partir do retorno de ex-agentes públicos, bem como o ingresso de “novos” representantes sejam estes parentes de políticos tradicionais, celebridades instantâneas, pastores evangélicos, policiais e militares contrários aos direitos humanos dos infratores ou apresentadores de programas de rádio e TV de conteúdo deseducativo, que prestam desserviços à democracia.

Ainda, um dos principais pontos da pauta dos protestos era a necessidade de uma reforma política, mormente em face da fragmentação de nosso sistema político-partidário: ao todo 33 partidos. No entanto, em 2015, o Congresso Nacional saltará dos atuais 22 partidos com representação para 28, em geral, os mais ligados às oligarquias políticas. Este fato certamente agravará o déficit funcional do Parlamento, haja vista a pulverização de lideranças partidárias, senha para barganhas anti-republicanas.

Outro efeito negativo verificado pós-apuração foi constatado em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Quase metade da nova Câmara que tomará posse em 2015 será formada por deputados federais milionários. Serão 248 políticos eleitos que declaram ter patrimônio superior a R$ 1 milhão (48% dos 513 eleitos). Eram 194 na legislatura anterior. Esta realidade que revela o descolamento dos anseios dos representados com os representantes eleitos cada vez mais se aprofunda em razão de legislação eleitoral que permite o financiamento de 2% do faturamento bruto de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais.

Se por um lado a classe política não votou a tempo este importante item para uma reforma eleitoral até certo ponto minimalista porque é a principal beneficiária e não vão eles próprios votar contra seus interesses, por outro, o STF perdeu outra boa oportunidade de ouvir os anseios das ruas: a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4650 promovida pelo Conselho Federal da OAB e pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), apesar do voto favorável de 6 dos 11 Ministros, teve seu julgamento suspenso, graças ao pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes, fazendo com que o TSE promovesse o processo eleitoral regido pela legislação que fomenta a cooptação da política pela corrupção rentista.

Algo a comemorar? O aumento de 10% na bancada feminina na Câmara dos Deputados: foram eleitas 51 deputadas, cinco a mais em comparação à bancada de 46 deputadas eleitas em 2010. No entanto, o incremento não foi suficiente para equilibrar a representação entre mulheres e homens no Legislativo Federal.

Como rescaldos das manifestações de junho tivemos uma realidade paradoxal: se em 2013 a sociedade civil foi às ruas exigindo mudanças profundas nas instituições, escancarando o déficit funcional do sistema representativo brasileiro, quando pode exercê-la através do voto em 2014 optou ora pela abstenção ou pelo voto nulo (somaram ambos 29,03%), ora por um viés conservador que inviabilizará as mesmas reformas  reclamadas nas ruas.

Ficam as seguintes reflexões: 1) nosso sistema político ainda trabalha na lógica implícita da exclusão das formas de participação popular do rol das instituições políticas, reproduzindo a enfadonha oposição entre participação e institucionalização e 2) redesenhar quaisquer instituições políticas e, principalmente, o modelo político-eleitoral nacional exige agenda política definida, um olhar estratégico-institucional e pressão popular articulada. Chavões senso comum como “contra tudo o que está aí” levam ao conservadorismo e ao grande desinteresse da população na consecução da vida política do país, mantendo-as impermeáveis a qualquer tipo de manifestação popular. Isso em qualquer lugar do mundo.

Rafael Bezerra

Advogado. Pesquisador do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições – LETACI/FND/UFRJ

Redação

5 Comentários

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  1. acho que só com um

    acho que só com um plebiscito

    – como o proposto pela presidenta dilma –  

    poderá começar a resolver essa complexa questão…

    por este congresso, parece que não!

  2. Ser milionário

    O que é ser milionário no Brasil? Qualquer imovelzinho no interior de SP custa próximo de um milhão. Vê-se nos anuncios pequenos apartamentos no Sudeste sendo vendidos por mais de um milhão.

    Este “ser milionário” é meio que estereótipo. Os imóveis é que estão com preço inflacionado, por isto temos tantos “milionários” no país. O conceito de milionário é distorcido, devia ser medido por quem ganha milhões todos os anos e não por quem tem alguns milhões.

    As vezes a pessoa herda um imovel que valia 60 mil reais, mas com a alta dos imoveis passou a valer 1 milhão e pronto, ela agora é  milionária, sem fazer nada.

     

    Além do mais, não haveria problema nenhum em sermos governados por “milionários”, contanto que tivesem uma posição coerente. José Alencar, foi vice do Lula e era “milionário”, grande empresário. Foi um grande político que deu apoio ao PT e fez muito pelo Brasil. Aonde se enquadraria o preconceito contra “milionários” neste caso? 

    Este conceito não procede.

     

  3. Importante analise baseada em resultado factual.

    Eu conversei com o meu irmão e minha família em 2013 durantes as manifestações. Minha preocupação não era pela explosão de reivindicações, mas principalmente pela observação de que pessoas não sabiam pelo que reivindicavam, a quem reivindicavam, e como o que reivindicavam poderia ser realizado dentro da estrutura democratica dada em nosso país. O resultado está na visão rasa de muitos em acreditar que basta o PT sair do poder para tudo dar certo: incrível! e mais surpreendente que tenho de escutar isso de gente com grau superior, mas que não sabe quem é responsável pelo que dentro da federação! 

    Infelizmente o que eu falava com o minha família se confirmou da pior forma possível, e o resultado está aí para todos verem: 1. Um congresso eleito que dificultara o progresso possível no execultivo, isso se o execultivo for progressista. Ou seja, há uma grande risco das manifetações entrarem para a história como um marco de retrocesso até mesmo no futuro da organização política do país, com PV, partes de um PSB rachado e Marina pulando para o neoliberalismo. 2. A população de Itu que votou em 60% por Alckmim, junto dos 50% de Campinas, não pode reclamar da falta de água e de levar o cacete se o fizerem: votaram para que tanto haja um desmonte estrutural do estado e da administração dos recursos naturais da forma mais predatória possível em favor do capital em detrimento da população, e ainda apoiaram que manifestações sejam criminalizadas, assim como ocorrerá no futuro se Aécio se eleger com manifestações como as de 2013. 

    Ou seja, o único resultado político das manifestações foi contrário as manifestações. Depois não reclamem se ocorrer como tem ocorrido no sul da Europa: no hotel onde trabalho no Reino Unido tenho uma colega italiana, formada em jornailismo em 2010 na mehor Universidade de Milão, fala inglês e francês, e só conseguiu trabalho em 2011-12 em esteagio gratuito e depois em limpeza sem contrato permanente. Aqui, limpeza com contrato permanente.

    Exatamente por isso quero voltar ao Brasil: É o paradoxo da vida: vim para o Reino Unido para estudar pq não tinha oportunidade no Brasil, e em 2016 termino meu doutorado pq aqui tem wellfare state que ajuda a mim e minha esposa com nossos filhos. Aqui minha esposa estudou até o proficiency, fez outra faculdade sem pagar nada pq a gente é pobre, duas especializações e agora é mestranda, enqunato passou fome no Brasil pra poder terminar a faculdade em 2002. Somente quem não sabe o quanto tem a ganhar quando tem um estado que te dá suporte paa se desenvolver pode aceditar que o darwinismo social é bom.

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