Justiça de São Paulo anula condenação de PMs pelo Massacre do Carandiru

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Tropa de choque isolando a entrada da Casa de Detenção do Carandiru depois do massacre de 1992
 
Jornal GGN – O Tribunal de Justiça de São Paulo anulou a condenação de 73 policiais militares pelo Massacre do Carandiru, nesta terça-feira (27), por consideraram que não era possível comprovar quais foram os crimes cometidos por cada um dos agentes. A medida provocará um novo julgamento, invalidando os quatro já feitos até agora. Um dos desembargadores, Ivan Sartori, chegou a pedir a absolvição dos policiais, mas os outros quatro membros não aceitaram.
 
Da Agência Brasil
 
Por Daniel Mello
 

O Tribunal de Justiça de São Paulo anulou hoje (27) os quatro julgamentos que condenaram 73 policiais militares pelo Massacre do Carandiru. Os três desembargadores da 4ª Câmara Criminal do Tribunal do Júri responsáveis pelo recurso da defesa dos réus entenderam que não há elementos para mostrar quais foram os crimes cometidos por cada um dos agentes. Com isso, deverão ser realizados novo julgamento.

O presidente da 4ª Câmara, desembargador Ivan Sartori, chegou a pedir a absolvição dos réus em vez da realização de um novo julgamento. Porém, a posição não foi aceita pelos demais quatro membros do colegiado presentes na sessão.

No dia 2 de outubro de 1992, a Polícia Militar de São Paulo matou 111 presos em operação para controlar uma rebelião na Casa de Detenção de São Paulo. Conhecido como Carandiru, o presídio inaugurado em 1920 funcionava na zona norte da capital. O local chegou a abrigar 8 mil detentos no período de maior lotação. A unidade foi desativada e parcialmente demolida em 2002.

Por envolver grande número de réus e de vítimas, o julgamento foi dividido, inicialmente, em quatro etapas, de acordo com o que ocorreu em cada um dos pavimentos da casa de detenção. Os 73 réus foram condenados a penas que variam de 48 a 624 anos. Um dos acusados foi julgado em separado, sendo igualmente condenado.

Durante o seu voto, o relator, desembargador Ivan Sartori, classificou o processo que resultou nas condenações de “revoltante”. Na avaliação dele, houve falha ao identificar quais foram a condutas dos policiais ao entrarem no presídio. “Nesse processo não se sabe quem matou quem, quem fez o quê”, disse, exaltado, ao apresentar sua posição. “Como julgador, nunca vi processo tão kafkaniano”, disse em referência ao escritor tcheco Franz Kafka, que retrata de forma surrealista o absurdo da burocracia jurídica.

Ao mencionar diversos depoimentos, Sartori destacou que há provas de que em vários momentos foram encontradas armas dentro do Carandiru, o que vai ao encontro da versão de que os policiais reagiram a tiros disparados pelos detentos. Por isso, o magistrado também defendeu a tese de que não houve um massacre, mas que os policiais, na maioria, agiram em legítima defesa, obedecendo a ordens hierárquicas.

Nesse sentido, o desembargador Edison Brandão defendeu a legitimidade da ação contra os presos rebelados. “Não era um exército de extermínio, era uma força militar-policial”, ressaltou durante seu voto.

Perícia

O revisor do caso, desembargador Camilo Léllis, lembrou os problemas da perícia, em especial a balística, para verificar a origem dos tiros que mataram os presos. “A perícia foi muito malfeita. Uma perícia duvidosa”, enfatizou. O magistrado reconheceu, entretanto, que os policiais passaram do limite. “O excesso não se pode negar: 111 presos mortos, nenhum policial.”

Na ocasião, os projéteis retirados dos corpos das vítimas ficaram guardados, uma vez que o Instituto Médico-Legal alegou que não tinha meios para fazer aquele número de análises. “Verifiquei que não houve interesse do governo de que se realizasse essa perícia. Porque bastava ter adquirido um equipamento mais moderno, em vez de se gastar em propaganda”, ressaltou Léllis ao acusar o governo estadual de não ter se esforçado para solucionar o caso.

A análise balística nunca chegou a ser feita. “Os projéteis apreendidos sumiram de dentro do fórum”, lembrou a advogada de parte dos réus, Ieda Ribeiro de Souza. Para ela, os policiais acabaram sendo condenados diante da incapacidade de responsabilizar os comandantes da operação. “Já que nós não conseguimos pegar o culpado real, que é o governador Fleury Filho [governador à época], vamos pegar o elo mais fraco”, disse ao pedir a anulação dos julgamentos.

Acusação

A procuradora Sandra Jardim rebateu alguns dos pontos técnicos levantados pela defesa, que acabaram rejeitados pelos desembargadores, e destacou os elementos que apontam abusos da ação policial. Segundo ela, muitos foram mortos sem roupas no interior das celas. “Quando os presos já estavam desarmados, acuados e rendidos”, ressaltou a representante do Ministério Público.

Sandra ainda acusou os policiais de tentar eliminar as provas dos crimes. “Nenhum projétil ou estojo vazio foi encontrado no local”, afirmou, com base nos depoimentos colhidos durante o processo.

Em ocasiões anteriores, o ex-governador se manifestou sobre o assunto. Fleury explicou que os fatos ocorreram na véspera das eleições municipais e que, no dia, ele estava em Sorocaba, no interior do estado, em campanha com um candidato da cidade. Fleury disse que foi informado sobre uma rebelião em São Paulo, mas que “as coisas estavam sob controle”.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

13 Comentários

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  1. Resumindo, o TJSP legalizou
    Resumindo, o TJSP legalizou localizou os massacres praticados pela PM/SP.
    Coitados… os vetustos velhinhos do TJSP já não sabem mais que futuro estão construindo.
    Alguém ficará surpreso quando PMs massacrarem centenas de Desembargadores?
    Os PMs assassinos de Desembargadores certamente invocação a jurisIMPRUDENCIA do próprio TJSP.
    Pequena perda, direi…

  2. justiça…

    Justiça? Que Justiça? Aquela que não aceitou nem a menção dos maiores responsáveis dentro do Processo Penal? Sem julgar como réus e únicos responsáveis o governador de SP, membro da OAB e o Secretário de Justiça, sociólogo da USP, quem o Poder Judiciário poderá condenar?

  3. Essa anulação da condenação

    Essa anulação da condenação do PMs pelo massacre do Carandirú só foi possível porque vivemos em um estado de exceção. Em outros tempos, esses desembargadores não se exporiam tanto porque ainda se falava em dignidade humana. Agora com escancaramento da justiça como defensora de interesses de grupos ou classes sociais abastadas, se sentem livres para apregoar a velha máxima da elite e da classe média servil ” bandido bom é bandido morto”. E olhe que ainda não chegamos  ao fundo do poço. 

  4. Como todos os coxinhas

    Como todos os coxinhas atucanados sabem, foram 111 culpados, que, graças aos pobres policiais, já foram mortos, pra não incomodar os alkministas da vida. Ora, ora e ora.

  5. As coisas estavam sob

    As coisas estavam sob controle”” para Fleury. Então tá. Preciso rever meus conceitos. A bem da verdade elas estão sim, sob o controle de quem age fora da lei, sob o controle de tribunais  que no máximo da  distorção chegam a citar Agamben para justificar as condutas  político-partidárias do tribunal de exceção instalado na republiqueta de curitiboca.
     

  6. Se havia alguma dúvida de que

    Se havia alguma dúvida de que vivemos um golpe de Estado,esta anulação esclareceu tudo.A fala de um dos desembargadores foi um primor algo como.Não houve massacre,houve uso da força para reestabelecer a disciplina.

    Nenhum ditador sanguinário do mundo faria pior.

    Golpistas!

  7. A Justiça no Brasil é muito

    A Justiça no Brasil é muito lenta.

    Só agora, 24 anos depois, somos informados que não houve massacre.

    Por um desembargador, juiz dos juízes.

    111 detentos mortos, mas não foi massacre.

    De qualquer modo, é bom continuar investigando, pois são 111 mortos, mas não foi massacre. Mas foi alguma coisa, já que foram 111 mortos. Em meia hora, se não me falha a memória.

    Um dia, quem sabe, conseguem descobrir a verdade, o que de fato aconteceu.

    Meu palpite: suicídio coletivo.

    Não é um processo Kafkiano, nunca visto antes no Brasil, conforme definiu o desembargador?

    Então é possível que tenha sido suicídio coletivo. E, portanto, questão de foro íntimo, para os 111, coisa que não nos diz respeito.

    Pobre Kafka. Teria sido melhor que o Max Brod houvesse cumprido sua última vontade.

    Assim, seu nome não terminaria na boca de um magistrado brasileiro.

    O pior dos pesadelos.

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