Loteamento de cargos do governo Bolsonaro é consolidado

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Após 5 meses, discurso "outsider" de Bolsonaro cai e as indicações políticas passam a ser institucionalizadas em uma plataforma oficial, em decreto

Foto: ABr

Jornal GGN – O presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto, nesta terça-feira (14), que dá carta branca para um novo esquema de loteamento público em todas as nomeações de segundo e terceiro escalões. O decreto fortalece uma plataforma online de recomendações – de interesse, sobretudo, de bancadas parlamentares –, modifica o responsável do governo por indicar alguns desses cargos e, por fim, traz poder à Secretaria de Governo da Presidência da República para aprovar ou não as nomeações que competiam, até então, aos órgãos federais.

Em outras palavras, Bolsonaro será responsável pelas nomeações de cargos de confiança ou funções que antes não eram de responsabilidade do governo federal. Inclui-se aí as Universidades Federais, as agências reguladoras e o Banco Central. E ainda outros cargos de todos os órgãos da administração pública federal direta, autarquias e fundações públicas.

No novo sistema de nomeações do governo de Jair Bolsonaro – que até então se apresentava como um outsider da prática de indicações políticas, estampando essa bandeira inclusive durante a campanha eleitoral –, o poder passa a estar concentrado nas mãos de duas figuras do governo: a Casa Civil e a Secretaria de Governo da Presidência da República.

O primeiro é responsável por boa parte das nomeações e, inclusive, obteve um aumento neste poder de nomeações (confira abaixo o exemplo das Universidades). Já o segundo, para os casos ainda que competem aos próprios órgãos e instituições federais nomear, a Secretaria de Governo terá a palavra final para autorizar ou desautorizar as indicações.

O atual secretário de Governo é o ministro Santos Cruz, da ala militar do governo Bolsonaro. No artigo 22 do decreto, é garantido a ele “avaliar as indicações” de cargos de natureza especial, de titulares de órgão jurídico da Procuradoria, de cargos de confiança e de direção dos níveis mais altos das instituições (níveis 3 e 4, e níves 5 e 6 do Grupo-DAS).

Ainda, Santos Cruz será o responsável por autorizar todos os cargos que não são indicações diretas do governo, mas “cuja competência de nomeação esteja no âmbito: a) das agências reguladoras; b) das instituições federais de ensino superior; e c) do Banco Central do Brasil”.

E quais são os critérios dados a ele para negar ou aceitar as nomeações? Bolsonaro determinou no artigo 22, inciso II, que Santos Cruz deverá decidir a partir da “conveniência” e “oportunidade administrativa”.

Conforme o GGN expôs no especial “O loteamento de cargos do governo Bolsonaro“, Jair Bolsonaro trabalhava para oficializar um sistema de nomeações que garantisse espaço aos parlamentares, visando angariar apoio no Congresso para a aprovação de medidas de interesse, como a Reforma da Previdência. A plataforma online “banco de talentos” foi finalmente concluída e oficializada neste decreto, que cria o Sistema Integrado de Nomeações e Consultas (Sinc).

Apesar do nome formal, a plataforma é a institucionalização do sistema de indicações políticas, tão criticado por Bolsonaro. Nele, os Ministérios é que serão os responsáveis por inserir as informações dos nomes sugeridos, criando um banco de dados para o acesso direto do governo federal. As articulações junto a bancadas parlamentares ocorrerão, assim, por meio dos Ministérios respectivos de cada área interessada na nomeação.

 

Fim da autonomia das Universidades

No caso específico das Universidades Federais e instituições de ensino superior, o poder ao governo federal ficou ainda maior. O presidente da República era o responsável, até hoje, pela escolha dos cargos de direção máxima, as Reitorias, que por sua vez nomeavam respectivos diretores.

Agora, a Casa Civil é quem decidirá reitores, e os demais cargos de direção dentro das instituições de ensino – correspondentes aos níveis 5 e 6 do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores (DAS) –, não serão mais escolhidos pelos reitores, e sim pelo próprio governo federal, por meio da Casa Civil.

É o que estabelece o artigo 4º do decreto:

Delegações ao Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República
Art. 4º Fica delegada competência ao Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República para nomear e exonerar os ocupantes de cargos em comissão e designar e dispensar os ocupantes de funções de confiança no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional nas seguintes hipóteses:
I – quando se tratar de cargo ou função de nível equivalente a 5 e 6 do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS;

 

Outro trecho da decisão de Bolsonaro estabelece que as nomeações não mencionadas anteriormente ficam a cargo dos “Ministros de Estado”. Neste caso, o Ministério da Educação (MEC). São eles, também, quem devem entregar à Casa Civil as sugestões, por meio do Sinc, de nomes para os postos.

Os únicos cargos de Universidades que ficam fora do poder tanto da Casa Civil, quanto do MEC são os considerados de “natureza especial” e o dirigente máximo de instituições federais de ensino superior, que como a legislação brasileira já prevê, a Reitoria compete ao presidente da República. E os de “natureza especial”, conforme explicado anteriormente, ainda precisará da aceitação do ministro da Secretaria de Governo.

 

Abaixo, o decreto:

DECRETO Nº 9.794, DE 14 DE MAIO DE 2019 - DECRETO Nº 9.794, DE 14 DE MAIO DE 2019 - DOU - Imprensa Nacional

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

5 Comentários

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  1. Então se algum nomeado roubar, Bolsonaro será acusado de corrupção por ter nomeado um ladrão, tal como Moro fez com Lula na Petrobras.

  2. Como as coisas foram deturpadas na nossa “democracia”!
    O modo de se aprovar qualquer coisa no congresso não deveria ser a troca de favores e muito menos a compra de votos.
    A “teoria”de funcionamento é outra: Antes das eleições um partido, ou conjunto de partidos, diria por exemplo: “nossos candidatos votarão a favor de uma reforma da previdência que terá, exatamente, os seguintes artigos: …”. Quem estiver de acordo com o proposto votará nos candidatos desses partidos. Se os eleitos somarem 3/5 do congresso (o mínimo para aprovar mudanças na constituição) a mudança é feita, caso contrário não há mudanças.
    Simples, não é? Por que não se faz isso? Porque, com tais propostas, é impossível obter 3/5 de eleitos. Solução encontrada pelo poder econômico: eleger parlamentares corrompíveis e comprá-los depois. Como dizem, precisa desenhar?

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